domingo, 18 de agosto de 2019

LIMITAÇÕES DAS ILUSÕES EMANCIPATÓRIAS


            Karl Marx quando tratou da emancipação política e humana, quis mostrar que há uma significativa distância entre as duas e, para além do mais, alertou que se cair na ilusão de, tendo a primeira, imaginar-se vivendo na segunda, no entanto, a distância entre as duas é mesma que separa o particular do universal.
Isto quer dizer que, se temos a emancipação política, temos certas liberdades alcançadas, mas elas não correspondem à autonomia de fato, porque quem nos delega os direitos também nos controla. Os direitos reconhecidos, sempre são medidas que atendem alguns requisitos, mas que podem ser revogados a qualquer momento. Já a emancipação humana encarna-se na própria natureza do indivíduo colocando acima das mediações que na emancipação política o submetem.
Podemos considerar a emancipação política como um “relativo progresso”. Isso quer dizer que, se compararmos o servo do tempo do feudalismo com o operário no capitalismo, este último conseguiu alguns direitos que os trabalhadores nunca haviam tido na história da humanidade. Mas isso é tudo o que queremos ter?
A liberdade de cada um vender a própria força de trabalho foi uma grande inovação que trouxe o capitalismo, isto porque, os trabalhadores passaram a vender aquilo que antes lhes era tirado a força e pouco ou quase nada era lhes dado em troca.
Junto com a liberdade de escolher o trabalho e poder vender a força física, vieram alguns outros direitos, como o de votar, tirar férias e se aposentar. Mas, de duas coisas os burgueses não abriram mão: o direito à propriedade dos meios de produção e ao controle do poder do Estado. Com o direito à propriedade os patrões controlam a produção feita por diversos trabalhadores e, com o poder do Estado eles garantem que aquilo que fazem é justo, por isso, mesmo que seja por meio da coação, todos aceitam.
É nesse sentido que a emancipação política ao invés de representar um grande avanço, reduz o indivíduo a membro da sociedade burguesa e, mais ainda, a indivíduo egoísta, que se obriga a cuidar de si, ao mesmo tempo em que fica cada vez mais dominado pelas leis e instituições.
Mas ocorre na explicação de Marx algo ainda mais interessante quando ele compara o singular e o universal. Mostra que essas categorias se assemelham às categorias de homem individual e de cidadão abstrato. Isso nos diz que se hoje nos denominamos de cidadãos e não somos ou somos apenas de forma abstrata, para sermos cidadãos de verdade precisaríamos eliminar as mediações que nos impõe o controle, seja no emprego, na política, já justiça ou na convivência social. Teríamos que ser indivíduos e sociedade, como é a particularidade que compõe a totalidade sem ter ninguém intermediando. Dessa forma chegaremos ao ponto de considerar um erro acreditar que o Estado e a propriedade privada sejam as forças que universalizam a emancipação humana. Ao contrário é com a permanência delas que jamais seremos emancipados verdadeiramente.
            Esse raciocínio é para explicar que a singularidade e a universalidade funcionam a nível mundial, quando o “indivíduo” é um Estado nacional e o universal é o capitalismo como modo de produção. Se convertermos os dois elementos fundamentais dessa ordem, teremos, no aspecto político, a dominação imperialista e no aspecto econômico, os capitais: produtivo, especulativo com todas as formas parasitárias de acumulação.
            Ao raciocinarmos sobre a relação entre o singular e o universal, percebemos que lidamos com os limites da emancipação, tanto no sentido singular quanto no sentido universal, ou seja, enquanto indivíduos fomos sempre dominados por instituições e empresas e, enquanto nação sempre fomos submetidos às imposições colonialistas e imperialistas.
            Em momentos de crise, econômica e política, principalmente, percebemos como os direitos que, aparentemente garantiam a emancipação política, são retirados em uma rodada de votação e a soberania nacional, tão exaltada pela História desde 1822, é destituída sem qualquer cerimônia; o país, como um vagão de um trem é atrelado atrás de outros que são puxados e direcionados pela mesma locomotiva.
            A ilusões caem por terra, quando os indivíduos reais sentem as consequências reais. Assim aprendem que a valorização das mediações que servem para que a classe dominante domine os explorados, devem ser substituídas quando se tem força política e não fortalecidas. Se por muito tempo conseguimos os direitos políticos e sociais e acreditamos que eram suficientes, nos esquecemos de que estes direitos não eram definitivos e a qualquer momento os controladores da ordem poderiam querer apagá-los do livro das leis.
            Sendo assim, é bom que, de tempos em tempos existam governos ruins, eles servem para alertar-nos que, as ruindades burgueses são garantidas pelas mesmas estruturas que quase sempre admiramos e queremos vê-las funcionando exemplarmente. Para mudar as condições emancipatórias precisamos mudar o estado de coisas, caso contrário, o próximo período apenas servirá para repor o que já tínhamos e perdemos.

                                                                                              Ademar Bogo
                                                            

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