Dois princípios importantes fundamentam
a tradição revolucionária, mas estiveram em decadência nas últimas décadas no
Brasil: a coerência e a popularidade.
É licito pensar que, por não sermos
perfeitos, em certas ocasiões podemos resvalar e até cometer desvios no
conteúdo dos princípios, deformando-os, com a intenção de torná-los ainda mais
fortes. Mas, trair-se, é pior do que equivocar-se. É verdade que as iniciativas
equivocadas chocam o indivíduo que se trai, mas provocam estragos ainda piores
nas multidões que estiveram a favor da promessa equivocada. Podemos recorrer ao
provérbio de que, “só erra quem faz”, mas, errar fatalmente, é como comer
sabendo que a comida pode estar envenenada.
Coerência com a história, para os
revolucionários, nada mais é do que assegurar com responsabilidade a
experiência histórica da classe e das lutas populares. Por que isto é
fundamental? Pelo simples fato que, ninguém consegue liderar processo algum de
transformação, sem conseguir colocar em movimento e a favor, a maioria da
população. Ou seja, não basta que as opiniões sejam favoráveis, é necessário
que as opiniões sejam ancoradas pelo movimento que realiza ações a favor das
mudanças.
A questão a ser respondida é como
ser coerente e manter a popularidade sem cair no desvio do populismo, que
obscurece o senso crítico e impede a formação da consciência de classe?
Temos como referência a velha ideia
do projeto político. De forma simples, (correndo o risco de transformar a
política em um mero formato estruturado), a obra revolucionária é semelhante a
qualquer edifício em construção. Na medida em que se tem o projeto, têm-se as atividades
a serem realizadas com prazos determinados.
Na medida em que se omite o projeto,
ou se tenta construir um processo novo entre as velhas paredes da construção
anterior, evidenciando que as tarefas e funções não são para a maioria, um
número muito pequeno de privilegiados, acha que foi escolhido para levar
adiante o imprevisível. Correm o risco de que, no êxito, criam ilusões de que
todos compreendem o que está sendo feito; no fracasso, são abandonados nas
ruas, nas cadeias e nas próprias manifestações, pelos mesmos espectadores que
antes aplaudiam o que entendiam como correto. Os avanços revertidos, então, transformam-se
em profundos retrocessos e a bajulação converte-se em frustração.
O que tudo isto tem a ver com o
impedimento da presidente Dilma? Tudo. Neste último governo, a incoerência sozinha
engoliu a popularidade e facilitou à pequena burguesia e seus descendentes, articulados
por outras forças internas e externas, a ocuparem as ruas e darem a base de
sustentação para um congresso de maioria delinquente, engendrarem com
provas invalidas, um golpe, que só tem valor jurídico, porque a
popularidade da presidente goza de baixa reputação.
É vergonhoso? É. Mas a critica não
pode ater-se à acusação dos golpistas que acertaram na tática! As forças atacadas
que erraram na estratégia, utilizando táticas equivocadas é que devem fazer a autocrítica.
Não para se penitenciar, elogiar ou xingar, mas para reagir e lutar.
Portanto, não foi a história que
chegou ao fim, mas o caminho que chegou ao precipício. Insistir em bandeiras
como: Fora Temer! Eleições gerais já! Reforma Política etc., sem colocar as
bases corretas da estratégia de superação do modo de produção, não iremos além
do que já experimentamos e seguiremos sendo governados por golpistas, bandidos
e ladrões.
É o projeto, mais do que os
indivíduos, que deve gozar de respeito e popularidade! Assim, se o projeto coerente
for interrompido, a sua popularidade ficará em alta e pode retornar ainda com
maior vigor. Quando o projeto sequer é lembrado, os indivíduos golpeados ficam sem
defesa. O resultado então é o fracasso e, os frágeis pedidos de volta, jamais
se convertem em revolta.
Já é hora de retomar o caminho da
coerência perdida, para fazer, com o projeto coerente e consciente, as bases da
popularidade, que exaltam a obra edificada, pela maioria organizada em forma de
coletividade. Ademar Bogo