Fala-se das diversas crises das
esquerdas causadas pelo vazio programático, desvio político e incapacidade
organizativa; no entanto, essas são apenas expressões de causas ainda mais
profundas, que se originam no passado, mas se alimentam das mesmas indecisões
no tempo presente.
Na tradição marxista, o socialismo é
visto como um processo de transição para o comunismo, que não se dá automaticamente.
É necessário construir sobre as próprias contradições capitalistas, com atitudes
revolucionárias, a revolução que estabelece a ruptura da ordem burguesa e
implanta a ordem proletária e popular, tal qual o fizera a burguesia contra a
ordem feudal até colocar abaixo o poder dos reis e se afirmar como classe
dominante.
Se assim entendemos a transição,
veremos que ela não é um momento, mas um movimento permanente para a frente, no
qual as contradições se chocam e superam as circunstâncias velhas, pondo em seu
lugar, circunstâncias novas, sobre as quais, as atitudes revolucionárias, como
as sementes de boa qualidade, se multiplicam.
O que vimos nas últimas décadas no
Brasil, não foi a falta de esforço empreendido pelas lutas populares, sindicais
e partidárias para alcançar melhores condições de vida e garantir a ordem
democrática, mas a falta do objetivo para a construção da transição socialista.
Sendo assim, não tendo em mente a superação do modo de produção capitalista, as
conquistas econômicas e sociais levaram as diversas forças para a defensiva e a
terem que sempre começar de novo, como se a história funcionasse em ciclos
sempre mais regressivos; ou seja, primeiro se lutou para conquistar alguns
direitos, agora, para não perdê-los.
Esse movimento retroativo reproduz
uma dívida cada vez maior com o presente, porque ocupa cada vez mais as forças
populares e políticas para a defesa dos limites, tirando-lhes as forças de
impor uma nova agenda que recalque a classe dominante e possibilite colocar na
ordem do dia de elementos que sirvam para avaliar se estamos avançando com a
transição socialista ou retrocedendo para dentro da ordem capitalista.
O que vemos então na atualidade? Se
antes a luta era para ganhar o governo da República, agora é para não perdê-lo,
não porque se avançará com a transição, mas simplesmente para validar o
sentimento de que, com outra conformação de forças ficará pior. No entanto, não
vemos a preocupação com a defesa da ideia de que, se queremos o melhor,
precisamos superar as causas que produzem o pior e não alimentá-las.
Houve épocas em que se defendia que ganhar a
presidência da república não bastava, precisava também ter a maioria no
Congresso Nacional. Com a junção dos aliados chegou-se a isso e não se fez
nenhuma reforma estrutural, do ponto de vista partidário desconsiderou-se o
objetivo da transição socialista, porque, com a manutenção do projeto
capitalista, regredimos ao período auspicioso do neoliberalismo.
O que então deve ser colocado na
ordem do dia? Não é se faremos lutas reinvindicatórias como saídas táticas;
essas devem ser o pão de cada dia da revolução. O fundamental é saber se elas produzem
efeitos que fortalecem a transição socialista colocada, antes de tudo, como
objetivo principal. Caso contrário, mesmo sendo operadas pelos trabalhadores,
as ofensivas passam a ter a mesma natureza burguesa.
As forças revolucionárias são como
as sementes, se não forem replantadas permanentemente, não se multiplicam ou se
degeneram. O terreno para este cultivo é o da transição socialista; em outros
terrenos elas nascem e crescem, mas em poucas safras perdem a originalidade e
ganham características contrarrevolucionárias.
Ademar
Bogo, filósofo e escritor.