domingo, 16 de fevereiro de 2020

A PEDAGOGIA DA POLÍTICA

            Aristóteles, o filósofo grego, quando tratou da política, iniciou pela comparação da cidade a uma associação que, por sua vez, se forma tendo por alvo algum bem a ser alcançado. A teoria explicativa da formação da sociedade, para o filósofo, é que ela surgiu da junção de algumas famílias que observaram o funcionamento da natureza e assim estabeleceram um governo que passou a ditar as leis e a normas morais.
            Feita esta identificação da formação da sociedade e do Estado, Aristóteles empenha-se a discutir a economia doméstica, isto porque, sendo o Estado uma reunião de famílias, a economia da sociedade imita o que ocorre na família que, para ser completa, deve compreender escravos e indivíduos livres, componentes das partes “indecomponíveis”, subdivididas em três classes de combinações: o senhor e o escravo; o marido e a mulher, os pais e os filhos.
            Ao analisar as “três classes” existentes no ambiente familiar e estendidas para a sociedade, Aristóteles se deu conta de que havia um quarto elemento que envolvia a todos, e ele denominou de “acumulação da fortuna”, cuja origem mais estruturada, surgia da relação entre senhores e escravos. Com esse entendimento, seja para a manutenção da família ou para a manutenção da sociedade, a economia se convertia em uma arte que deveria ser aprendida.
            Reunindo os elementos para produzir a fortuna e, acima de tudo, para construir o processo como uma arte faltava apenas os instrumentos apropriados a serem colocados em ordem, para que tudo se harmoniza-se, como ocorria com as forças da natureza. Então disse o filósofo: se todas as artes precisam de instrumentos próprios, a economia, sendo uma arte, precisa dos seus. No entanto, os instrumentos podem ser animados e inanimados. Por exemplo, para o piloto, o leme é um instrumento vivo. O operário, nas artes, é considerado um instrumento. Do mesmo modo, a propriedade é um instrumento essencial à vida e o escravo uma propriedade viva. Como instrumento, o trabalhador é sempre o primeiro a ser utilizado  entre todos.  
            De lá para cá, ocorreram muitas mudanças nas formas de ver e de constituir a sociedade e o Estado, mas, na essência, o pensamento continuou o mesmo e, por uma conclusão antecipada, podemos perceber que tudo se deve ao elemento fundador das diferenças, que são as classes sociais.
            De outro modo, outros dois elementos sempre estiveram presentes na estruturação e na condução da sociedade que, resumidamente podemos chamar de: propriedade privada e Estado. Dessa forma, desde o passado até os nossos dias, sempre que se pensou em produção e em política, teve-se em mente a propriedade e o Estado. Como isso acontece na atualidade?
            Do ponto de vista dos proprietários dos meios de produção, quando discutem a política, apegam-se à estrutura do Estado como sendo um instrumento vivo para garantir que a acumulação da fortuna continue acontecendo, e que, a “harmonia” social, da mesma forma, imite a sintonia existente entre as forças da natureza. Nesse sentido, todas as partes, exceto os patrões e os governantes, constituem os instrumentos que estão a serviço da produção da riqueza sendo que, os trabalhadores vêm em primeiro lugar. Logo, se no passado os senhores eram os cidadãos proprietários, com direito à fortuna, os escravos, os animais, as máquinas etc., eram os instrumentos de produção e reprodução da fortuna com direito à sobrevivência.
            A relação direta da política com o Estado também se forma pela visão dos trabalhadores. Ou seja, quando os trabalhadores pensam em participarem da política, logo se preparam para chegarem ao comando administrativo da antiga “associação de famílias” que, hoje compreendemos como sendo a sociedade capitalista com o Estado capitalista.
            Os princípios do funcionamento da sociedade continuam basicamente os mesmos: se por um lado, como viu Aristóteles, existiam as classes compostas por senhores e escravos, marido e mulher, pais e filhos, em nosso tempo, temos, embora com relações um tanto mais complexas, a mesma constituição social, com patrões e empregados, proprietários e não proprietários; divisão sexual e social do trabalho; hierarquia e padrão salarial de gênero etc.
            Portanto, a associação das pessoas em sociedade e o surgimento do Estado, compreendem os alvos de cada um conquistar algum benefício e, basicamente, para gerenciar a arte de produzir a fortuna. Assim, os capitalistas quando governam, tal qual faziam os senhores de escravos, nos momentos em que a arte de produzir fortuna expressa bons resultados, eles melhoram um pouco o tratamento dos animais e dos escravos. Quando surgem as crises, os trabalhadores são sempre os primeiros a sofrerem as perdas.
            Se por ventura os trabalhadores chegam ao governo e passam a manusear os instrumentos estatais para fazerem política, não sendo proprietários atuam para favorecerem aos que são donos dos meios de produção a produzirem fortuna e, na medida do possível, estabelecerem algumas melhorias aos representantes dos antigos animais de trabalho e dos escravos, agora vistos como trabalhadores. Quando os trabalhadores perdem os governos, os capitalistas voltam e retiram tudo aquilo que acham ser exagero, começando pelos direitos, depois pelo tratamento diferenciado entre os trabalhadores do serviço público e os trabalhadores da iniciativa privada e, direcionam todos os instrumentos, animados e inanimados para garantirem a produção da fortuna para os proprietários. É por isso que, para eles, uma empregada doméstica ir à Disney, é tão ridículo e ofensivo quanto realizar um casamento de um casal de cachorro na lua. Os pobres continuam sendo vistos como instrumentos úteis e inúteis e continuará assim enquanto perdurar o capitalismo.
            Marx e Engels quando aprofundaram a teoria do “socialismo científico”, mostraram que os trabalhadores somente serão emancipados quando extinguirem a propriedade privada e o Estado. Dali em diante a política ganhará outras formas, primeiramente porque não existindo a propriedade privada, não existirão classes sociais e, não existindo classes, a força de trabalho deixa de ser mercadoria e o trabalhador eleva a sua condição humana superando a condição de instrumento de uso.
            É verdade que muitas dúvidas e discordâncias podem surgir, principalmente essas que remetem a pensar a conjuntura atual. Mas, por outro lado, é importante perguntar: qual é a razão que leva os trabalhadores em uma eleição votarem na esquerda e em pleitos seguintes votarem na extrema direita? Os processos eleitorais vitoriosos que levam os trabalhadores aos governos, por que não desestruturam a arte burguesa de produzir a fortuna? E, por fim, por que, quando as forças de direita, após um período fora do governo, voltam a governar os trabalhadores e a população não defendem as “conquistas” anteriores? Longos debates poderíamos estabelecer, mas, no fundo, voltaríamos às origens, e perceberíamos que a propriedade privada e a estrutura do Estado continuam intocáveis.
            Então vemos que a indução da lógica improdutiva sempre surge para incubar o debate estratégico, evitando a estrada principal. Aqui, apenas dois exemplos. Todos lembramos do argumento usado alguns anos atrás, de que “se o PT perdesse as eleições, a Venezuela seria penalizada”; isso serviu inclusive para justificar a posição conciliadora do governo. Tudo se justifica e se relaciona, mas, o Brasil retrocedeu e mudou de lado, colocando-se a favor da invasão organizada pelos Estados Unidos e a Venezuela, contando com a sua força militar e popular interna e a ajuda da Chia e da Rússia, continua lá. Outro breve exemplo é a indicação de que, sendo que o governo atual apoiou-se nas religiões neo-pentecostais, devemos agora ir a essas bases religiosas convencê-las a mudarem as suas posições.
            Destacamos que não devemos pleitear a fazer política fora da ordem. Quem deve dizer que as forças de reação são ilegais é sempre classe dominante, mas, atuar no mesmo corredor que conduz as multidões ao fosso da incineração da superação capitalismo, da utopia socialista e da organização política consciente, é voltar a ser o que a filosofia de Aristóteles configurou os escravos na Grécia Antiga: meros instrumentos animados úteis à arte da produção da fortuna para os capitalistas.
            Devemos superar e mudar muitas coisas, dentre elas, a pedagogia de pensar, organizar e fazer política. No entanto, não se faz política nem educação, sem a associação das pessoas que tenham ou despertem para um mesmo bem a ser alcançado. Quanto mais fácil, mais frágil e mais imediato é este “bem”, mais curto é o tempo de vida da associação para essa busca. Quanto mais consistente for este bem, mais longa será a duração dessa associação.
                                                                                                                    Ademar Bogo
             
           
              
             


Nenhum comentário:

Postar um comentário