Quando no passado as águas oceânicas
serviram de suporte para as caravelas portuguesas chegarem ao Brasil e aqui
estabelecerem os conflitos com outra natureza, os nativos que aqui vivam
demoraram para perceber o que de fato representaria aquela invasão de mil e
quinhentos homens liderados por Pedro Álvares Cabral.
Darcy Ribeiro em
seu livro: “O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil”, nos revelou
que a costa do atlântico, por milhares de anos, estava ocupada por povos
indígenas. Dentre os povos indígenas a matriz Tupi, dividia-se em dezenas de
grupos e, por estarem melhor organizados, marcaram mais intensamente a presença
no território litorâneo.
Apesar da
unidade linguística e cultural, os índios do tronco Tupi (Tapuias = inimigos
para os portugueses) jamais se unificaram e por isso não formaram uma
organização política única. Dividiam-se em tribos e muitas delas se separavam
passando a viver em guerras entre si. Aproveitando-se dos conflitos internos os
portugueses interferiram ainda mais para que aqueles povos não se unificassem e
muitos deles apoiassem a causa da “civilização” que seria implantada em meio,
as guerras e os conflitos.
Enquanto as
foices e machados decepavam as florestas, demarcando os territórios a serem dominados
pelo plantio da cana-de-açúcar, a religião ocupava o território das
consciências indígenas. Dessa forma, sobre os índios assombrados com os
acontecimentos, caia a pregação missionária como um flagelo. Com ela, os índios
ficavam sabendo que todas aquelas maldades era porque eles haviam pecado e a
ira do bom deus do céu caíra sobre eles como um cão selvagem.
Darcy Ribeiro
ainda destacou que, os conflitos se deram em todos os níveis: a) biótico,
semelhantemente a uma guerra bacteriológica promovida pelas pestes que os
brancos traziam no corpo e, propositalmente, espalhavam entre as populações; b)
ecológico, pela disputa de território e uso da natureza para outros fins; e c)
econômico e social, pela escravização dos índios e a exploração mercantil.
De lá para cá os impérios ganharam
outras dimensões, mas o objeto de desejo continua sendo a dominação da natureza
feita pelos mesmos métodos. Na atualidade, quando ouvimos falar que no
Congresso Nacional fora aprovada, em 11 de Dezembro de 2019, a lei 3261/19 que
estabelece o marco legal do saneamento básico e permite a privatização da água
e do esgoto, nos comportamos como os índios que, desinformados aceitaram que os
portugueses desembarcassem no litoral baiano no ano de 1500.
Se inicialmente os portugueses
interessaram-se pela madeira, o ouro e a terra para o cultivo, essas riquezas
naturais nunca deixaram de ser objeto da cobiça; somaram-se a eles outros tipos
de apropriações como os minérios, o petróleo e, mais recentemente, juntamente
com os serviços que, em sua grande maioria são direitos do cidadão e dever do
Estado em prestá-los, juntou-se a dominação da água doce.
Para distrair a população, os
capitalistas, comandados pela inteligência imperialista do Estados Unidos da
América, instigam para que a nação se divida e se combata por meio de conflitos
internos que, propositalmente, são centralizados nas religiões, nas etnias e
nas ideologias.
Por mio dos conflitos religiosos buscam
estabelecer o fundamentalismo para separar os bons dos maus; os honestos dos
corruptos pecadores e a indução a fazer sacrifícios entregando os direitos
conquistados para salvar o Estado, isto porque, os “pecados” cometidos pelos
governos anteriores, fizeram com que a fúria divina caísse sobre os ombros dos
mais pobres, que são, para eles, os que mais custam, em saúde, educação,
aposentadoria e também os que mais custam em direitos trabalhistas. Em relação
aos conflitos étnicos, o objetivo político é o divisionismo entre brancos e
negros, índios “selvagens”, contra os civilizados, nesse sentido ganha força as
expressões racistas e discriminadoras.
No entanto, é no aspecto ideológico que
os servidores do imperialismo agarram-se para fazerem as disputas. Apenas como
lembrete, a ideologia deve ser considerada como o conjunto das ideias usadas
para obscurecer a verdade. O contrário da ideologia é a consciência. Mas o que
fazem os agentes do império? Dizem que é preciso reprimir os professores porque
“ensinam ideologia”. Na verdade quem quer enfraquecer a educação e ensinar
mentiras, por exemplo, que “a terra é plana” e que as questões de gênero e sexo
devem ser banidas dos estudos, pondo no lugar os preceitos da “sagrada
família”, são eles que buscam, justamente, fortalecer os preconceitos, a
homofobia, a violência contra a mulher etc. Essa estratégia do divisionismo
populacional já vem ocorrendo desde a década de 1990 quando ocorreram as
invasões pelo império Norte americano no Iraque e no Afeganistão.
Posteriormente alcançou a Líbia, na onda do que denominaram de “primavera
árabe”. Em nosso continente, as divisões ocorreram no Equador, na Venezuela,
Bolívia e no Brasil, ainda em curso e, provavelmente, logo ouviremos que a
Argentina também foi acometida pelo mesmo mal. Na Ásia, a última investida do
mesmo império ocorreu em Hong Kong, na China, aparentemente sem êxito.
Se na exploração de petróleo o Brasil
está na 17ª posição, em ralação às reservas de água doce está entre os
primeiros do mundo. Temos em nosso território 12% de toda água doce do planeta.
Comparando com todos os países da América do Sul o nosso território concentra
53% da água e, na região amazônica localizam-se 10 entre os 20 maiores rios do
mundo. Sem contarmos com o lago subterrâneo, localizado nos 8 estados do centro
sul do Brasil, denominado de “Aquifero Guarani”, que possui uma reserva de 1,2
milhão de km2 de água.
Se tomarmos como referência o alcance
estratégico da exploração da água em comparação com as demais formas de
riqueza, veremos que o petróleo tende a ser substituído por outras fontes de
energia limpa; a madeira por outras matérias recicláveis e os próprios minérios
terão suas utilizações diminuídas. Mas, para a água não há substituto, fundamentalmente
para a produção de alimentos e para o consumo humano e animal.
A luta pela água, assemelha-se, na
atualidade, ao que foi a luta pelo domínio do fogo ocorrida à cerca de 2,3
milhões do anos. Naquela época, quem dominasse o fogo tinha poder sobre todos
os povos, hoje usa-se o fogo como arma ou mediação para devastar mais
rapidamente as florestas.
A grande diferença do domínio do fogo
para o domínio da água é que este último dar-se-á pela imposição jurídica,
travestida de “prestação de serviços privados”. Até então tínhamos o
conhecimento de que as empresas encanam a água e tratam os esgotos sem se
apossarem dos rios. De agora em diante começaremos a ouvir que os rios
tornar-se-ão propriedade privada e a água, em qualquer ponto de suas margens,
transformar-se-á, de um bem de uso, em uma mercadoria.
Quando falamos em superação do
capitalismo, queremos sempre mostrar que, pela própria natureza do capital, ele
precisa crescer e expandir-se, por isso não importa se for investido na
transformação de estrume em mercadoria ou apropriando-se de um bem da natureza
para o controle privado. Assim como nos acostumamos com a existência da
propriedade privada da terra, se nada fizermos, teremos de nos acostumar com a
propriedade privada da água também.
O futuro da humanidade depende de todas as formas de emancipação, principalmente da propriedade privada dos bens fundamentais. O capitalismo não pode permitir que a emancipação humana ocorra, por isso a luta pela preservação de direitos apenas, é insuficiente para impedir que ele torne a vida no planeta insustentável.
Ademar Bogo
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