O professor Milton Santos quando
escreveu sobre a “globalização como perversidade”, não foi totalmente
compreendido, pois, no início do século, a parte mais consciente da sociedade
brasileira sonhava com a conquista do governo por meio das disputas pacíficas do processo eleitoral e, com aquela ideia, de que, “se o Estado estiver sob o nosso
controle ele nos servirá”, o entendimento real e profundo da dominação mundial
ficou obstruído.
No entanto, quando os “golpes
institucionais” começaram a rondar os governos progressistas, muitos perceberam
como eram frágeis as paredes das soberanias nacionais, rompidas por um sopro
manso que, direcionado sobre os territórios para chegar às últimas riquezas
naturais, como as florestas, o petróleo e o lítio, conforme enunciam os
bolivianos, levou menos de uma década.
A globalização agora revela a sua
face mais violenta. Enquanto as forças do mercado podiam atuar e manipular os
parlamentos, as leis fluíam como um agrado antecipado aos capitalistas,
ansiosos para afirmarem o poder econômico. Na medida em que a crise se fez presente,
como a falta de alimento no estômago, o capital passou a exigir das soberanias,
entregas preciosas e, agravou-se a perversidade comportamental do imperialismo.
Milton Santos havia percebido que o
lugar é o ponto que sustenta “os impactos do mundo”. O que ninguém sabe é como
e de que maneira os impactos acontecem, pois dependem da força, do modo e do
peso que dominação cai sobre as nações.
O mundo na verdade, desde a origem
do capitalismo vem mudando a sua denominação e já pode se chamar de “mercado”. O próprio Marx, ao estudar a mercadoria
desvendou que ela havia se tornado, já e, seu tempo, “cidadã do mundo”. Mal
sabia Marx que chegaria o tempo que as mercadorias se moveriam mais rápido que as
pessoas e, em certos momentos, como este que estamos vivendo, de “distanciamento
pessoal”, que somente elas seriam os vínculos entre os países.
Aparentemente houve uma inversão entre
o protagonismo das coisas sobre o protagonismo dos homens, mas isso não é
totalmente verdadeiro, porque, no capitalismo os “homens de negócio” foram
também coisificados. Por isso hoje vivemos no mundo das coisas, a diferença é que
a “coisa humana” perde cada vez mais o valor de troca e, as demais coisas
ganham sempre mais importância.
A perversidade do mercado está na
sua capacidade de governar o mundo e de impor, por meio da tecnologia, como as
sociedades locais devem se comportar. Tudo aquilo que não serve ou não presta
para se tornar mercadoria é desprezado e, o ambiente aonde essa substância
existe é destruído. O exemplo mais horroroso vemos na Amazônia. Os índios não servem
para o capital, os seus territórios sim. Para invadir os seus territórios é
preciso eliminá-los, da mesma forma que os portugueses e os espanhóis fizeram
no inicio da colonização: espalhando entre eles vírus de doenças contagiosas. O mesmo ocorre com as florestas, há muita
resistência em devastá-la para torná-la mercadoria, mas o boi é atrativo. O
mercado mundial, não quer árvores, quer carne e, mesmo que muitos países reajam
contra a dizimação das florestas pelo fogo, não deixam de importar carne. E, os
governantes que se dizem de esquerda, ajudam o agronegócio a produzi-la.
Mas a filosofia do mercado não
atingiu apenas os instintos destrutivos dos capitalistas, que já se deram conta
de que algumas mercadorias tornar-se-ão obsoletas e outras serão substituídas,
como é o caso do petróleo e, também com certos tipos de alimentos que serão produzidos
em laboratórios. No entanto, o pior de tudo é que, as forças de esquerda que
sonham em governar, no sistema capitalista, não apresentam outra alternativa que
enfrente o domínio das coisas. Ao contrário, prometem “melhoria de vida” por
meio da mercantilização da força de trabalho desempregada, da nacionalização do
petróleo, do avanço do agronegócio, da mineração etc.
Com a mundialização do mercado, disseminaram-se
as formas de intervenções. E, se Maquiavel já havia ponderado que era preciso
separar a ética e a política, o mercado nunca aceitou que a ética o
acompanha-se. Logo, exigir que um governante adepto do imperialismo aja com
ética, é o mesmo que exigir que um capitalista reduza o lucro a zero.
Tudo isso indica que não é válido
empregar esforço para fazer a direita e os capitalistas mudarem de
comportamento. Quem deve mudar é a esquerda! Em primeiro lugar, deixando de
imitar a direita com propostas de melhoramento da gestão governamental impregnada
da ideologia da globalização; em segundo lugar, empenhando-se em resgatar a
dignidade humana dominada pelas coisas; em terceiro lugar, livrar-se do gozo
reformista, conciliador e afetivo obtém relacionando-se com a classe dominante e,
em quarto lugar, romper com acasalamento oficializado pela democracia
capitalista, que se legitima a convivência formal da oposição com a situação.
Entender que, como disse Mészáros o “ato”
de libertação é diferente do “processo de libertação” é fundamental. Isso quer
dizer que, não se fará nunca uma caminhada enquanto os passos forem dados respeitosamente
no recinto da própria cozinha. Os passos somente tornam-se uma longa marcha, se
forem dados ao ar livre e em direção ao horizonte.
Ademar
Bogo