O psicanalista Sigmund Freud, em 1933, ao escrever sobre
“A questão de uma visão do mundo” procurou nos mostrar que cada visão tem seus
fundamentos; os que mais se destacam são aqueles vinculados às religiões e,
também em grande medida são inimigas da visão científica.
Historicamente, na convivência social, a religião cumpre
algumas funções que as demais áreas do conhecimento não cumpririam. Ela procura
sustentar a forma de conhecimento abstrato como a de confirmar a origem do
universo pela via criacionista; promete proteção divina, acalmando o medo dos
perigos da vida, como também ensina a suportar os sofrimentos, justificando-os
como sendo um merecimento, caso não sejam cumpridos os preceitos e a
orientações a seguir.
A competição entre religião e ciência para alguns setores
da sociedade, sempre foi intensa. Aparentemente, mal comparando, a religião
seria o meio de transporte e a ciência a oficina procurada apenas quando o
veículo já não se sustenta em movimento. Naturalmente, como um proprietário de
um meio de transporte recorre muito pouco à oficina, a influência para formar a
sua visão de mundo, vem de outras áreas que não a ciência.
A
concorrência entre os tipos de visões é bastante desvantajosa para a ciência e
muitíssimo vantajosa para as religiões, isto porque, o consciente e também o
inconsciente de cada pessoa são influenciados desde os primeiros meses de vida.
A educação religiosa é feita no ambiente família é continuada nas igrejas. O
contato do indivíduo com a ciência dar-se-á com restrições, no ensino fundamental
e médio e, com um pouco mais de vigor, sem muito senso critico, na universidade,
quando o indivíduo já está indo para o final da adolescência, considerando a
idade natural do processo educativo.
Na medida que passamos a observar o processo que forma as
visão de mundo, vamos considerar que ela influencia, em muito, todas as
relações que estabelecemos na vida, principalmente aquelas que se voltam para a
sustentação econômica, participação política, envolvimento com a arte etc.,
mas, em grande medida, as religiões e as ciências polarizam as disputas, senão diretamente,
mas na intimidade de cada juízo.
Dentre os argumentos convincentes que influenciam para
induzir à formação da hegemonia religiosa, está este que diz serem as “verdades
religiosas” eternas e as “verdades científicas” temporárias. Seja praticante ou
não, a pessoa comum, só conhece a “verdade religiosa” e dela não se separa
jamais. Mesmo na universidade, algumas verdades científicas, esbarram nas
crenças religiosas e sofrem rejeição. Desconstruir a visão religiosa ingênua é
quase impossível quando não há um processo de evolução de outra visão de mundo
em andamento.
Por outro lado, a força que pode fazer diferença e, sem
negar a religião como parte da consciência social, mas impondo-se para elevar o
nível de consciência do ser social em direção a ciência é a política. Esse
investimento poderia ser empreendido pela organização partidária no âmbito da
formação política de seus membros, como também por meio da participação em diferentes
formas associativas em busca do bem comum.
No entanto, vivemos um contraposto: as religiões
funcionam, mas os partidos não. Esse fenômeno não é gratuito e vem de um longo
processo de preparação e intervenção imperialista.
Sem prolongar as explicações, lembramos já em outros
estudos, que desde a década de 1980, as forças intervencionistas dos Estados
Unidos, com a desculpa de defenderem as democracias e os direitos humanos,
equipararam ao grau de inimizade, os governos de oposição, a lutas
revolucionárias, o narcotráfico e a teologia da libertação. De lá para cá, as
seitas religiosas pentecostais tornaram-se grandes empresas de comunicação e
passaram a participar efetivamente dos processos eleitorais, formando bancadas
de parlamentares e participando diretamente dos governos que ajudaram eleger. O
último intento a galga para chegar no topo, são os degrau do poder judiciário.
Por um lado, esse fenômeno que alastrou-se por todas as
periferias urbanas e assentamentos de trabalhadores rurais, passou a constituir
a base para que a “visão de mundo” religiosa, passasse a ser usada pelo núcleo
dominante negacionista da verdade científica, como mote para a revolta odiosa
sustentadora das reinvindicações das reformas que retiram os direitos sociais e
facilitam a entrega das riquezas naturais ao capital internacional. Por isso
não resta dúvida que o “negacionismo” mais do que a ideologia do ódio é um projeto
de poder.
Por outro lado, o mesmo fenômeno construído sobre o
consciente e o inconsciente de cada indivíduo, foi favorecido pelo recuo das
forças de esquerda e revolucionárias que deixaram um grande vazio na arte de
fazer disputas. Os acordos feitos nos países da América Latina para as
guerrilhas deporem as armas e o envolvimento cada vez mais apaixonado nas
disputas eleitorais, aproximou as forças de esquerda e de direita nas disputas
ordeiras cada vez mais engessadas pela legislação eleitoral e, identificou as
mesmas nas formas de fazer política apenas nos meios de comunicação. O
resultado, depois de algumas décadas, tirando a extrema-direita, os eleitores
se deparam com as mesmas “visões de mundo” voltadas para o mesmo objetivo que é
o desenvolvimento do capitalismo.
Do ponto de vista da análise filosófica, sempre tivemos,
no campo da politica os quatro setores: a) extrema esquerda, formada pelas
forças revolucionárias; b) esquerda reunida em torno da tática eleitoral; c) centro-direita,
ligada ao capital produtivo e c) extrema- direita formada por parcelas da
burguesia, pequena burguesia, setor da financeirização e de indivíduos de
posição nazifascista que, não por serem forças hegemônicas abrigavam-se nas
entranhas dos projetos das forças de direita.
Com a derrocada do bloco socialista, o desarmamento das
forças revolucionárias e a domesticação da esquerda, institucionalizando-a que,
não somente abandonou a sua visão de mundo e de combate, como também assumiu a
visão desenvolvimentista do capitalismo, é como se tivesse ficado em
funcionamento apenas o pólo da direita. Livre das ameaças, a extrema-direita
burguesa, aliada às seitas religiosas, forças armadas e parte da pequena
burguesia, apresenta-se para fazer a própria História, enfrentando, quando
preciso for, as próprias forças de direita.
O fim do pólo de “visão de mundo socialista”, pouco
importando se era correta ou não, trouxe para a humanidade este vazio, como se
o porta voz da utopia socialista tivesse se suicidado e, o seu lugar dele fora
ocupado, em parte, pelas seitas religiosas e, em outra parte, pelo
individualismo profissionalizante que busca nas tecnologias as respostas para
os dilemas do rebaixamento dos valores humanitários.
Não resta dúvida que é necessário e urgente reconstruir a
“visão de mundo socialista”. Sem ela não existe horizonte, mas apenas o ódio
imediato. Para que a extrema-direita seja derrotada é necessário que ressurjam
as forças revolucionárias e recoloquem a visão de mundo socialista na pauta do
dia. Caso contrário, o que teremos serão arranjos eleitorais que manterão em
evidência as visões religiosas e nazifascistas como forças legitimas de
disputas, comportando-se como canais de cooptação das massas que cultuam as
verdades eternas e o negacionismo das verdades científicas.
As iniciativas populares que lutam para manterem-se ou
busca formas de reorganização no campo e na cidade, desligadas da “visão de
mundo socialista”, não conseguirão combater a visão das seitas religiosas que
já se entranharam nessas bases e nem tampouco irradiar uma esperança de que o
capitalismo deverá ser superado. E, por usa vez, enquanto os “partidos de
esquerda” continuarem insistindo na tática puramente eleitoral, teremos cada
vez menos esquerda e sempre mais defensores da ordem capitalista.
Ademar
Bogo