Vem da antiguidade, dos “filósofos da
natureza”, do período pré-socrático, há pelo menos seis séculos antes de
Cristo, a ideia de que a distribuição dos elementos da phisis no espaço orientava a harmonia da organização da sociedade.
Platão, posteriormente, ao considerar a existência do mundo das ideias,
declarou que tudo aquilo que acontece na terra é cópia e, por sermos maus
copiadores as coisas saem, na prática, sempre com defeitos. Aristóteles, por
sua vez, defendeu que a natureza ensina tudo e que a organização social e
estatal inicialmente foi uma cópia dela.
Não podemos negar que as tradições
funcionaram sempre como base fundamental da organização civilizatória. O
próprio Karl Marx alertou no Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, que “a
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos”. E, assim funciona para as coisas boas e para as coisas ruins. Há
gerações como a dos naturalistas do passado, que pressionam as gerações do
presente para elas defenderem as mesmas ideias e salvarem a natureza; as
gerações de humanistas que se repetem em busca de salvar a humanidade; as
gerações de comunistas por terem apreendido que a realidade é um todo
comprometido, sentem-se na obrigação de tratarem da totalidade. No entanto, há
as gerações do contrário. Elas descendem das gerações que primaram pela a destrutividade,
à desumanidade, à tortura e para a “nazistização” da política.
A força da semelhança funciona como uma
lei, assim como é a lei da gravidade. Ela está presente nos avanços da ciência
que se eleva por meio das descobertas já feitas; também compreende os avanços
tecnológicos que se reproduzem sobre as limitações dos inventos anteriores. Na
verdade, em tudo, sempre que queremos saber como dar um passo à frente,
recorremos à experiência feita. No entanto, em relação à História, quando as
gerações do presente conscientemente sentem-se pressionadas pelas gerações
mortas para que preencham as lacunas criadas deixadas pelas limitações de cada
época, temos os avanços. Quando as gerações mortas pressionam como um pesadelo
o cérebro das gerações vivas, temos os atrasos, o retorno ao sofrimento, ao
vale tudo, como fora definido por Thomas Hobbes “o homem, vira lobo do homem”,
inimigo, portanto, da liberdade, da ética, da política qualificada e da
democracia.
Marx ao analisar a situação da França no
início da década de 1850, descreveu as preocupações da burguesia, aterrorizada
pelas possíveis perdas fazendo ecoar o grito que fora ouvido por Napoleão
dizendo que, “Antes um fim com terror, do que um terror sem fim”. A partir
disso, aliaram-se a milhões de pessoas para fortalecerem a suposta legitimação
do “benfeitor” que viria para “favorecer” a todas as classes. No entanto, tanto
ontem quanto hoje, um governante não pode dar algo a uma classe sem tirar da
outra.
Se seguirmos a ideia de Walter Benjamin
de que “é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças”,
podemos perceber que há os que evoluem em suas capacidades criativas e outros
que reproduzem os feitos como uma mímica, mas, se assim o fazem é porque se deparam
com três tipos de apoiadores: os admiradores e os espectadores e beneficiados.
No passado tínhamos o “imperialismo”
como o verdadeiro inimigo da humanidade que somente a classe dominante reproduzia
e imitava. As mudanças conceituais, induzidas pela força da lei da semelhança,
instituíram a globalização como um avanço integrador. Sem deixar de lado as
estratégias de dominação, todas as classes aceitaram como um avanço, sem se
darem conta que este processo mundial repete o que foi o processo da
“acumulação primitiva” em escala local no início do capitalismo.
É verdade que nem todos os cérebros se
sentem pressionados pelas gerações passadas ao mesmo tempo e do mesmo modo; por
sua vez, nem todos são espectadores ou apoiadores de todas as iniciativas
assemelhadas. Ocorre que, os tempos atuais, ao colocarem em perigo os burgueses
do presente, fizeram com que, as gerações passadas ecoassem o grito: “Antes um
fim com terror, do que um terror sem fim”, e as mesmas reações foram
implementadas contra os trabalhadores.
Por outro lado, poderíamos também recorrermos
às motivações do passado para animarmos as reações do presente? Por exemplo,
poderíamos retomar a palavra de ordem do Manifesto de 1848: “Proletários de
todo mundo, uni-vos!”? Poderíamos, mas já não e tão automático como é
articulação dos burgueses sob a orientação do imperialismo e da globalização.
Quando expressamos a palavra “capitalismo”
nem sempre queremos mencionar as leis estruturais que o mantém como a produção,
a exploração, a acumulação e a expansão do capital. E, pelo esquecimento da
tradição das gerações mortas, deixamos de fora o movimento das classes, das
forças e dos princípios da teoria explicadora das contradições e dos limites,
por isso, nem sempre conseguimos articular como os nossos antepassados
articulavam as reações de classe.
Se tudo segue a tradição pelas
semelhanças, nem tudo segue igual. Nesse sentido é mais fácil para os burgueses
repetirem o passado como os movimentos de uma mímica, do que para os
trabalhadores, que enfrentam permanentemente novas contradições.
O capitalismo, estruturalmente
sustenta-se desde o início sobre os mesmos princípios e as mesmas leis
tendenciais, ou seja, a propriedade privada dos meios de produção, que permite
explorar e acumular riqueza; a liberdade e a igualdade jurídica, que permitem à
autonomia individual sem equiparação nas condições; a vocação cosmopolita da
burguesia de ir e levar o capital à todas as parte do globo terrestre; as
garantias jurídicas de um indivíduo possuir e usufruir de quantas propriedades
quiser; a liberdade de inventar e produzir em qualquer quantidade; o uso da estrutura estatal para assegurar a
ordem capitalista, etc., desde o início pouco mudou. Nesse sentido, esses
elementos apesar de fazerem os burgueses, pela lei da concorrência ter que
disputar entre si os interesses que visam a manutenção de suas economias, os
unem automaticamente. Essa união não é tão fácil assim com os trabalhadores.
Com os avanços científicos e
tecnológicos, muitas mudanças ocorreram no mundo do trabalho que, do ponto de
vista patronal, embora se possa verificar os avanços nos métodos
administrativos, os burgueses continuam onde sempre estiveram, ou seja, no
comando da economia política, mas os trabalhadores não.
Se os burgueses facilmente se dão
conta de que, em certas ocasiões, é melhor “...um fim com terror, do que um
terror sem fim” , e por isso agem com violência, é porque a essência da
constituição da classe dos proprietários não se desfaz, mesmo nos períodos de
bonança quando vigora o imperativo de “cada um por si”. Para os trabalhadores
muita coisa mudou. Ou seja, os modelos de produção industrial que vigoraram no
passado e reuniam milhares de pessoas em um mesmo lugar, dando substância à
classe, mesmo que os trabalhadores não fossem tão conscientes eram envolvidos
nas mobilizações, já não existem da mesma forma.
Devemos concluir então que, temos,
como no passado, milhões de trabalhadores explorados, mas não mais reunidos e
organizados em suas categorias profissionais. Essa mudança comprometeu a
estrutura sindical e também a composição e os métodos de atuação dos partidos
políticos. Isso entorpeceu de tal forma o “cérebro das gerações vivas” que, não
podendo voltar a se assemelhar com as organizações e as reações de classe do
passado, passou a comparar e assemelhar às formas e táticas da classe
dominante, por isso, como os gestos de mímica, para as disputas entre as forças
a esquerda imita a direita, seja nas disputas eleitorais, no sistema de
informação, no abandono da formação da consciência crítica e na agenda
política, na qual as vozes se levantam como se estivessem exigindo apenas um
“direito de resposta”. Já não se aplica o princípio dialético de que, “cada
ação corresponde uma reação” consistente capaz de fazer o imitador dominante
voltar atrás.
Se quisermos, podemos aprender com
as gerações anteriores e com o nosso próprio passado, para explicar porque
estamos vivendo um “golpe "bonapartista” ou uma “inflexão nazifascista". Porque
havia tempo que vínhamos fazendo “mímica política”, que favorecia às classes
dominantes, aparentemente divididas, mas partes delas tidas como aliadas.
Os trabalhadores no governo,
mantendo a mesma ordem capitalista e, ilusoriamente tentando fazer o Estado
capitalista funcionar a seu favor, não encontram apoio nas gerações passadas.
Por outro lado, nem se sentem pressionadas por elas, porque imitam a classe
oposta. Com o uso da tática das disputas institucionais, a possibilidade do
governo retornar às mãos da classe dominante que guarda na consciência a
tradição da ordem capitalista, é tão grande que basta uma simples disputa
eleitoral ou uma votação, com o apoio jurídico, da maioria dos deputados para
destituir do cargo uma presidente eleita e raspar da Constituição todos os
direitos dos contingentes de trabalhadores e pobres dispersos.
É, portanto, obrigatório que sejam
mudadas na política, as formas, os conteúdos e as consequências, isto porque,
se a luta sindical era, desde a Revolução Industrial do século dezoito, a possibilidade
de organização dos trabalhadores e servia para sustentar a força partidária,
pela desaglutinação estrutural, os trabalhadores já não se encontram cotidianamente
e, se não se encontram, não se reúnem. As reações espontâneas podem fazer
alguma diferença momentânea, como vimos no Equador, Chile, Bolívia e outros,
mas, após a enchente o rio volta a correr comportadamente no seu velho leito e
o capitalismo segue seu curso.
A História das mudanças terá que ser
contada por outro caminho. Para isto precisamos recorrer às semelhanças das
gerações passadas que faziam a organização política por meio de células, agora
não mais apenas no “corpo” da classe, mas no “corpo” da sociedade inteira.
Ademar Bogo
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