O
fogo desde a pré-história, quando as crenças atribuíam a sua criação a uma divindade.
Os gregos revelaram como as primeiras chamas chegaram até a terra com Prometeu.
Por ordem de Zeus ele foi amarrado em uma rocha em companhia de um pássaro
carnívoro, para comer-lhe diariamente o fígado pela travessura de ter se
apiedado dos homens, dando-lhes o fogo de presente.
Posteriormente
em Olímpia, cidade destruída na antiga Grécia, na qual se originaram os “Jogos olímpicos”,
uma tocha foi acesa para simbolizar o vigor da juventude. Os cristãos adequaram
uma simbologia para anunciar a vinda do salvador através da fogueira acesa na
casa dos pais de João Batista. No seu oposto, mais adiante as mesmas fogueiras,
na inquisição, serviram para queimar os hereges
O
general alemão Carl Von Clausewitz, no século XIX fez referência ao uso do fogo
na guerra. Em seu livro “Da guerra”, de fundamental importância para quem
deseja estudar os conceitos de tática e estratégia. Na elaboração não deixou de
incluir a importância do fogo para a civilização. “A invenção da pólvora e o
constante aperfeiçoamento das armas de fogo são por si sós suficientes para
mostrar que o progresso da civilização nada fez de prático para alterar ou para
desviar o impulso de destruir o inimigo, que é essencial à própria ideia de
guerra.”[1] Ou seja, os saberes
civilizatórios permaneceram no grau da brutalidade da destruição.
Em
outra passagem o mesmo livro revela que o fogo poderia ser considerado uma arma.
“As áreas cuidadosamente cultivadas são mais do que uma desvantagem para a
artilharia, e as montanhas são piores ainda. Ambas proporcionam, evidentemente,
uma proteção contra o seu fogo e não são, portanto, favoráveis a um exército
cujo principal efeito seja o fogo.”[2] Nessa descrição podemos considerar
a referência do “poder de fogo” da artilharia, mas também, perigo do próprio fogo
como força de ataque.
Seja
como for, é fácil de percebermos o perigo que representa o fogo indevidamente
usado. O seu poder de destruição, a depender do vento, é mais veloz que os seus
apagadores que, por segurança não podem atacá-lo de frente a frente. A técnica
dos aceiros, tão comum desde a antiguidade, continua sendo a principal tática
de combate em campo aberto. Eles como uma força de segurança preventiva, anula
completamente a tendência à sua evolução em terrenos cobertas com matéria seca.
Por
outro lado, o cuidado preventivo dos aceiros deveria ser, como qualquer outra
arma que, por precaução se coloca longe do alcance das crianças, simplesmente
porque elas não tem o discernimento nem conseguem avaliar a periculosidade da
mesma. Evidentemente quando foge ao controle e ocorre um incêndio ou um ato de
atentado contra a vida, são considerados acidentes e não crimes.
Embora
tendo a sua utilidade para os agricultores para fazer a limpeza dos terrenos ou
das pastagens, ele deve também ser considerado como uma arma de ataque contra a
natureza. Nesse caso, um adulto que ateia fogo em período de estiagem, sabendo
que as chamas podem alastrarem-se e tornarem-se incontroláveis; esse ato não
pode ser considerado acidente, mas um crime contra a biodiversidade das
espécies, humana, vegetal e animal.
O
Brasil é um país de grandes extensões de florestas, inimigas dos grandes
criadores de gado. Os territórios demarcados legalmente, impõem limites para devastação.
Mas a lei tendencial da expansão do capital é igual em todas as situações; não
importa se é na produção de um veículo de transporte, numa máquina ou num boi.
Importa é materialidade da valorização do valor. Sendo assim, as matas
tornaram-se alvos fáceis dos matadores.
O
“Dia do fogo” criado em agosto de 2019, como protesto às leis ambientais,
revela que as queimadas nada têm de ingenuidade, nem tampouco podem ser
considerados acidentes os milhares de focos de incêndio espalhados pelo país. Com
as proporções que essas ações tomaram, precisamos considerar que estamos enfrentando
diferentes guerras cada uma com as suas devidas caracterizações: a primeira
delas é de caráter militar, justamente porque o fogo nessas proporções, ser utilizado
como uma arma de combate. Portanto, se as forças militares não tinham até o
momento identificado um inimigo invasor e devastador do território nacional, já
existe um e está solto pelos campos. Apagar os incêndios é uma tarefa de defesa
do território e da soberania nacional.
Por
outro lado há outro tipo de guerra de natureza “ecocivil”. Devemos pensar que
existem leis reguladoras e de defesa do meio ambiente. Elas proíbem e preveem punições
dos criminosos. Mas, se a leis não estão sendo respeitadas por uma facção
social, há uma clara desobediência civil instalada contra, o que os juristas citam
quando lhes é conveniente, é o “Estado de direito”. A ordem a ser respeitada
não é apenas quando um grupo se lança contra as instituições políticas e jurídicas;
os ecossistemas representam muito mais que instituições públicas ou privadas.
A
ignorância tem sido posta como uma desculpa para amenizar os atos de barbárie. Mas,
ignorar nunca sinônimo de violência, isto porque, devemos entende-la como
desconhecimento. No entanto, quando o marido assassina a esposa não é por ignorância;
quando o agronegócio usa os agrotóxicos e os governantes autorizam a usá-los,
também não é. Da mesma forma que disparar uma arma contra alguém é violência, riscar
um fósforo e segurá-lo aceso até ele queimar as primeiras folhas secas para daí
dar início a um incêndio, é ainda mais violento, pois, além de ser consciente, o
ato não ataca apenas uma pessoa mas milhares de espécies de vida.
Se
estamos em guerra é preciso que as forças armadas assumam o seu papel e enfrentem o fogo; as forças
polícias prendam e punam os criminosos e, as autoridades governamentais
desarmem os culpados confiscando suas terras. À sociedade civil cabe mobilizar-se
contra a cultura do boi promovida por seus adoradores e recriadores dos mitos
de que o “agro é tudo”.
As
forças políticas que, escondidas atrás das fumaças das queimadas, gastam mais
tempo em conquistar votos do que cuidar das pessoas que irão votar, cabe à
responsabilização pela omissão de não atuarem preventivamente contra os
verdadeiros invasores das terras públicas e dos povos nativos com o uso indiscriminado
do fogo.
A
civilização imbuída do uso da violência, há tempos vem mostrando sinais de
decadência, porém, ao chegar ao alto grau de desrespeito de pôr a terra toda em chamas, levar à inalação
insuportável de fumaça e, obrigar as espécies todas, banharem-se e beberem água da chuva tingida de fuligem, passou de todos os limites. Precisamos reagir.
Ademar
Bogo
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