domingo, 16 de julho de 2023

DO EXTREMISMO AO COMODISMO

 

            Há uma satisfação inquietante nas fileiras da esquerda, alimentada pela defesa da Paz. É uma posição honrosa, pois, com a Paz se faz a economia crescer, gera-se emprego, inclusive dá até para interferir com opiniões nas guerras dos outros e, internamente, impor um entendimento equivocado de uma tese denominada de “revolução passiva”, que seria a realização, como já foi chamada de “revolução sem revolução”.

            O filósofo Antônio Gramsci, na primeira metade do século passado, levantou diversas possibilidades para interpretar e instituir o conceito de “revolução passiva”, pelas experiências desenvolvidas desde o Renascimento, passando pela “Revolução francesa”, e cristianizada pelo “gandhismo e o tolstoísmo”, vistas essas, como concepções ingênuas.

            Para Gramsci, antes de tudo era importante conceituar pela ciência política, o que significava a “Revolução passiva” que, no seu entendimento havia dois princípios a serem considerados: (1) nenhuma formação social desaparece enquanto as forças produtivas que nela se desenvolveram ainda encontram lugar para um novo movimento progressista (2) a sociedade não se coloca problemas, sem que as condições necessárias para a sua solução tenham se formado.

            O entendimento simplificado de Gramsci, ateve-se à relação da economia com a política, tendo a forte presença do Estado como força propulsora na afirmação da modernização. Esse entendimento parcial dos intérpretes reformadores do capitalismo que, satisfeitos encerram as leituras e se metem na prática ordinária. Há diversos alertas, postos como sinais pelo filósofo nos cadernos do cárcere (Vol. 1. 2004, p. 427), como este: “A concepção do Estado segundo a função produtiva das classes sociais não pode ser aplicada mecanicamente...”. Mais diante, dirá que, em uma situação de não desenvolvimento, há sinais de que os representantes da economia não estão sendo capazes de responderem aos desafios históricos, cabe essa tarefa de mudar a concepção de Estado, tomando-o como um poder absoluto, à camada dos intelectuais. Em outro momento ligará Gramsci o conceito de “Revolução passiva” com outro, aparentemente contraditório, denominado de “guerra de posição”, em síntese, sendo a luta para assumir os postos de comando.

            A teoria gramsciana é rica em exemplos, mas não cabem aqui. O que foi destacado acima já nos é suficiente para fazermos a nossa formação filosófica. O primeiro destaque nos leva a pensar sobre o elemento “passivo”, se ele se apresenta também como “pacífico” ou não? Em segundo lugar, também devemos aprofundar o entendimento da “incapacidade burguesa” e, o terceiro elemento em destaque é a “Guerra de posição”.

            De certo temos um mínimo de entendimento, que os conceitos possuem conteúdos formados por ideias elaboradas. “Passivo” em política não quer dizer tudo estar inativo, mas sim quando o Estado aparece como força dinamizadora diante e acima de todas as forças. Esse entendimento dispõe de um complemento que, não se trata do Estado em si como sujeito, mas o grupo dos intelectuais e não a classe trabalhadora, que o assumem para imprimir o ritmo do progresso. Isso somente é possível de ocorrer com certa autonomia, onde a classe controladora da economia é incipiente e sem força política. Nisso se alinha o segundo aspecto, de ser essa classe burguesa incapaz de sustentar o poder. Diante de tais circunstâncias esse grupo intelectualizado, aliado das forças progressistas, estabelece as diretrizes e passa a “guerrear” para conquistar posições e mantê-las na linha progressiva.

            No Brasil, há esse pano de fundo na política, que sustenta as ilusões de poder alcançar a Paz desejada, bastando ganhar a eleição presidencial. Chegando a este ponto, as forças intelectuais assumem o comando do governo e passam a fazer arremedos de políticas públicas, sem garantir posição sólida nenhuma. Como um castelo de areia, basta perder as eleições futuras e tudo desanda.

            É importante considerar que no Brasil as classes dominantes sempre foram fortes. Há um agravante que, as forças extremistas até pouco tempo, eram coadjuvantes, mas, passaram a disputar as posições centralizadas do poder político. A economia, por sua vez, não é atrasada que os próprios capitalistas não possam geri-la. O agronegócio, embora sobreviva de subsídios, não pertence ao Estado; assim ocorre com outros setores da economia. Do ponto de vista político, o grupo intelectualizado que governa, não se afirma com posições evoluídas, pois, depende do Congresso Nacional, com o qual negocia interesses, sem ultrapassar a linha da legalidade e do “pacifismo” colaboracionista. Não controla o Banco Central e, se quer, consegue influenciar na formação da consciência crítica das forças armadas.

            Por outro lado, o Brasil é um país de imensa concentração de massas populares pobres e, do ponto de vista político totalmente desorganizadas. O governo se relaciona com ela através dos programas de assistência, executadas pelos Bancos que individualizam o atendimento, esvaindo também qualquer possibilidade de conscientização e mobilização social.

Podemos ponderar, que não é função dos governantes organizar o povo, mas do partido político. Este é um outro dilema contemporâneo das práticas políticas. Vejamos, quando é período eleitoral, o partido faz convenção e aprova quem será o candidato. Depois, o mesmo partido coordena a campanha e alcançam a vitória. Logo em seguida entra em cena (para mantermos o conceito gramsciano), o “grupo intelectual” e monta o governo, concedendo grande parte dos cargos aos aliados. O partido não desaparece, porque o Estado o sustenta, por meio do “Fundo partidário”, composto pelo dinheiro público e distribuído conforme o número de votos alcançados.

Além do mais, como ficou demonstrado nos últimos pleitos, a sociedade brasileira está polarizada. Há dois movimentos surdos convivendo no mesmo organismo. O poder político oficial tem oscilado entre o extremismo e o comodismo. Consideram-se os avanços paliativos, sem fazer cócegas nas bases estruturais da exploração e nem tampouco evolui-se para tornar-nos uma alternativa de poder substancialmente diferenciado.

Diante dos critérios gramscianos, não se enganem senhores que governam e dirigentes partidários, vocês estão muito abaixo do que seria um processo da “revolução passiva” e da revolução, verdadeiramente revolucionária, a quilômetros de distância. Há que se pensar na organização partidária que não se deixe dominar por um “grupo de intelectuais”, capazes de encontrarem saídas temporárias para a economia, sem nunca se preocuparem em superar o capitalismo. Como espontaneamente não se produzem respostas suficientes, a permanecer assim, cabe preparar-se para suportar a volta das forças extremistas.

                                               Ademar Bogo

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