Todos os conceitos sofrem desgastes
ou ampliam o conteúdo original com o passar do tempo. Se voltarmos à origem das
duas categorias que inauguraram a política contemporânea, veremos que, logo
após a realização da revolução francesa, quando, na Assembleia Constituinte, o
parlamento francês dividiu-se em duas bancadas: os Girondinos, mais moderados e
conciliadores tomaram o lado direito do recinto e, os jacobinos, mais exaltados,
com propostas mais arrojadas ficaram com o lado esquerdo. Portanto, a
identificação ideológica de cada indivíduo, de ser de direita ou de esquerda, dava-se
pelo lugar que ocupava na Assembleia. Se mudasse de lado, mudava também de
ideologia.
No decorrer da História contemporânea,
diversos elementos foram incluídos no conteúdo da classificação coletiva das
categorias de direita e esquerda. Do lado da esquerda poderíamos dizer que há
períodos em que as palavras “progressista”, “reformista” ou “radical” unificam
as forças em defesa de alguma causa. Do lado da direita, as forças são
denominadas de “conservadoras”, “atrasadas” e “liberais”, para ficarmos apenas
nestas.
No entanto, estes termos, na
atualidade se forem aplicados separadamente, veremos que eles são usados por
ambos os lados; ou seja, podemos ter alguém de esquerda progressista em alguns
aspectos e conservador em outros; assim como membros da direta que podem ser
radicais e também liberais. Por outro lado, de maneira geral, as pessoas que
não fazem parte de agremiações políticas, também expressam as suas posições que
se identificam com aquilo que imaginam ser de “direta ou de esquerda”. Para
entendermos a danosa confusão, devemos voltar às origens das denominações e
perguntarmos quem eram os Jacobinos? E, quem eram os Girondinos?
Se compreendemos que as duas forças
lideraram o processo da Revolução Francesa de 1789, identificaremos que ambas
eram revolucionárias, porque, pela primeira vez na História da humanidade, uma
transformação social foi feita por uma revolução e dirigida por uma classe, no
caso a burguesia. Sendo assim, tanto a direita quanto a esquerda, defendiam as
propostas capitalistas.
É verdade que a força jacobina,
comandada por Robespierre (advogado e político)
era composta por profissionais liberais, pequenos comerciantes e
pequenos industriais. Defendiam a eliminação da monarquia, do trabalho escravo,
o fim dos privilégios do clero e da nobreza, o controle dos preços, a educação
para todos etc. Essa força política foi hegemônica entre 1792 a 1794, quando os
Girondinos voltaram ao poder e, por volta de 1799, haviam aniquilado e proibido os Jacobinos de atuarem
politicamente.
Os girondinos compunham o partido
político denominado de “Gironda” e representavam a alta burguesia. Defendiam o
liberalismo e um sistema republicano moderado, mas tinham como tática política,
a violência e a perseguição aos opositores. Entre os anos de 1794 a 1799
implantaram um regime de terror e consolidaram os interesses da burguesia.
Embora que, no século seguinte, a
burguesia, em todos os países da Europa teve que levar a cabo a “revolução
liberal” em cada país, os rumos da História do capitalismo não foi alterada. A
burguesia uniu as ideias liberais com as ideias nacionalistas e, por quase três
décadas, lutou para derrotar a nobreza e o absolutismo.
Apesar disso e de todas as mudanças
que ocorreram na História, as categorias “Direta” e “Esquerda” permaneceram
como referências de identificações, com exceções dos novos processos
revolucionários ocorridos em diversos países em que, ambas as categorias foram
eliminadas e, principalmente os Partidos Comunistas passaram a denominar as
forças hegemônicas de “revolucionárias”. Dentre elas surgiram as várias
tendências que valorizam alguns aspectos diferenciadores na formulação teórica
como: leninistas, trotskistas, stalinistas, maoistas, gramscianas etc.
De maneira geral, as forças de
“esquerda” sempre foram mal vistas pelas forças de “direita”, porque, desde a
vitória dos Girondinos, na França, em 1794, a concepção política identificou-se
com o próprio pensamento capitalista e, até os dias atuais a burguesia governa
hegemonizando o poder fazendo uso dos recursos apropriados, favoráveis aos
planos liberais ou absolutistas, com ideologia adaptada, ora mais nacionalista
com matizes nazistas, homofóbica, racista, marxista, entreguista etc. Nos curtos
períodos em que as forças de esquerda governam, na maioria das vezes, procuram
pagar algumas dívidas históricas que as massas populares ficaram por receber,
mas, quase sempre, sem penalizar a classe burguesa, seguindo, portanto, a
originalidade iniciada pelos Jacobinos: ser de esquerda em pensamento, mas, de
Direita no respeito à ordem e as leis de reprodução do capital.
Karl Marx, uma das principais
referências criticas do capitalismo, viveu e participou das revoluções liberais
da Europa de 1848, no entanto, as categorias das quais se utilizou para
identificar as forças econômicas, políticas e sociais, possuem outra
denominação.
Na atualidade qualquer indivíduo
pode ser de esquerda ou de direita, isto porque, a sua classificação se dá pela
posição política. No entanto, se tomarmos as referências categóricas, como as
que tomou Marx: “exploradores e explorados”, veremos que a sociedade não se
divide entre opiniões progressistas e conservadoras, nem se é a favor ou contra
o governo, mas se é dono ou não dos meios de produção. Visto dessa forma, a
classe passa a ter importância, porque, nos diferenciamos pelo que possuímos e
pelo lugar que ocupamos no processo produtivo e da organização social.
Confunde-se, portanto, consciência
com ideias. Por que? faz parte dos instrumentos de manipulação das consciências,
a enganação ideológica. Quando as forças de “esquerda” querem fazer disputa de
ideias com as forças de direita, estão disseminando ideologia. Ou seja, em
grande medida, estão encobrindo a verdadeira realidade porque prometem coisas
que estão dentro da ordem capitalista, como: mais emprego, mais renda, mais
consumo, mais controle, mais saúde, educação etc. Ou seja, se defendemos mais
emprego, defendemos também a mais valia que reproduz o capital e assim por
diante. Se defendemos melhores serviços, defendemos mais Estado sem nos darmos
conta de que ele juntamente com o Direito positivo, foram criados para garantirem
a ordem capitalista. Por isso, nem precisaria ser de direita ou de esquerda
para defender estas medidas, bastaria ser capitalista.
Quando as forças de direita
perseguem as forças de esquerda, após um período em que estas últimas estiveram
no governo, elas repetem a História original do surgimento da denominação dos
termos “direita” e “esquerda”, ambas defensoras do capitalismo. Como a dizer,
“por que vocês foram se meter a governar?”. Os Girondinos cortaram, com a guilhotina,
cerca de 40 mil cabeças até 1799, a maioria delas, de Jacobinos, dentre eles, o
líder maior, Robespierre.
Ser de esquerda hoje é um incômodo
para a burguesia, porque servimos como oposição aos projetos de governo, mas,
ao mesmo tempo não significa ameaça nenhuma ao capitalismo, como já vimos pelas
experiências de governos feitas. Nesse sentido, as perseguições são precedidas
da ideologia dominante que ganha apoio de pessoas que assumem a defesa da propriedade
privada, sem serem proprietários. Prova de que as ideias ganharam a batalha da
formação das consciências e cooptaram uma parcela de pobres em favor dos ricos.
A pergunta simbólica que a ideologia
dominante formula. para, parte dos explorados repetirem como o fizeram os
Girondinos é: “Por que vocês teima em querer governar?”. Nesta hora é que, como
os Jacobinos guilhotinados, vemos a lâmina afiada do Direito, elaborado pelo
Estado capitalista, “cortar as cabeças” das lideranças que, ingenuamente,
pensaram em governar sem atacar os fundamentos do capitalismo.
Somente no momento em que as
disputas passarem a serem feitas entre os exploradores e os explorados, é que
as “forças de esquerda” passarão a ser conhecidas como “revolucionárias” e
serão verdadeiramente protegidas, porque também aprenderam a proteger e não
apenas prometer. Lembrar-se sempre que, de esquerda ou de direita qualquer
indivíduo pode ser, basta votar nas eleições e defender as ideologias que afiram o capitalismo, mas, revolucionários e revolucionárias só podem ser
os homens e as mulheres que querem superar o capitalismo.
Ademar
Bogo
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