O filósofo Aristóteles ao escrever o seu texto, “Ética a Nicômaco”, empenhou-se a tratar de vários temas, dentre eles o hábito. Segundo ele, nenhuma das virtudes morais surge por natureza e, por isso, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Para ilustrar ainda mais, expôs um belo exemplo: À pedra, que por natureza se move para baixo, ainda que tentemos adestrá-la não se pode imprimir-lhe o hábito de ir para cima; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo.
Do ponto de vista etimológico a
palavra “hábito” descende do latim “habito”
que significa morar, ocupar, habitar, residir e, por decorrência, “habitus” representa atitude posição e
postura. Quando relacionamos as palavras com referências isoladas, habitar,
significa morar e, hábito, poderia ser um costume repetido. No entanto, se
considerarmos que hábito também habita, o indivíduo converte-se em moradia das
próprias atitudes.
A reflexão torna-se ainda mais
interessante se aproximarmos esse outro pensamento do mesmo filósofo, quando
expressa que, “pelos atos que praticamos em nossas relações com os homens, nos
tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em presença do perigo e pelo
hábito, do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes.”
Fixadas as referências notamos que,
acima há a posição da pedra que rola moro abaixo e o fogo voltando-se para cima;
depois, vemos o hábito apresentar-se com duas polaridades semelhantes: o medo e
a ousadia. Talvez a primeira conclusão a
ser tirada é a de que devemos ter a ousadia do fogo quando sobe o moro e não
covardes como a pedra que se deixa levar pacificamente, após empurrada pelo
desnível do terreno.
Do livro para a vida. As experiências
mostram pelos relatos históricos, como os hábitos, correspondentes às práticas
organizacionais e políticas, estruturadas pelas gerações passadas, ou pelas
mesmas gerações que envelheceram, podem envolver mais covardia do que ousadia e,
tal qual ás pedras que só aprendem a rolarem para baixo, continuam ignorando
que a História segue as circunstâncias e não a repetição dos hábitos.
Tomemos como referência o processo
político brasileiro depois da “abertura política” de 1985 até os dias atuais,
testemunhamos períodos de tensões maires e menores, mas, evidentemente todas
elas corroboraram para a manutenção da ordem. As ações de desobediência civil,
mantiveram-se no limite das reinvindicações pontuais sem apresentarem nenhuma
ameaça ao status quo.
As mudanças de governo, embora que
as campanhas tenham apresentado certas empolgações foram feitas até o momento
presente, com um elevado grau de aceitação dos resultados expressos pelas urnas
eletrônicas e, os próprios mandatos governamentais não afrontaram as leis econômicas,
por isso não limitaram o poder dos capitais nem renegaram as leis
constitucionais. Todos esses aparentes pilares democráticos tornaram-se hábitos
repetidos que garantiram as governabilidades de partidos políticos, diferentes,
mas com políticas públicas semelhantes.
As ciências e as tecnologias
desferiram ataques contra a ignorância, a lentidão e a baixa qualidade das
interações. Tais ascendências modificaram os padrões de consumo, como também os
hábitos comportamentais. As linguagens ganharam novas expressões e as
informações passaram a circular com muito mais velocidade por outros caminhos,
que não mais a carta digitada, o telegrama ou a notícia do jornal feito no dia
anterior e enviado às bancas para serem lidos logo cedo, comunicando algo que
havia ocorrido na tarde anterior.
Poderíamos continuar com
demonstrações de mudanças como é o caso do poder das mercadorias no movimento
de capitais em vista do consumo, mas que impuseram um novo tipo de ser das
soberanias nacionais, mantidas por meio de relações de dependência etc., mas,
nos interessa perceber como desenvolvemos as formas de fazer política.
Aparentemente, para as forças de
esquerda que no passado repetiam slogans socialistas e, de boa Fé, expressavam
o desejo de fazer a revolução social, com a força das massa mobilizadas, embora
que, no fundo o programa apontasse apenas para a melhoria de vida dentro da
ordem capitalista, vitoriosas no processo eleitoral, converteram em hábitos os
métodos e os comportamentos militantes, tornando-os fundamentos estáticos, em
um mundo totalmente dinamizado por outras investidas.
Não deixa de ainda ter razão
Aristóteles, quando, na mesma obra supracitada, destaca que, “Os homens são
bons de um modo só, e maus de muitos modos”. Considerando que os bons estão
reunidos nas forças de esquerda ou progressistas, e desejam o melhor para o
povo, cultivando valores, a não violência, a defesa da legalidade, o respeito
ao processo eleitoral, seja qual for o resultado, a defesa do patrimônio
público, a cultura, da democracia etc.,e os maus os que pregam, ameaçam e
defendem o uso de medidas ilegais, estamos diante de algo real.
Nesse sentido, devemos compreender
que, “bom e mau”, já não são apenas virtudes, tornaram-se substantivos concretos,
compostos por forças em ação. É inegável que as disputas políticas mudaram as
características e ameaçam devastar os hábitos ingênuos, pacifistas e
burocráticos, trazendo como consequências, maiores sofrimentos para a maioria
da população.
As práticas criminosas entraram para
a política, não apenas como corrupção ou desvios dos recursos públicos, mas
como métodos de fortalecimento de setores compostos por marginais presentes em
diversos setores da sociedade, que descobriram a importância do Estado tido, pelo
poder de coerção e punição, como o maior inimigo, mas que pode tornar-se em um
aliado fundamental para alimentar a barbárie.
Diante do exposto devemos perceber que, as
disputas eleitorais tradicionalmente feitas, perderam a validade. Agora, não
ganha mais quem tiver a maior torcida, mas aqueles que tiverem capacidade de
sustentar a própria vitória. Por isso, chega ser assustador, ouvir do lado dos
desordeiros da ordem estabelecida, que “não respeitarão os resultados das urnas”
e, do outro lado, o total silêncio democrático, extraído do hábito da não
violência.
Além do respeito à tradição, pesa
sobre a visão pacifista de esquerda, o bondoso desejo de fazer justiça social
com os braços do Estado e, por isso, confia que a ordem será mantida pelo poder
judiciário e pelas forças armadas e policiais, prontas a se colocarem a favor
do povo. Embora, não consigamos demarcar o estágio em que estamos, deveremos
nos comportar como se estivéssemos num período pré-revolucionário e mandar os
velhos hábitos para os áreas, assumido posições de luta e de confronto contra
as forças vingativas. Caso contrário veremos a marcha regressiva judiaria dos
Estado Unidos da América, contaminar as Cortes locais e, com menos de uma dúzia
de hipócritas julgadores, apagarem das leis todos os direitos.
Se quisermos enfrentar o banditismo
político, devemos converter a força do hábito em hábito da força, não para
preservar a ordem, mas para superá-la e estabelecê-la de outra forma.
Ademar
Bogo