domingo, 1 de setembro de 2024

HISTÓRIA E PRINCÍPIOS


            Na tradição da Filosofia do Materialismo Histórico, encontramos sempre a preocupação com a definição do sujeito da revolução, considerando os trabalhadores, as classes, as forças, as massas e, em último grau a parte maioritária da sociedade que precisa estar de acordo A participar de tudo. Isto nos diz que, não podemos pensar em transformações sem que haja um movimento de pessoas associadas, agindo com os mesmos princípios na mesma direção política.

            Karl Marx em 1847, ao escrever, “A miséria da filosofia” destacou que: “Cada princípio teve seu século para se manifestar: o princípio de autoridade, por exemplo, teve o século XI, assim como o princípio do individualismo teve o século XVIII.”[1] Para ele ainda, quando, obedecendo e sofrendo as consequências, era o século que pertencia ao princípio e não o princípio que pertencia o século. Qual é a diferença, no primeiro aspecto, era o princípio pronto e elaborado que fazia a história e, no segundo, a história ao ser feita fazia o princípio. Mas uma dúvida permanecia: por que tal princípio se manifestou naquele século? Para saber esta resposta, segundo Marx, era preciso examinar minuciosamente como eram os homens daquele século; quais eram as suas necessidades, suas forças produtivas, seu modo de produção; que matérias primas utilizavam; enfim, quais relações sociais e, também políticas articulavam essas pessoas. E, sua conclusão foi que, ao apresentar os homens como atores e autores de sua própria história, chegaremos ao verdadeiro ponto de partida, pois, assim abandonaremos os princípios eternos.

            Nunca é demais resgatarmos para sintonizarmos os sentidos, a definição gramatical de quem é o sujeito? “Sujeito é o elemento que pratica ou sofre a ação expressa pelo verbo de uma oração” e, o objeto, participa como “complemento na ação verbal.” Dito isto, voltamos para aos princípios e a história, considerando o tempo do capitalismo do nosso tempo.

            Há um fundamento filosófico no liberalismo que considera como princípio, o individualismo. Atraído pela liberdade a qual lhe é garantida pelas leis do Estado, o seu poder individual é visto como ilimitado, basta que, por direito arranje as mediações e, sua expressão pessoal se eleva acima da coletividade. É evidente que o individualismo nascido no século XVIII, foi renascido com novas características, no final do século XX, em cenários globalizados, dominados pelas corporações, o mercado e as big Tehs, ou empresas de tecnologia da informação.

            Nesse emaranhado evoluído de relações, encontramos o individuo com sua individualidade, ele, portanto, faz ações, como também sofre as consequências. Mas não somente ele, todos os “eles” estando envolvidos no mesmo processo, vivendo as mesmas influências, formam uma coletividade dispersa, marcada pelas mesmas reações, a favor e contra de si mesmo. Se prolongarmos um pouco o raciocínio e estendermos o alcance das coletividades alienadas do próprio comportamento e, considerarmos como sujeito uma nação, veremos que, os princípios neoliberais, coordenam, grosso modo, a história dos dois tipos de sujeitos: os proprietários das corporações imperialistas que pensam e impõem as diretrizes das ações a serem repetidas por terceiros, na economia, na política, na cultura, na religião etc., e, por outro lado, as imensas multidões, compostas por sujeitos sujeitados que “sofrem” e assimilam os princípios já elaborados.

            Ao levarmos esse entendimento para dentro da política, facilmente vamos encontrar as respostas às perguntas, do porquê as forças não se movimentam mais na direção da revolução? Ou mais especificamente, onde estão os sujeitos da revolução do século XXI? Tudo se explica se percebermos que, com tais princípios, os olhares foram invertidos e, o mundo passou a funcionar como se os indivíduos tivessem sido colocados de cabeça para baixo. Andam mas com os pés para cima.

            A realidade universal, particular e singular, nas visões invertidas, perdeu as contradições e assumiu o movimento da linearidade. Marcado pela ideologia das oportunidades, tudo depende do empenho de cada um. Na política, a gravidade dessa inversão é ainda maior. Visto de cabeça para baixo, o estado tornou-se um aliado das transformações sociais e, o capitalismo ficou ruim porque os trabalhadores e as forças de esquerda eram impedidas de governar. Como sujeitos de uma história com princípios elaborados fora dela, as coletividades, organizações de classe, lutas reivindicatórias e a participação nas ações, foram revertidas para as ações cívicas: votar; respeitar os feriados; realizar atos festivos nas datas comemorativas; doar coisas, alimentos ou fazer Pix do sofá da sala, para os atingidos das catástrofes ambientais, tornaram-se sinônimo de socialização. No mais, os governantes como sujeitos sujeitados que, em nome da democracia e dos trabalhadores assumiram os governos, acomodam-se aos consensos criados pelos sujeitadores, que transformam o próprio político em objeto de uso, tornando-o coparticipante da ação: para o agronegócio, queimar e devastar; para os bancos, lucrar; para o imperialismo colaborar para que o capital se aposse das riquezas restantes de todo o continente.

            Para fazer a história é preciso que os sujeitos não sujeitados se coloquem de cabeça para cima e elaborem os próprios princípios com o conteúdo do século em que vivem, com isso a própria história feita com lutas e confrontos, transforma a evidência do indivíduo, como a pedra que, colocada no muro, não desaparece, mas se fortalece se cooperar com as demais pedras.

                                                                                               Ademar Bogo

                                                                                                         



[1] MARX, Karl, A miséria da Filosofia. São Paulo: Global, 1985, p. 110.

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