Há séculos que o Brasil
vem se afirmando como um país de etnocidas. Sempre pesou na convivência social
a sobreposição de uma classe sobre a outra que, também combina a sobreposição
de uma etnia sobre as outras. Definitivamente o racismo no Brasil é praticado com
todas as formas de violência e não apenas disseminado como um sentimento de
superioridade de brancos ricos contra índios, negros e pobres.
Sendo o racismo praticado, a violência é dirigida contra
humanos tratados como coisas. Quando na verdade, pessoa é pessoa e deve ser
respeitada em detrimento de qualquer adjetivo de cor ou etnia. Mas, matar,
ferir, machucar, excluir, rejeitar, impedir, afastar e maltratar, são verbos
conjugados com ações no cenário social, composto por lugares sofisticados, como
Bancos, shoppings, grandes mercados, nas ruas e nas favelas.
O filósofo Karl Marx já havia alertado em seu tempo que,
o dinheiro é no mundo das mercadorias o mesmo que é para o mundo dos homens: a
besta que tem sob seu poder o desígnio de todas as mercadorias e, por extensão,
o desígnio de todos os homens. E, é por essa razão que a “besta” favorece mais
àqueles que a alimentam com os seus negócios do que a parte da sociedade
coisificada nas relações cotidianas.
Se o dinheiro na sociedade capitalista se reproduz por
intermédio das coisas, cabe aos indivíduos levá-lo a todos os lugares para que o
movimento das coisas promova a sua reprodução. A princípio nada poderia
justificar a discriminação das pessoas pela cor da pele, tendo em vista que a
força de trabalho coisificada é atraída pelo dinheiro para ajudá-lo na
reprodução. O problema é que, no mundo das mercadorias, diferencia-se a “função”
do “lugar” que a coisa ocupa.
Função
e lugar são duas categorias que justificam, para os racistas, o racismo. É
evidente que no capitalismo o dinheiro quer ir a todos os lugares, no entanto, é
nesse sentido que o mundo dos homens se divide em dois: o que têm bons e o que
tem maus lugares. Com isso também, o dinheiro em cada um dos mundos estabelece
os “desígnios” de quem deve ocupar as determinadas funções.
O
capitalismo no Brasil, esse “paraíso abaixo da linha do equador”, diferente do
paraíso bíblico que possuía uma árvore sagrada e intocável no centro, aqui,
desde o início tudo foi permitido. Nem as árvores e nem os lugares são
sagrados, por isso os homens brancos de negócios podiam e podem apropriarem-se das
coisas, devastarem a natureza, escravizarem, discriminarem e matarem as pessoas que as
leis desse mundo asseguram esses desígnios.
E
eis então que o país ingressou na civilização capitalista demarcando os lugares
e as funções dos homens, das mulheres, das etnias, das coisas e da natureza. Na
medida em que os bons lugares foram associados ao dinheiro, os brancos foram
designados pelos seus próprios critérios a ocupá-los; os pobres foram
misturados com as coisas no mundo das coisas e passaram ser aproveitados ou
descartados.
O
racismo no Brasil sustenta-se pelo auto desígnio dos ricos de que os pobres
somente podem ser úteis se forem coisificados. Como coisas são levados a ocupar
os lugares nos quais se reproduz o capital. Interessa então a força de trabalho
do preto e da preta, nas casas, nos shoppings, na limpeza das ruas, nos
serviços mal remunerados etc., mas não interessa ver homens e mulheres de cor
preta, nos consultórios, nos escritórios, nas gerências empresarias, na aviação
civil, no, Bancos, cartórios etc.
Além
de ser lugar e função o racismo também é um acordo pelo qual todos os brancos
bem situados e relacionados com o dinheiro devem vigiar para impedir que os
pretos ultrapassem a linha divisória que separa o mundo dos homens e o mundo
das coisas. Podem ficar nos redutos das favelas, como “lugar de preto”, mas não
podem frequentar os lugares com assentos marcados dispostos para uma
quantidade reduzida de indivíduos com cargos bem remunerados.
O
racismo assegurado por todas as violências é mais do que a demonstração da
supremacia racial, é a linha divisória que demarca a divisa entre o mundo dos
homens e o mundo das coisas, no qual, os pretos e pobres são tratados como
coisas. Tanto é verdade que, quando ocorre uma violência desmesurada no salão
iluminado do Carrefour, os próprios proprietários aparecem para pedir “justiça
e, como se fosse um objeto vendido com defeito, oferecem à família uma
indenização pela vida matada; enquanto os praticantes do ato, muitas vezes
pretos, ensinados a serem racistas, são julgados, condenados e levados a
cumprir pena.
Da
mesma forma, outros defensores da “justiça” em geral, nessa sociedade de
política eleitoreira, prontificam-se a lutar para punirem os culpados, quando
os culpados não são os agentes que matam friamente, mas a estrutura que
assegura as funções e os lugares para a minoria branca contratar seguranças e
treiná-los para matar. Enquanto houver capitalismo haverá racismo,
principalmente porque, no Brasil, ele nasceu junto com a formação das classes
sociais.
Punir
indivíduos, desequilibrados, do serviço público ou terceirizados, que excedem o
uso da força e por isso matam, não arranca de dentro da classe dominante o
orgulho de possuírem a supremacia de classe e cor. Arranca-se o orgulho racista
da classe dominante e de seus aliados de dentro de suas consciências,
arrancando-lhes o poder que lhes permite definir os lugares e as funções que as
pessoas podem ocupar.
O
racismo está nas ações e nos dizeres. O antirracismo começa pela continuação
dos enunciados racista, para fazer com que “o feitiço vire contra o feiticeiro”: “A
coisa está preta, para quem maltrata pretos”. Nesse sentido. a transformação social brasileira
poderá ser alcançada se a revolução brasileira tiver a "cara preta"
É
tempo de recompor a classe para que as consciências se identifiquem e se pintem
da mesma cor, para que pretos e brancos que se igualam façamos surgir uma nação com funções e lugares estabelecidos pela solidariedade e o respeito. Se dinheiro e o
capital perderem a supremacia sobre a dignidade humana, o racismo será extinto
juntamente com a classe branca dominante.
Ademar
Bogo
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