No ano de 1999, o escritor uruguaio Eduardo Galeano lançou no Brasil o livro com esse título: De pernas pro ar; nele, com o nome de “A exceção”, fez um destaque no formato de informe: “Só existe um lugar onde o norte e o sul do mundo se enfrentam em igualdade de condições: é um campo de futebol do Brasil, na foz do Rio Amazonas. A linha do equador corta pela metade o Estádio Zenão, no Amapá, de modo que cada equipe joga um tempo no Sul e outro tempo no Norte”.[1] Com o mesmo nome também existe um filme brasileiro, lançado em 2010, dirigido por Roberto Santucci que originalmente chamava-se de “Sex Delícia”, mas, após o resultado negativo de uma pesquisa de opinião, decidiram mudar o nome da obra.
Em poucas palavras, a Linha do Equador, se pudéssemos vê-la, seria como um
cinto colocado horizontalmente bem no ventre da bola do Globo terrestre e,
serve, dentre outras coisas, para demarcar a divisa das duas metades, de baixo
e de cima, marcando os Hemisférios, Sul e Norte. Como naturalmente já está lá,
simbolicamente passou também a representar a concentração da riqueza e da
pobreza mundial.
Se quisermos tecer algumas outras
relações, podemos dizer que o planeta também funciona dividido por duas grandes
classes, tal qual se dá com a relação entre o capital e o trabalho,
representados pela burguesia e o proletariado, nele a subdivisão atende pelo
nome de Norte, no qual vigoram as potências capitalistas, como os Estados Unidos da América, a União Europeia
e o Japão e, o restante dos países, embora não estejam todos abaixo da linha do
Equador, são considerados parte do “Sul global” países subdesenvolvidos.
Nos interessa aqui, mais do que
discutir o posicionamento das potências econômicas capitalistas que, como
ocorre na luta de classes, nos conflitos entre as nações, os prejuízos das
crises e das guerras, sempre devem ser pagos pelos mais fracos, apontar que, no
Estádio “Zenão do mundo”, o Sul perdedor começará empatar e ganhar os jogos,
nos quais serão disputados os interesses econômicos.
Os Estados Unidos da América, nos últimos dois
séculos, representam o país que mais se envolveu em conflitos no mundo. No
entanto, apesar de toda truculência e vigilância intervencionista, começa a
revelar que essa estratégia não tem mais sustentação. Segundo o Pentágono, há
cerca de 865 bases militares norte-americanas instaladas em 135 países, com um
contingente de 350 mil soldados habitando nelas.[2] Com a sofisticação tecnológica,
a vigilância e os combates entre inimigos demandam uma nova estrutura de guerra.
O que está em jogo nas supostas mudanças de estratégia do novo governo dos Estados Unidos da América, em relação aos conflitos pelo mundo? Como já indicamos em outros textos, o imperialismo, nos moldes da velha Revolução Industrial, registrada em preto e branco, nesta fase do capitalismo mostra cansaço e, as desvantagens na correlação de forças mundiais estão postas sobre o tabuleiro. Para tentar se segurar ainda com alguma autoridade, além das ameaças, extradições, taxações e punições, o governo de Ronald Trump quer diminuir os custos da dominação e cobrar os prejuízos anteriores dos países aliados. Para ficarmos apenas nos dois últimos exemplos de custos a cobrar, a Ucrânia em praticamente 3 anos de conflito, recebeu do governo norte-americano, 175 bilhões de dólares em ajuda, mas está sendo convidada a devolver centavo por centavo. O segundo caso é o apoio dado a Israel no montante superior a 20 bilhões de dólares, para atacar covardemente a Palestina e, agora exige o território de Gaza como pagamento.
Nessa nova estratégia podemos
decifrar algumas outras intenções do império norte-americano. No primeiro
aspecto, que envolve diretamente a Ucrânia, é fazer um acordo com a Rússia em
busca de alcançar três objetivos: a) Interferir na relação entre a Rússia e a
China, pelo simples fato de que a primeira é apenas uma ameaça militar, no
entanto, a segunda está se tornado um inimigo economicamente poderoso, com
raízes fincadas em todos os continentes; as duas potências juntas, com os
poderes bélicos e econômico, podem enfrentar o resto do mundo; b) Diminuir os
gastos com a Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN – que reúne 32
países da Europa, onde os Estados Unidos investem por ano, 600 bilhões de
dólares, mas que, pouco ou quase nada mais serve aos interesses estadunidenses,
principalmente se o inimigo principal, imediato, de fato passar ser a China e
não a Rússia; c) Implementar a tática da cobrança da proteção militar. No caso
da Ucrânia deverá pagar os recursos investidos até aqui, pela política da extorsão,
pela exploração mista dos minérios, principalmente o manganês e o alumínio; com
isso, 50% desses produtos estarão, por prazo indeterminado comprometidos com a
dívida de guerra. A mesma pretensão de Trump é com o assalto a Gaza; tendo em
vista os ganhos com a reconstrução das cidades palestinas, por meio dos
recursos recolhidos pela ONU, pensa ele, apropriar-se definitivamente daquele
território e reaver os recursos financeiros destinados a Israel que, mesmo
perdendo a guerra, teria uma base militar amiga estruturada no território alheio.
Portanto, a imagem que podemos ter
do mundo neste final do primeiro quarto de século é que, ele está mesmo de
“pernas para o ar”. Imaginar que os Estados Unidos e a Rússia um dia pudessem
ter um acordo de paz, seria como pensar em ver um leão e uma onça convivendo na
mesma jaula. Por outro lado, considerar que a Europa seria abandonada à própria
sorte, com o corte repentino da metade do orçamento anual da OTAN (600 bilhões
de dólares) e, responsabilizada a organizar a sua própria defesa, também não
estava no roteiro do filme “Sex Delícia” do imperialismo, que mirava apenas o
prazer da dominação militar.
Não nos enganemos, esses supostos
acenos pela paz é para ganhar tempo e preparar a nova fase da guerra, isto
porque, os conflitos de interesses antagônicos continuarão existindo. De outro
modo, o velho império se deu conta que precisa recuperar o fôlego, pois, as
lavaredas saem fracas das narinas do
dragão e já não intimidam o mundo como antes. A estratégia do império segue a
linha do fortalecimento de si mesmo a partir das cobranças aos naturais aliados
de fazerem o mesmo. Na hora precisa, se todos estiverem fortes, a junção das
forças contra a China e a Rússia será automática. Provavelmente, o grosso dos
investimentos serão feitos para manter aquelas bases que garantam a exploração
e a apropriação das riquezas alheias.
Dois fatores jogam contra a
estratégia norte americana. O primeiro é que o acordo de paz entre a Rússia e a
Ucrânia favorece a Rússia; esta, além de ficar com os territórios ocupados terá
o alívio das sanções econômicas e ganhará tempo também para recuperar a sua
economia e reconstruir o seu arsenal bélico para continuar sendo uma das
grandes potências militares do mundo. Como as divergências continuam sendo com
a velha Europa, pouco ofensiva, a tendência é manter-se como retaguarda armada
da China. O segundo fator é que esse movimento para retomar as rédeas da
dominação do mundo, já está atrasada. A china com 18 trilhões de dólares de
Produto Interno Bruto – PIB - , nos próximos dez anos, tem potencial de ultrapassar os 27 trilhões do PIB dos Estados
Unidos, que sofrerá revezes econômicos, devido a sua matriz produtiva movida a
petróleo, as desvantagens tecnológicas e a incapacidade de acompanhar a concorrência
no mercado mundial. Nesta última, o único recurso encontrado para enfrentar as
disputas mercantis, é a imposição de elevadas taxas sobre os produtos
importados.
Para o nosso lado, os sinais de
ficarmos de “pernas para o ar”, vêm de dois sinais de covardia emitidos pelo
governo brasileiro: a) A baixa popularidade, evidentemente que merecida, pois,
nada é feito que orgulhe os explorados, ao contrário, as políticas de
preservação dos exploradores seguem mais seguras do que se tivéssemos com um
governo de extrema-direita, senão vejamos: os juros, apesar da mudança do
presidente do Banco Central, continuam ainda mais elevados; o preço dos
combustíveis que influenciam na alta de todos os preços dos produtos dependentes
de transporte terrestre e, apesar da “intervenção” na Petrobras, nenhum sinal
de melhora; o mesmo ocorre com o custo dos
alimentos etc. b) Por outro lado, a Linha do Equador que divide o campo de
futebol situado nas proximidades da Foz do Rio Amazonas, na qual se pensa perfurar
poços de petróleo é mais uma contribuição equivocada e representa o enterro
definitivo do compromisso desse governo com enfrentamento das mudanças
climáticas. Se a energia produtiva do imperialismo é o petróleo, é evidente que,
não importa onde esteja, lá estará a exigência, como ocorreu com o pré-sal, da
obrigatoriedade de entregar o poço para o controle do capital internacional.
De pernas para o ar, portanto, está
esse governo que ao invés de investir em políticas para desconcentrar a terra,
taxar as grandes fortunas e criar alternativas de trabalho para as pessoas mais
pobres, acomoda-se dentro das exigências das responsabilidades fiscais, distanciado
das organizações que investiram tudo, acreditando em melhorias. Mas, pior que
isso, de pernas para o ar estão as forças partidárias progressistas (já não
sabemos se são), que ao invés de debaterem com a sociedade os problemas do
país, gastam o tempo articulando candidaturas, no meio de um mandato de um
presidente que vai de mal a pior. Tantas outras coisas estão de pernas para o
ar que cada cabeça pensante pode indicar e atualizar a relação.
Não teremos tempos fáceis pela
frente, o importante é perceber que tudo tende a ficar ruim para todos. Como as
organizações populares crescem mais em tempo de “vacas magras”, agora, que as
forças, antes de esquerda, já não têm a oferecer e pelo que tudo indica, o
ciclo da política eleitoral para as causas populares se esgotou, cabe saber o
quê e em que direção iremos reiniciar a longa marcha. “A união faz a força”;
mas é preciso ter uma razão para se unir.
Ademar
Bogo
[1] GALEANO, Eduardo. De pernas pro
ar. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 27.
[2] HOLLAND, Steve https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-anunciam-quase-us-6-bilhoes-em-ajuda-militar-e-orcamentaria-a-ucrania/ Acesso em 22/02/2025.