Maquiavel, com seus 43 anos de
idade, arriscou-se a dar conselhos ao “príncipe” italiano, Lorenzo II, orientando-o
da seguinte forma: “O principado é construído ou pelo povo ou pelos grandes,
conforme uma ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes não
lhes ser possível resistir ao povo, começam a emprestar prestígio a um dentre
eles e o fazem príncipe para poderem, sob sua sombra, dar expansão ao seu apetite;
o povo, também, vendo não poder resistir aos poderosos, volta a estima a um
cidadão e o faz príncipe para estar defendido com a autoridade do mesmo”.
Esse modo de ver, ainda na
modernidade, caracteriza bem como é a política representativa: tantos os ricos
quanto os pobres visam ter um representante que os defenda. Poderíamos
considerar natural essa solução, principalmente porque, o patriarcalismo e o
presidencialismo empresarial ou cooperativo, prezam pelo formato da
representação. No entanto, deixa de ser natural quando a busca do representante
para ambos os lados passa a ser o mesmo indivíduo.
Considerando que as massas, devido
ao baixo nível de consciência e capacidade interpretativa, podem oscilar entre
um candidato de direita, de centro ou de esquerda, buscam sempre um defensor
dos mínimos interesses e, para chegar a tal posicionamento podem ser
convencidas ou induzidas. Do lado da parte dominante, a prioridade é sempre ter
um representante da sua classe. Quando se volta a favor de um representante do
povo, é porque se sente ameaçada por ele ou porque não consegue encontrar um
dos seus para representá-la.
No Brasil, a classe dominante
manteve-se unanimemente colada ao governo nazifascita, eleito em 2018, com
todas as manobras anteriores, propagadas e conhecidas. Assegurou com as
“desarrumações” da ordem, todas as reformas e concessões pretendidas. No
momento em que percebeu as diversas ameaças, buscou a saída da “terceira via”,
mas, sentindo que o “povo” não aceitaria, tomou a decisão de migrar para o
candidato apoiado pelo povo. Em síntese, enquanto o povo quer um representante
que o proteja, a classe dominante quer o mesmo para proteger os seus
interesses.
É evidente que a classe dominante
abandonará a passos largos o candidato Bolsonaro, mas isto não significa que
ela aceitará a ser conduzida. Enquanto ela tiver a supremacia econômica, será
sempre dominante. No Brasil, mais do que
em outros países, desde 1889, com a proclamação da República, inspirada no lema
positivista, “Ordem e progresso”, é visível que a burguesia, ao romper com a
ordem, paralisou o progresso e, por isso precisa desfazer-se da simbologia
política que implementou o desarranjo.
Nesse sentido, o isolamento de
Bolsonaro pelas principais forças e instituições é uma tendência de difícil
reversão. A temeridade de golpe, nos modos tradicionais, propagada pelas forças
mais conscientes, contribui apenas para valorizar a democracia, mas, no fundo,
dá fôlego ao negacionista das urnas eletrônicas, para sustentar um discurso de
que “será roubado” e, preparar por conta própria, uma saída menos vergonhosa. O
ideal seria discutir as saídas de superação do atual estado de coisas.
Ume golpe liderado pelas forças armadas,
além de não ser necessário para garantir os interesses capitalistas atuais, não
tem apoio, a não ser em setores marginais representados por uma parte da classe
média vingativa, seitas religiosas, milícias etc. Para que haja um golpe, além
de todas as circunstâncias favoráveis, as forças armadas precisariam apontar
que são capazes de jungir os dois princípios: “Ordem” e “Progresso”. A ordem
até podem tê-la garantida, no atual governo, tutorado militarmente, até porque
não houve nenhuma mobilização popular agressiva e o fantasma do comunismo não
se fez presente; mas o progresso foi e está sendo um total fracasso,
demonstrando que além de incapazes, os militares da política, estão
completamente equivocados com relação à estratégia adotada. Economicamente, um
golpe se justificaria se a pretensão fosse transformar o Estado em uma força investidora,
concentradora de um modelo econômico estatizado, pondo a iniciativa privada
como força auxiliar do desenvolvimento. O que vimos até aqui é um apego
arraigado ao neoliberalismo e ao entreguismo das riquezas nacionais ao capital
internacional. Para isso, não precisou, até aqui, dar nenhum tiro e, para
continuar dessa forma, não se justifica apelar para nenhuma loucura.
Porém, não significa que o processo da
sucessão presidencial será pacífico e que o ufanismo do “já ganhou” confirme a
vitória sem luta. Se o ponto de ataque são as urnas eletrônicas, para tumultuar
o resultado final, tendo em vista a extensão do País, nos recantos mais
isolados e com menor vigilância, urnas falsas podem ser introduzidas,
confirmando assim as irregularidades, que até então significaram denúncias
vazias. Em síntese, eles precisam de uma prova, mesmo que seja falsa e há
condições de produzi-la. Nesse caso sim, havendo reação popular e a iminência
de ser desencadeada uma guerra civil, poderia haver a intervenção militar, para
apaziguar os ânimos e convocar novas eleições.
No
mais, a divisão da sociedade, pela posição de classe, está estabelecida em
todos os espaços públicos, e isto nos diz que uma vitória eleitoral, por si só,
não normalizará as relações civilizatórias.
Ficará para as futuras gerações o
desafio de equacionarem o separatismo entre as armas e a organização. É o que
configuram e pregam os dois lemas e as duas crenças atuais: o da extrema-direita
pregando que, “O povo armado jamais será dominado”, e o da tradição
revolucionária, verdadeiramente consciente de que, “O povo organizado jamais
será explorado”. No primeiro falta a organização, no segundo, faltam as armas.
Para os exploradores o fim desse governo tem como
finalidade reunificar a ordem e o progresso para manter a velha estratégia da
dominação política e da exploração econômica. Para nós, o fim do mesmo governo
deve ter a finalidade da superação e a afirmação de um novo processo, no qual,
não haja mais príncipes unificadores das classes, mas a representação pela
participação direta.
Ademar
Bogo