domingo, 16 de junho de 2024

CRESCÊNCIA E DECRESCÊNCIA

 

            Nas diversas análises que circulam, as ideias dão conta de que a extrema-direita está crescendo como força política ao redor e no centro do mundo. Os confrontos em todas as frentes, popular, sindical, política e militar, demonstram que há de fato uma tendência ao crescimento, considerando a combinação do uso de táticas legais, violentas, ideológicas e morais, combinadas com a busca de controle de instituições, redes de comunicação escolas e igrejas com seitas partidarizadas.

            Por que o espanto? Se olharmos para trás e fixarmos as nossas atenções no que éramos e compararmos com o que somos, teremos as explicações do porque eles acresceram em volume e nós decrescemos em ofensivas. Pela experiência de vida, sabemos como funciona uma velha balança com dois os pratos. Quando o peso é retirado de um, o outro se eleva, deixando à vista o desequilíbrio. O que estamos vendo é o resultado de um processo, cujo peso das lutas, as formas de resistências defensivas e as iniciativas ofensivas, foram eliminadas da estratégia antes mantidas pelas forças organizadas e conscientes, do dever histórico de manterem a luta de classes. Há pelo menos três décadas, investindo prioritariamente nas disputas eleitorais, foi que as forças de esquerda trocaram as barricadas de concreto e as lutas de massas, pelos escudos de papel e a conciliação, como forma de garantir o funcionamento da ordem e o bom funcionamento do Estado.

            Há, sem dúvida nenhuma, um desiquilíbrio na balança da História. Quando os pesos, na confrontação entre o capital e o trabalho eram colocados frente a frente, as disputas resultavam em vitórias ou em derrotas, mas as massas, aguerridas, lutadoras e organizadas continuavam lá, ameaçando voltarem a medirem a própria capacidade. No percurso, quando as forças, populares, sindicais e partidárias mudaram a estratégia, como se tivessem trocado a balança dos dois pratos por uma digital, perderam a noção de equilíbrio e, ao invés de reivindicarem e pressionarem os inimigos históricos, passaram a prometer: crescimento econômico, empregos, assistência social e a moralização da administração pública, com o fortalecimento do Estado; obras e medidas assumidas pela burguesia, como tarefas, desde a Revolução Francesa de 1789.

            Inaugurou-se em algum momento desse percurso de quase três décadas, a política do “Toma lá e não dá cá”, porque, principalmente, os Movimentos Sociais organizados, sempre se empenharam em eleger os governantes e, mesmo não serem recompensados, mantiveram o compromisso de defendê-lo. Mas, se do ponto de vista ético é injusto, do ponto de vista político é ingênuo, isto porque, permanecer por 580 em luta pela libertação de um candidato que, quando chegou à presidência não distribuiu um palmo de terra para incentivar a luta das massas camponesas, é incompreensível para qualquer nível de consciência.

            Diante da conjugação infinitiva dos verbos: recuar, esperar, proteger, relevar, entender etc., as forças de esquerda, diante do êxito das vitórias eleitorais, partilhando os seus méritos com as forças politicamente enfraquecidas do capital produtivo, dando a elas a vice-presidência e ministérios valiosos, trocaram os escudos de aço, por frágeis armações de plástico, com películas de papel transparente.

            É importante destacar que, embora a tática eleitoral possa constar da relação das tarefas históricas, ela precisa da atribuição do peso correspondente à sua importância, pois, trata-se de uma tática dento da estratégia maior. Para além disso, é importante perceber que, os resultados das vitórias governamentais não mudaram a natureza do capitalismo e é por isso que um governo da extrema-direita, na atual correlação de forças, com um mandato de quatro anos, “passa a boiada”, sobre as florestas, por cinco mandatos preservadas. Assim ocorre com as privatizações e com as liberalizações de políticas anticulturais e antiética.

            Se as forças históricas dos trabalhadores extraviaram e esvaziaram as ofensivas contra o capital produtivo, que parece ter-se tornado aliado dos governantes de esquerda e de quem torce pelo crescimento econômico, sem distribuir a riqueza acumulada, é porque, também o inimigo mudou de vestimentas e apresenta-se agora como capital especulativo, aliado das ideias fantasiosas, teológicas e apocalípticas pela antecipação do fim do mundo, para as posições contrárias. Isso tudo não se trata de um fenômeno espontâneo, de ascensão ocasional, mas de uma ofensiva imperialista, capaz de converter as profissões de Fé em seitas partidárias. Na medida em que foram restringidas as ofensivas de esquerda, revolucionárias e religiosas críticas, abriu-se espaço para se estabelecerem os fundamentos nas consciências pouco resistentes e catapultá-las para o centro da política.

            Se percebemos o inevitável já criado, pois o nazifascismo é uma realidade no mundo, é necessário considerar que as barreiras construídas nas últimas décadas foram insuficientes para contê-lo e, no caso, o poder na institucionalidade, pode ruir em qualquer dia do calendário, oferecido para a realização da “festa da democracia”, quando tudo desaba com uma simples derrota eleitoral. O velho princípio de que “uma força se combate com outra força”, continua atual, o que falta é se dar conta de que uma força política precisa ser organizada pelas mãos humanas.

            Portanto, não basta identificar os sinais de que a extrema-direita está crescendo, é preciso desvendar porque ela cresce. Se é eleitoralmente, por trás de cada voto e de cada parlamentar eleito, há uma cabeça e um corpo ganhos e postos e movimento pelas ideias neonazistas. Por isso é que, o fenômeno do crescimento dessas forças retrogradas, não é só de simpatia mas de inserção em um projeto que identifica inimigos e doutrina as pessoas para combatê-los.

            Conscientes de que a luta de classes não acabou, apenas a organização de classe foi desfeita, resta decidir sobre quais será os meios a serem utilizados para enfrentarmos o que sempre foi o poder dominante: o capital e o Estado. No mais, crescer e decrescer são apenas vestígios de que algo está virando ou pode virar no seus contrário.

                                                                                   Ademar Bogo  

domingo, 9 de junho de 2024

A ECOSSUBSTÂNCIA E A ÉTICA DE SPINOZA


                Baruch Spinoza em seu livro “Ética”, defende que o universo, incluindo Deus é composto por uma única substância. “Uma substância absolutamente infinita é indivisível”.[1] Por sua vez essa substância também considerada como natureza apresenta-se de diferentes formas expressas em corpos e coisas e, cada uma dessas coisas, compostas por seus elementos específicos, recebe atributos que são os seus componentes físicos, instintos, inteligência e as expressões estéticas diferenciadas.

                O entendimento de que há uma unidade estreita entre tudo e no ecossistema a vida, imanente nos seres movimenta e reproduz os corpos finitos, está o entendimento ético da unidade das formas substanciais oriundas da mesma origem. Voltar a Spinoza (1632-1677), hoje, não é apenas uma visitação a um tipo de filosofia nascente do racionalismo, mas entender que a importância dada ao homem, enquanto um ser superior, tem a sua existência comprometida se as demais espécies não o fizerem acreditar que ele deve converter os interesses privados em princípios solidários capazes de orientarem e darem à civilização uma direção correta.

                Quando atualizamos os conceitos vemos que as ideias aproximam os tempos pela sequência dos atos e, apesar das inovações tecnológicas, permanecem totais unidades na substância infinita do universo, presente em suas formas coordenadas pela natureza finita, assim sendo a Res extensa (extensão de cada corpo), não é um acidente, mas um direito a existir e a ocupar um lugar no espaço.

Nesses tempos de decadência do capitalismo, as crises setoriais são expressões de um todo comprometido pela deterioração das sustentações econômicas, políticas, culturais, religiosas e ideológicas. Por outro lado, surgem as filosofias salvacionistas de que o homem pode concertar e colocar todas as espécies em acordo, sem retirar de funcionamento as suas invenções dominantes. A ética nos convida a compreender que a natureza é o destino da natureza e não o homem ou a tecnologia. O homem, conforme Thomas Hobbes é o “lobo do homem”. Deixar que a natureza se recomponha é também uma forma de reconhecer o poder recriador da substância.

Mas eis que surge a excitação de plantar árvores em enormes quantidades; essas iniciativas encaixam-se em duas categorias de análise: a primeira, diz respeito à tradição do reconhecimento culposo iniciado no pecado original cristão. Considerando que a diminuição do dano é a penitência, surge ela como o reconhecido castigo a receber por termos tocado demasiadamente nas florestas, por isso agora o trabalho de recompô-las. A segunda, está ligada a avareza mercantil, cujo interesse financeiro, promete recompensar com “créditos de carbono”, quem refizer ou preservar as florestas.

                Temos como certo que existe a expansão como uma lei tendencial do capital, e que, por isso, ele vai a todos os lugares propícios para a sua reprodução; nesse sentido, as catástrofes lhes são benéficas. A natureza tem força de se regenerar por si mesma, basta deixar em paz os territórios onde as formas corporais com seus atributos possam existir. A pressa de ver as árvores crescidas para mercantilizar os “créditos de carbono”, coordenados pelos Bancos, com o objetivo de “sequestrar carbono” pode se converter num grande mal. A tentativa  de retirar da atmosfera os gases inadequados produzindo mais gases,  significa, por um lado, o sequestro dos territórios dos países pobres, com partes transformadas em santuários intocáveis, simplesmente para que os ricos purguem as culpas, por terem poluído o planeta e, por outro lado, com esses contratos, impõem o domínio sobre a soberania como verdadeiros proprietários das florestas intactas, rodeadas de pobres que, pouco o quase nada contribuíram para  o atual estado de crise ambiental; enquanto os países ricos continuam com as suas matrizes produtivas poluidoras. Isso também ocorrerá com a implantação de sistemas de energia limpa, eólica e solar, pois nos lugares instaladas essas estruturas o domínio territorial é total.

                Sem uma postura crítica dos sujeitos sociais envolvidos nessas políticas rentistas, as soluções encontradas pelos estudiosos para despoluir o planeta, são, apesar da materialidade capitalista, metafísicas, ilusórias por estarem isoladas umas das outras, sem nunca se preocuparem com as mudanças estruturais, nem com os hábitos comportamentais no consumo de mercadorias, ou com o planejamento produtivo. Há estudos reveladores que o gás metano (CH4) produzido pelos animais ruminantes, é 21 vezes mais ofensivo do que o dióxido de carbono (CO2); mas continuam incentivando e subsidiando o agronegócio para produzir e exportar carne. Evidentemente as frotas de veículos motorizados são maiores que os rebanhos, por isso ambas são prejudiciais ao planeta. Mas vejamos, se o contraponto ecológico responde com esses dados comparativos. Um ruminante produz até 120kg de gás metano por ano, enquanto que uma árvore, retém, em média 22 Kg do mesmo gás, impedindo que ele vá para a atmosfera. Isto significa que antes de alguém pensar em criar uma cabeça de gado deveria verificar, se no ambiente próximo há, pelo menos, 6 árvores adultas preservadas, caso elas não existam, é preciso plantá-las.

                Quando se pensa na pecuária brasileira, adorada por todos os governantes, sem exceção, o processo em andamento é invertido, pois, primeiramente eliminam as florestas, com ajuda de incêndios, venenos desfolhantes, para que, no lugar germinem as pastagens. Portanto, os países ricos, além de poluírem o planeta com as suas indústrias, também responsabilizam os países pobres para produzirem a carne que eles consomem, contribuindo duplamente pelo agravamento da crise ambiental.

                A consciência ecológica não pode ser formada apenas voltada para as florestas, deve, principalmente, integrar a organização da luta de classes, isto porque, há duas forças imanentes a serem consideradas: a primeira é aquela vista por Spinoza demonstrando haver na natureza a energia motora viva que a faz permanecer os movimentos reprodutivo e, a segunda, indicada por Karl Marx, que, “O capitalista só possui um valor perante a história e o direito histórico à existência enquanto funciona personificando o capital”.[2] Ou seja, temos a força da vida e a força do capital. A primeira está na reprodução natural e na organização política dos pobres para garanti-la, a segunda está no capital corporificada nos capitalistas ricos. Esta contradição é irreconciliável. Uma das duas perderá para a outra vencer.  

                Nesse sentido, podemos encontrar diferenças nas relações entre as espécies diversas e o ser humano, em duas direções: a primeira é esta de que somente o homem pode encarnar o capital e ajuda-lo a ir aos pontos adequado para a sua reprodução e, a segunda, está na composição elementar das células. Quando comparamos os elementos químicos das células humanas, encontramos, grosso modo, cinco elementos: carbono, hidrogênio, nitrogênio, cálcio e fósforo; eles representam, segundo a visão de Spinoza, os atributos dessa substância finita. Por outro lado, os alimentos que contém ferro, potássio, cobre, zinco, selênio, fundamentais para manter esta espécie viva, nenhum deles estão no corpo humano, são atributos, contidos em diversos alimentos ou em apenas uma espécie que são as larvas. Ou seja, se ingerimos ovos, carnes, frutas e farinhas é porque o nosso organismo é pobre nessas imanências, as larvas são superiores ao capitalista, que apenas pensa ser superior porque encarna o capital.

                O entendimento de que há uma “ecossubstância” a ser encarada, nos chama para incluirmos a política nas causas ecológicas e, em primeiro lugar, estendermos o conflito direcionando-o contra as mediações destrutivas que estão representadas, pelo capital, o Estado, o mercado, a propriedade privada e as ideias ideologizadas. Em segundo lugar, investir na formação da consciência social em vista da transformação social e, em terceiro, enfrentar o desafio da educação do povo para a formação de uma nova cultura.

                Há de se retomar a luta para a superação do capitalismo e, dentro disso incluir todas as formas de lutas, ao mesmo tempo em que se intensifica a retomada do associativismo, promotor do ressurgimento de coletividades; desse modo, evoluiremos para a prática da moral revolucionária que emancipa as pessoas da ignorância, do medo do juízo final e do comodismo alienado.

                                                                                                              Ademar Bogo



[1] SPINOZA, Baruch. Ética. p. 7

[2] MARX, Karl, O capital: Crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 688.