domingo, 18 de junho de 2023

VIOLÊNCIA E ASTÚCIA

  

            O filósofo Arthur Schopenhauer, em seu livro “Sobre a ética”, destaca que, escravidão e pobreza são duas formas da mesma coisa, apenas se diferenciam na origem: a primeira é fruto da violência e a segunda da astúcia. Para extingui-las há um único meio: “abolir o luxo”.

            Apesar do diagnóstico filosófico estar correto, temos dificuldades para encontrar os instrumentos para intervirmos contra os privilégios e o luxo. Continua o filósofo: “O direito por si mesmo é impotente: por natureza rege a força. Associar a força e o direito de modo que o direito reja por meio da força, tal é o problema da arte de governar. É um difícil problema”. (p.96).

            No Brasil, presenciamos, de um lado, a escravidão e a pobreza, de outro, a impotência do direito para enfrentar os controladores do luxo. Logo, a solução dos governantes é apegarem-se a astúcia para agradarem “gregos e troianos”; pretendem apenas manterem uma satisfatória pontuação na aprovação da governabilidade.

            Nosso país, filosoficamente falando, poderia ser denominado de “Terra dos paradoxos”. Nada do que se tem como lógico, funciona. O problema é histórico. Tivemos, por pelo menos trezentos e cinquenta anos, a forma de trabalho escravo dentro do capitalismo. Ou seja, enquanto em todos os outros países do mundo, a força de trabalho tornava-se mercadoria, no Brasil permanecia em vigor império escravagista. Depois, com a ameaça da Proclamação da República, oficializou-se a abolição, dando origem oficialmente à pobreza, pois, milhares de pessoas foram despedidas e jogadas ao vento, originando-se daí o que hoje conhecemos por favelas, sempre em crescimento, pois a indústria da miséria é que mais se desenvolve na atualidade.

            De outro modo, este país, nas últimas duas décadas tornou-se uma potência produzindo alimentos, mas um terço da população passa fome e, a metade dela, come mal ou passa fome, por isso precisa do auxílio do governo para viver. O agronegócio é a vanguarda no avanço tecnológico, mas não descarta, mesmo tendo sido abolido, o trabalho escravo. Diante do ataque criminoso contra a natureza, o direito ataca as vítimas com a aprovação de mais leis, como esta apelidada de “Marco temporal”, ou seja, ao invés de porém marcos para demarcarem as terras dos povos indígenas, os colocam no tempo e, as divisas ficam estabelecidas no que eram até 1988, de lá para cá, vale o poder da violência, do fogo e do capital.

            A astúcia da governabilidade é a mais cruel possível. O método de governar é de formar consensos entre os poderes. Para que não haja espantos e nem pressões, não se ouve um pio na direção de uma reação popular. Enquanto o poder legislativo cerca com a legislação os territórios indígenas e violenta o direito de defesa dos Sem Terra, por meio de uma esdrúxula CPI, o poder executivo acena com recados, para “não ocupar mais terra, porque cabe ao INCRA o dever de encontrar as terras improdutivas e desapropriá-las para fins de reforma Agrária”.

            Não é desconhecimento, mas astúcia. O presidente da República e grande parte dos seus assessores, oriundos das lutas da década de 1980, sabem que os movimentos camponeses surgiram porque o Estado, não age por livre vontade e é inoperante, principalmente quando se trata de enfrentar o latifúndio. O INCRA, totalmente desaparelhado, com um punhado de funcionários é incapaz de ir a campo e localizar as fazendas; quando as encontra, os processos legais, seguem com lentidão, pois, o direito ao trabalho é proporcionalmente inverso ao direito de propriedade.

            O grande dilema das forças de esquerda e progressistas, avolumado no decorrer das décadas, é a perda da “soberania política” para o Estado capitalista. Um povo deixa de ser soberano quando a autonomia de um país é violentamente restringida por outro país. Da mesma forma, a soberania dos trabalhadores é eliminada, quando são induzidos a defenderem o “Estado de direito”, para garantirem a continuidade da ordem que os mantém beirando a linha do pobreza.

            A causa da perda da vontade de lutar não está na natureza humana dos trabalhadores, mas na astúcia política enganosa, propondo-se a manter o jogo da representatividade, dominada pelo dinheiro público. Aparentemente não há necessidade de lutar se os “aliados do povo” negociam com as forças contrárias, leis para manterem tudo como está. Substituem o “Orçamento secreto” pela velha prática da liberação de “Emendas parlamentares”, para conquistar voto a voto e aprovar os  R$ 70 bilhões de reais para o programa do “Bolsa família”, quando para o INCRA, que deveria impulsionar a reforma agrária e assentar grande parte dos 20 milhões de famílias cadastradas nesse programa, estão previstos R$ 2,4 bilhões de reais.

            Vivemos, portanto, sob a ameaças de duas espadas: a da violência, empunhada pelos seguidores do governo passado e, a da astúcia, em ação no governo atual. Mesmo que as mãos acima, aparentemente tenham mudado, as cabeças embaixo são as mesmas.

 Somente a força vence a força! Já disseram os sábios populares: “Quem anda na linha ou fica parado sobre ela, o trem passa por cima”.

                                                                                                   Ademar Bogo

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