Muito
ouvimos falar na década de 1980 do avanço das “igrejas pentecostais”. Elas se fundamentam em Pentecostes, a festa cristã que comemora a descida do Espírito Santo sobre
os apóstolos, 50 dias após a Páscoa, fazendo-os falar em voz alta, sem conhecerem, as línguas
existentes no mundo. A origem teológica pouco importa discutirmos qui, fundamental é perceber que esse “movimento”, nos últimos 60
anos, enquanto o sindicalismo, os movimentos revolucionários, os movimentos
populares e as comunidades eclesiais de base da Igreja católica, regrediram, o
“pentecostalismo” cresceu imensamente em diversas partes do mundo.
Esse movimento nasceu em Los Angeles, nos Estados
Unidos da América, em 1906, de onde foram enviados missionários para os diversos
continentes, principalmente da África e das Américas. No Brasil até a década de
1950 pouco se ouviu falar desse fenômeno representado, pela
Congregação Cristã (1910) e a Assembleia de Deus (1911). O movimento ganhou
fôlego em 1951 com a chegada da Igreja do Evangelho Quadrangular; Brasil Para
Cristo, em 1955 e Deus é Amor, em 1962. No entanto, o coroamento do movimento
religioso de cunho político imperialista, virá no final da década de 1970 com a organização da Igreja
Universal do Reino de Deus, que se tornou uma potência econômica com controle
expressivo de parte da mídia nacional.
A estratégia da evangelização dos
movimentos pentecostais e neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Mundial da Graça
e Internacional da Graça de Deus), centrou-se sobre a conquista das massas populares. Os
pentecostais com um discurso evangelizador de salvação da alma e, o os neopentecostais com a
pregação sobre a prosperidade ou o progresso econômico obtido pelas bençãos
divinas.
Esse movimento, além das atividades
religiosas, principalmente neste século, passou a interessar-se pela política
e, com o isso, o discurso em torno da família, da educação e da sexualidade passou a
formular a linha divisória entre o “bem e o mal” em todos os sentidos da vida
social. Para que isso fosse possível era necessário que se estruturasse o tripé da dominação: a política, a religião e os meios de comunicação.
Muita coisa ainda permanece no
imaginário analítico do resultado das eleições de 2014, quando o candidato Aécio
Neves quase ganhou a eleições de Dilma Rousseff. O resultado final, por diversos
dias era divulgado, não em números, mas pelas cores vermelha e azul sobre o
mapa do Brasil, provavelmente denunciando aonde se localizava o “mal” a ser
combatido. Somou-se a isso o crescimento da bancada evangélica no Congresso
Nacional que, em 2019 chegou a 84 Deputados, 7 Senadores e o presidente da
República.
Em 2018 ouvimos exaustivamente
o lema da campanha para presidente: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará´” (Jo
8,32), não ouvimos mais vezes porque o candidato eleito fugiu aos debates, mas ficou evidente o
discurso centrado sobre a especulação e a manipulação religiosa. Somou-se a ele o
enredo homofóbico, anticomunista, antifeminista e outros “antis” que embalaram a
ideologia de que o mal não venceria o bem.
Aparentemente o conjunto das ideias
expressas remetem a identificar como sendo um movimento fora do tempo presente.
É como se econômica e socialmente vivêssemos no século XXI, mas política e
religiosamente vivêssemos um ou dois séculos do passado. Isso porém não é
ilusão de ótica nem de ouvidos, é real. Os capitalistas percebendo que o
capitalismo já não tem como responder aos seus próprios limites, sabem por experiência que as crises provocam todos os tipos de contradições e, como isso, as ideias
progressistas e revolucionárias encontram terreno fértil para provocar
convulsões e revoluções sociais. Logo, era preciso investir na divisão da
nação; desestruturar e desmoralizar as instituições,políticas, principalmente
os partidos políticos; atacar o sistema de ensino por onde os estudantes, em
grande parte beneficiados por cotas e créditos estudantis, poderiam reagir contra o sistema imposto, optaram por
converter uma grande massa em um único movimento pentecostal. Esse movimento de militantes defenderia: a causa, as mentiras, as calúnias e as difamações plantadas por meio das mídias sociais. Nesse sentido, o lema da verdade virou
no seu contrário, estabelecendo-se assim: "E conheceis a mentira e a mentirá vos
dominará”.
Depois de eleito, dentre as medidas tomadas pelo novo governo,
pelo menos uma confirma este invólucro da ideologia religiosa no manto da política
que foi a lei beneficiando os sabatistas. Essa lei 13.796/2019 de 03 de Janeiro
deste ano, altera a Lei das Diretrizes e Bases da Edcucação Nacional, LDB, e
considera a escusa de consciência em caso de atividades escolares, provas,
concursos etc., para os adeptos das religiões que guardam o sábado como dia de
guarda religiosa.
Há, sobre este assunto, argumentos
sólidos a favor e contra. No entanto, não interessa a polêmica, mas as
circunstâncias em que foi a aprovada a Lei 13.796/2019, logo após ao
final do pleito eleitoral e, principalmente porque o Brasil foi declarado um
Estado laico desde o decreto 119-A de 07/01/1890, o qual estabeleceu a separação do
Estado e a religião. E, na Constituição de 1988 podemos recorrer aos “Direitos
e garantias Fundamentais”, no artigo 5º, inciso 6, o qual estabelece que “é
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”; no inciso 16 também, fica claro que “todos podem
reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente
de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convidada
para o mesmo local...”. No inciso 20, estabelece que “ninguém poderá ser
compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Assim podemos buscar em diferentes
artigos da Constituição as garantias de liberdade de manifestação do pensamento, crença, culto e associação,
por isso entendemos que a religião, como uma associação de indivíduos que
professam a mesma crença, está garantido nos Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão.
Mais que as garantias fundamentais,
os direitos sociais e políticos, destaca-se neste embate, o aspecto da ideologia
política formada pelo conteúdo religioso. A escusa de consciência que também se
vincula ao “livre arbítrio” tem, e ao mesmo tempo pouco tem a ver com a
“liberdade religiosa”. Quem nos diz isso é Sigmund Freud quando estudou o
sistema mental e percebeu que ele é composto da parte consciente (ideias,
pensamentos, entendimentos etc.) que manejamos instantaneamente; a parte
pré-consciente, são informações que ficam na memória e podem ser lembradas e, o
Inconsciente, onde guardamos os traumas, as neuroses e os recalques que
acessamos por meio dos sonhos e de análises direcionadas. Por isso é que, mesmo
decidindo conscientemente as influências do inconsciente são imprescindíveis. Elas afetam o consciente impondo a ele certas condutas quase sempre sem explicações reais.
Na medida em que conscientemente o
indivíduo toma uma decisão, por baixo dela há, inconscientemente diversas
influências que, em forma de recalques, insatisfações ou prazer, sustentam a decisão
tomada. Nesse caso há decisão mas nem sempre se sabe porque decidiu-se daquela
forma.
Somado a isso há a intencionalidade
ideológica que tem por finalidade obscurecer a finalidade da proposição manipuladora
das instituições é como se o inconsciente estivesse localizado em outro corpo e influenciasse a tomada de todas as decisões. Por isso, as afirmação: “O Estado é laico, mas nós somos cristãos”, induz a pensar que todos sejam cristãos, principalmente evangélicos ou sabatistas. Seguindo esta, sustenta-se
qualquer outra afirmação de cunho classista e utilitarista como: “o Estado
é capitalista, mas nós somos cristãos”. Ou seja, quem governa usa o Estado
a seu favor, daí some também a imparcialidade do judiciário e a
representatividade do legislativo, demonstrando que o poder não emana do povo,
mas dos interesses das forças dominantes.
A política com ideologia religiosa é
altamente perigosa para a formação da consciência crítica, porque traz para a esfera
das decisões políticas, complexos, recalques e preconceitos morais, dando
origem ao fundamentalismo religioso de cunho político. Em nome do poder
político usa-se a Fé como instrumento e, em nome da Fé, age-se politicamente
substantivando o bem e o mal.
Nos processos políticos tudo é
transitório, principalmente quando passamos de um momento político para outro, inclusive
as práticas intervencionistas do imperialismo. Enquanto muitos esperavam que
ele viria com bombas e granadas, ele veio a pregação religiosa e o título eleitoral
e, hegemonizou as opiniões, mesmo porque, ninguém é contra a formação de uma associação
religiosa nem ao processo eleitoral, afinal, faz parte da “democracia”. E
assim, Marx e Engels continuam tendo razão porque, já no tempo em que viveram, desvendaram o mistério da
ideologia quando disseram que, “as ideias dominantes de uma época, são as ideias
da classe dominante”.
Ademar Bogo
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