domingo, 11 de abril de 2021

O DIREITO À INTOLERÂNCIA

            O filósofo francês, François-Marie Arouet, mais conhecido por “Voltaire”, por volta do ano de 1760, em um de seus tratados disse que há poucos casos em que a intolerância é um direito humano, mas não deixa de ser uma opção necessária a ser usada.

            Florestan Fernandes tinha consciência que a intolerância é uma prática recorrente na História, praticada permanentemente pelos ricos contra os pobres. Não tolerar é próprio daqueles que transformam os interesses em dogmas e, por isso, as reações são sempre devastadoras. Nesse sentido, o sociólogo brasileiro indicou que, para defenderem os seus direitos, os pobres devem usar a “intransigência”.

            Do ponto de vista hermenêutico ou interpretativo, “intransigência” é não fazer concessão ou ser inflexível nos princípios. Já a intolerância é não admitir o que ação alheia, no caso da política, deixar de aceitar pacificamente. Portanto, as duas etimologias nos levam a um lugar comum, no qual fazemos as opções e estabelecemos que, em relação aos nossos direitos devemos ser sempre intransigentes, porque, ao contrário, tornando-nos “transigentes” cederemos, tanto nos princípios quanto nos direitos já conquistados. Por outro lado, o “direito à intolerância”, temporariamente, também deve ser exercido pelos pobres quando os demais recursos foram esgotados, isto porque, na boa moral, a tolerância é um valor que deve ser cuidado e praticado.

            Vejamos a tese combinante das duas proposições. Com a intransigência de não ceder em nossos princípios e direitos, restabelecemos o valor da resistência. Resistir é defender o que já temos, mas, quando há algo novo a ser conquistado, a resistência apenas não ajuda. Precisamos de algo a mais para que sejam destravados os freios que impedem os avanços. A conquista de novos direitos só virá com doses elevadas de “intolerância”.

            Para quem manuseia constantemente a Constituição federal, não há novidade alguma em argumentar a favor da intolerância dos pobres frente à situação atual. No artigo 5º vamos encontrar que somos “todos iguais perante a lei” e, por isso, devemos ter garantido, “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. Da mesma forma, podemos ler no artigo 6o que trata dos “direitos sociais”, dizendo que eles são: “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

            As evidências do “direito à vida” e a “assistência aos desamparados” estão nos dois artigos e revelam que o Estado nas circunstâncias  presente, deveria empenhar-se em adquirir vacinas e liberar ajuda suficiente para os desamparados. São duas coisas que não conquistaremos com a “intransigência”, porque, esses direitos já estão garantidos por lutas anteriores. É preciso que se abra um tempo de intolerância contra os governantes que, apesar de terem tido a autorização para “furar o teto” de gastos para o auxilio emergencial, agem como se o Estado fosse propriedade privada de uma minoria de mal intencionados que, ao invés da ciência e da sensibilidade humana, adotam o negacionismo como diretriz política.

            Por que a intolerância dos pobres passa a ser um direito? Porque o país tornou-se um território de risco. A perspectiva da proliferação e transmutações do coronavirus veio a ser incontrolável. Há quase uma centena de novas cepas espalhando-se pelo território e as mortes diárias alcançam os níveis mais elevados do mundo.

            Por outro lado, o retardamento do controle do vírus retarda também qualquer solução no campo econômico e social. A obrigatoriedade do isolamento físico remete ao afastamento das possibilidades, dentre outras, da produção de renda, abertura das escolas e atividades culturais.

            A perspectiva da vacina vir para livrar-nos de todos os males é uma verdade incompleta. O ritmo lento com que as doses são distribuídas nos diz que, em 2023 ainda teremos gente para receber a primeira dose e isto que não estamos contando com o período indefinido da eficácia das doses aplicadas.

            Há, portanto, uma série de bloqueios no poder executivo, estendidos na economia, na política e nas ideias que impedem qualquer alternativa ao caos. Os poderes, legislativo e judiciário associados aos partidos políticos, agem, em nome da “democracia negacionista”, com adequada tolerância, levando a população também a se comportar do mesmo modo.

            Está na hora de fazer uso do direito à intolerância e fazer de cada passo individual ou coletivo, um ato de protesto. É tempo de intolerar por um tempo. Precisamos salvar a nação.

                                                                                                    Ademar Bogo

                                                                                              Autor do livro: Moral da História

                  

                

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