Quando Marx e Engels polemizaram com
Bruno Bauer, Feuerbach e Max Stirner, enfrentaram pensadores bastante
qualificados, com os quais haviam formado o mesmo grupo dos “jovens
hegelianos”, mas, devido aos desacordos nas ideias foram obrigados a
contestá-los rigorosamente com diversas elaborações.
Se as polêmicas mais duras travadas
com Bauer se deram em torno da emancipação política dos judeus, cujo autor
defendia que eles antes deveriam abandonar a religião, porque, para que
houvesse de fato a emancipação, o Estado deveria ser laico. Bauer via que, sem
as demandas religiosas o Estado poderia atender as demais reinvindicações e
garantir os diversos direitos sociais e políticos. Para Marx, esse discurso
ideológico era um disfarce, pois, para os capitalistas alemães, pouco importava
se os judeus seguiam ou não uma religião. Na vida social, as contradições eram
materiais e não espirituais. Precisavam sim de enfrentar o Estado e a classe
dominante para extinguirem todas as mediações que impediam os judeus de serem
livres e iguais.
Por outro lado, ao discutirem as
ideias de Feuerbach no sentido histórico, ironicamente Marx e Engels consideraram
que não valeria a pena explicar para aquele e outros filósofos, que eles não
haviam feito avançar um único passo a libertação do “homem”, ao terem reduzido
a filosofia e a teologia a um monte de lixo. Também não gastariam tempo
explicando que somente seria possível conquistar a libertação real, no mundo
real, com o emprego de meios reais, porque, certamente não entenderiam que não seria
possível libertar os homens enquanto eles fossem incapazes de obterem a própria
alimentação, a bebida, a habitação e a vestimenta em quantidade e qualidade
adequadas.Além disso, a libertação deveria ser vista como um ato histórico e não
como um ato de pensamento e, ainda mais, condicionada por condições históricas
criadas pela indústria, comércio, agricultura e outros intercâmbios materiais.
Sobre Stirner, chamado de São Max,
que havia escrito o livro, “O único e sua propriedade”, Marx o criticou porque
queria fundar uma causa sobre o nada e, por meio de lamúrias expressava o
“brado crítico”, repetindo sempre que “tudo há de ser sua causa” e que a “causa
de Deus, a causa da humanidade, da verdade, da liberdade e outras mil causas acabavam
caindo sobre os seus ombros.
Marx fez a seguinte descrição sobre
o texto de Stirner: Ele investiga a “causa de Deus”, “a causa da humanidade” e
conclui que são “causas egoístas”, isto porque, tanto Deus quanto a humanidade
só se preocupavam com o que era deles e se encontravam em situação sempre
favorável. No entanto, Stirner se perguntava: “e eu?”, e logo dava a resposta:
“Eu, de minha parte, tiro disso uma lição e prefiro, em vez de continuar a
servir a esses grandes egoístas, ser Eu mesmo o egoísta”. A verdadeira
conversão então, se daria as avessas, iria em direção ao egoísmo e entraria em
competição com “Deus” e com “a verdade”, porque queria Stirner criar a sua
própria verdade.
Marx e Engels perceberam que aquelas
ideias deturpavam a verdadeira análise da realidade e por isso as denominaram
de “ideologia”, para que elas não ganhassem força na mente dos judeus e
trabalhadores alemães, atacaram-nas com veemência, demonstrando que elas
serviam à classe dominante que precisa em cada época, controlar também as
ideias que manipulam as consciências pelo mundo afora.
No Brasil, se “a ideologia alemã”,
por meio das ideias de Bauer, Feuerbach e de Stirner, não ofereceram grandes
perigos, o mesmo não podemos dizer da outra surgida quase um século depois,
conhecida como “Nazismo” e que agora vem-nos a perturbar. A ideologia nazista,
nascida na Alemanha por volta do ano de 1924, quando surgiu o Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães, que tinha, além de Adolfo Hitler como líder
maior, o propagandista das ideias escusas, o ministro da propaganda que atuou
por mais de doze anos, conhecido pelo nome de Joseph Goebbels.
No nome do partido “Nacional
Socialista” estava presente a enganação das ideias nazistas, isto porque ao
invés de ser uma força socialista era uma organização paramilitar de perseguição
ao “diferente”. Na verdade, era um movimento de extrema direita que visava
segregar parcelas da população em busca de criar uma “raça superior”, para
tanto precisou criar uma ideologia e propagandeá-la para justificar o
extermínio dos judeus, dos ciganos, deficientes físicos e mentais, negros e
todos os adversários políticos, principalmente aqueles que defendessem as ideias
marxistas.
Esse partido foi sufocado em 1945
com o final da Segunda Guerra Mundial, mas as ideias permaneceram e,
seguidamente reaparecem, tanto na base social quanto nas fileiras
governamentais, como é o caso do Brasil na atualidade.
O sinal de que “a ideologia alemã”,
travestida de Nazismo, na atualidade, não deve apenas ser identificada nas
palavras expressas pelas autoridades, como fez o Secretário da Cultura demitido
recentemente, quando organizou uma cerimônia com as características e as simbologias
utilizadas por Goebbels, no intuito de “nazificar” a cultura brasileira. Há
outros elementos que combinam com o nazismo, mas como eles são apresentados
envolto pela ideologia nazista, as verdadeiras intenções ficam disfarçadas.
A primeira semelhança está na
mentira. “Uma mentira contada mil vezes, transforma-se em uma verdade”, defendia
Goebbels. Essas mentiras são de todos conhecidas. Elas vão desde a manipulação
dos dados estatísticos para dizer que a economia está crescendo, à defesa à
indissolubilidade da família, que, a começar pelo presidente e a próxima
secretária de cultura, são especialista no assunto de desfazer as próprias
famílias por diversas vezes.
Em seguida podemos comparar os
campos de extermínio da Alemanha Nazista que, com tecnologia e força repressiva
especializada, milhões de pessoas (na maioria judias), foram mortas. Em nossos
dias, os germes dos campos de extermínio são os presídios e, as forças
especializadas são a milícias paramilitares que agem em conivência com o poder
político. De outro modo, avança-se para oficializar as matanças por meio da
aprovação de leis que isentam de culpa os policiais, quando eles alegarem
“escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
A censura e o corte de verbas de
incentivo à produção à cultura, o fechamento da Agencia de Cinema (ANCINE), o desmantelamento
do sistema de educação em nome da “purificação das ideias”, que acreditam terem
sido esquerdizadas pelo pensamento do professor Paulo Freire, são outras formas
de proliferação da ideologia nazista. Por outro lado, a pregação de que
precisam “combater as ideologias” como se eles não fossem os seus maiores
propagadores, é de fato a mentira contada milhares de vezes.
Poderíamos seguir enumerando,
situações em que as mentiras repetidamente comunicadas visam ganhar o status de
verdade, mas interessa é percebermos que “A ideologia alemã”, agora com o nome
de “nazismo”, continua viva entre nós e, as mesmas perseguições que sofreram
Marx e Engels, os judeus, os negros, homossexuais e outros, se repetem com um
público cada vez mais ampliado.
Os motivos do renascimento dos
fantasmas ideológicos que, de tempos em tempos aparecem com outras faces,
inovando a trindade asquerosa, composta agora por Trump, que nega o aquecimento
global; Bannon, o novo Goebbels da propagação da mentira e, Carvalho, que prega
o achatamento da terra, deve-se à crise do capitalismo e a falta de
alternativas para manter a reprodução do capital. São tempos em que se tornam propícios
os surgimentos de tais excrescências como pestes repentinas inventadas por
combinações de carências e interesses escusos.
Como fizeram Marx e Engels ao
enfrentarem a ideologia alemã, é tarefa da militância, nos tempos atuais, fazer
o mesmo e combater as mentiras com o esclarecimento das verdadeiras intenções
que se escondem nas dobras das informações produzidas pelos servidores da
segregação, do ódio e da perseguição às forças que visam sobreviver para
superar o capitalismo.
É a ideologia nazista e imperialista
atualizada, pelos lemas: “Deus acima de todos” mesmo que desiguais; a família
em primeiro lugar, mesmo que ela já não se identifique como tal; o Estado laico,
com a presença da religião como base partidária; a segurança pública com o
armamento privado; a educação profissional quando não há mercado para os
profissionais que se formam; etc., que precisa ser contradita e combatida diariamente.
Não existe luta política sem a disputa das ideias e, não existem ideias fortes,
sem existirem causas fortes.
Ademar Bogo