O jurista italiano Francesco
Carneluti, escreveu na década de 1950 um livro que tem como título “As misérias
do processo penal”, no qual relacionou cinco elementos fundamentais
o Juiz, o Ministério Público, o advogado, a lei e o acusado.
Segundo esse autor, o que impacta
primeiramente, em uma Corte é o vestuário. E então pergunta, “Por que os
magistrados vestem toga?”. Ela causa um estranhamento porque não se parece com
uma roupa de trabalho. Poderia ser considerada como uma divisa, como aquela dos
militares, mas os juízes somente usam a toga em certos atos de serviço.
Portanto, na Corte de justiça se exercita a autoridade sobre aqueles que devem
obedecer àquelas decisões tomadas.
A simbologia da toga remete a pensar
que há sob ela um poder incontestável e, por essa razão, um absolutismo de uma
força que não julga apenas, mas apresenta resultados que, supostamente, a lei exige.
No entanto, todos sabemos que uma decisão nunca escapa à direção do apego e das
limitações humanas. Pesa sobre o juiz como a qualquer cidadão, o aspecto da
origem de classe, a posição de classe, a posição ideológica, a gama de
preconceitos sociais, as crenças e demais convenções. De tal forma que, a
“justa medida” nem sempre é sinônimo de “bem-julgar” e de isenção.
A partir de 1988, tivemos uma
inovação no controle das instituições, delegada ao poder judiciário, ou seja,
ele ficou responsável para vigiar o Executivo, o Legislativo e a própria
sociedade. Acima do poder judiciário estaria apenas a Constituição que assegura
o funcionamento da ordem. Nesse sentido, a Constituição assume a
responsabilidade para inibir que os juízes tomem decisões de acordo com os seus
interesses. Mas quem por último interpreta a Constituição? Os juízes. Logo,
ficamos na mesma.
Se o Direito funcionasse
mecanicamente, a aplicação das leis obedeceria os critérios técnicos. Ocorre
que as leis nem sempre explicitam aquilo que está escrito. Há interpretações em
cada olhar e, por isso, sobre duas linhas de um artigo, gastam-se horas
destilando argumentos. E, na medida em que se chega a uma conclusão, ainda
cabem recursos para reverter aquela e outras decisões tomadas.
O jurista russo, Eugeny Bronilsnovich
Pachukanis (1891-1937), tinha razão quando em seus estudos expressos no livro a Teoria geral do Direito e o marxismo, que
uma das premissas fundamentais da regulamentação jurídica é o antagonismo de
interesses privado, hoje, alimentados pelos próprios juízes.
Sendo que, para viver socialmente há a necessidade de respeitar algumas normas, identificou o
filósofo, que há duas formas muito bem situadas que são, a regulamentação
técnica e a regulamentação jurídica. Para melhor compreender, o autor deu um
exemplo: “A cura de um doente pressupõe uma série de regras, tanto para o
doente quanto para a equipe médica. Uma vez que tais regras são estabelecidas
visando ao restabelecimento do doente, possuem caráter técnico”. Nesse sentido,
a aplicação de tais regras pode estar vinculada ao exercício de uma coação
sobre o doente. Ele precisará cumprir à risca os horários da medicação; não se
alimentar de alguns tipos de alimentos etc., mas, é uma ação que, tendo origem
na ciência médica, é tecnicamente racional. Por isso, o Direito nada tem a
fazer.
No Brasil, nos últimos tempos, as
referencias foram invertidas e o acusado passou a ser visto também como “paciente”.
O poder judiciário faz com ele aquilo que o médico faz com o doente, julga-o
pelo diagnóstico elaborado segundo os pareceres técnicos.
Por sua vez os técnicos que elaboram
certos diagnósticos atuam sobre hipóteses. Hipóteses sempre foram vistas como
suposições e nunca como certezas. Elas podem comprovar algo ou colocar a perder
um longo tempo de estudos. Menos no poder judiciário. A hipótese, desde o início
é o conteúdo do julgamento e até que não se prove o contrário, o “paciente”
fica internado, nesse caso na cadeia.
Sem nos delongarmos, é importante
discutir, para além do que diz a Constituição, como fazer para julgar os
julgadores, ou como diagnosticar também os pacientes do poder judiciário para
um possível internamento.
Há uma proposta no Congresso
Nacional que visa regular a conduta das autoridades públicas, mas não escapa
de passar pelas mãos dos próprios julgadores que já julgam a todos, menos a si
próprios. Não deixa de ser um pequeno passo que estreita o caminho do totalitarismo
judiciário. Mas, a saída está sempre na organização social que é a principal
vítima dos abusos de autoridade.
Em tempos em que a crise do
capitalismo se torna cada vez mais profunda é evidente que os capitalistas
procurem fortalecer os aparelhos que lhes garante o estabelecimento da ordem
que permite a acumulação do capital circular livremente sobre os cadáveres caídos
no caminho da dominação.
As “misérias do poder judiciário”
representam nitidamente as misérias do povo e, a tendência ao totalitarismo nos
prova duas coisas: a primeira, que o capitalismo está em crise e o perigo
iminente é as massas empobrecidas insurgirem-se contra a ordem da classe
dominante e, a segunda prova, é de que a sociedade capitalista está dividida em
classes que se tornam cada vez mais antagônicas, por isso, o fortalecimento do Estado repressor, mesmo que seja com os recursos que deveriam ir para os benéficos sociais,
é a última saída.
Após vermos todos os pilares da
dominação corroídos é preciso que tenhamos esperança de que o dia da derrocada
está próximo. Os poderes que tropeçam em seus próprios passos, já não se
sustentam. Virá o tempo em que os pacientes sociais e os inadimplentes com o
mercado e com a justiça, levantar-se-ão para diagnosticarem a si mesmos e
receitarão os próprios medicamentos que curarão as injustiças e os abusos de poder.
Ademar
Bogo
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