Para os gregos, o desvelamento era o
aparecimento da verdade (Alethéia).
Era o momento em que se descobria aquilo que estava oculto ou obscurecido no
tempo presente. Era como se um foco de luz batesse sobre o objeto procurado no
escuro. Posteriormente, muitos foram os filósofos que trataram do tema da verdade
em vista de contribuírem com os esclarecimentos daquilo que era visto como mito
ou deficiência compreensiva das pessoas comuns.
Adorno e Horkheimer escreveram a “Dialética
do esclarecimento” para mostrar que o progresso do conhecimento humano sempre
objetivou livrar a humanidade do medo por meio do esclarecimento. Para tanto, defenderam que a humanidade sempre que precisou esclarecer teve que
atacar e dissolver os mitos. Afirmaram categoricamente esses dois autores que,
“a superioridade do homem está no saber” e, “a técnica é a essência desse
saber”, por meio dela pode-se conhecer a natureza, incluindo os oceanos e o
infinito do espaço, bem como os próprios homens.
Um enunciado afirmativo parece
perdido em meio à elaboração dos longos parágrafos escritos por Adorno e
Horkheimer, quando dizem que: “Só o pensamento que se faz violência a si mesmo
é suficientemente duro para destruir os mitos”. Podemos simplificar ainda mais
e dizer que, somente a dureza da verdade pode destruir a “conversa mole” que
nos é apresentada como justificativa, para aquilo que ainda virá a ser
esclarecido.
O esclarecimento por ser portador do
conhecimento verdadeiro, atua sobre as coisas e os mitos, diferentemente de
como age o ditador contra os homens quando quer manipulá-los mas se iguala
quando quer exterminá-los. “O homem de ciência conhece as coisas na medida em
que pode fazê-las”. Quando compreendemos a verdade, desvelamos e eliminamos as
dúvidas, portanto, a mentira não tem mais sustentação porque, ao ser
esclarecida tende a fortalecer a verdade que seguirá esclarecendo e
aperfeiçoando a si mesma.
Aplicando esse raciocínio à História
recente do Brasil, facilmente desvelamos os interesses daqueles que, agarrados
em mitos, como o da corrupção, comportaram-se, como faziam os antigos gregos
que, quando queriam afirmar alguma coisa obscura, criavam um deus que não
passava de ser a imagem e semelhança do que eram os próprios criadores. Aos
poucos vemos que, os caçadores de corruptos são ainda mais corruptos e
desonestos que os acusados de serem.
Para que a mentira se afirmasse em
meio às disputas interesseiras, era preciso punir e desmoralizar alguém.
Posteriormente, mesmo que se prove a inocência e a idoneidade de indivíduos e entidades,
nada será como antes, mas se os objetivos particulares foram alcançados, para
eles está tudo bem. Os capitalistas sabem que as táticas nestes tempos de
crises, são como as corridas de tiro curto, começam e já acabam.
O processo político brasileiro culminou
com um golpe institucional, levando à cassação da presidente da República.
Assaltado o poder governamental, preparou-se a transição por meio do voto, para
que as eleições presidenciais de 2018 trouxessem de volta os militares e a
extrema direita ao poder. Mas a intenção real não era apenas esta. Para o
capital especulativo era necessário que se instalasse um governo que, além de
entregar o restante do petróleo nacional, abrisse o caminho para reiniciar de
maneira destrutiva a corrida do ouro.
A crise mundial do capitalismo
trouxe para os capitalistas, principalmente para aqueles que vivem do capital
especulativo, a preocupação com os Estados devedores não conseguirem garantir
os compromissos do pagamentos dos juros. Para diminuir os riscos das perdas,
optaram para que parte desses “créditos” fossem aplicados em algo mais
consistente. Esse “algo” consistente não pode ser o processo produtivo, porque,
com a perspectiva das economias crescerem em média 2% nos próximos anos, seria
desvantajoso e, além disso, não há mais espaço para a evolução do consumo com a
atual concentração de renda.
Diante dos riscos eminentes, os
capitalistas da especulação tomaram duas medidas: a) obrigar os Estados a
gastarem menos, para garantirem o pagamento das dívidas, por isso o apego às
reformas dentre elas as que eliminam os diretos sociais; b) entregar o que
sobra das riquezas naturais, dentre elas o ouro, cujas reservas principais
estão situadas nos territórios indígenas da Amazônia.
Com um governo minimamente humanitário
não seria possível empreender essas duas medidas, isto porque, a primeira fere
os direitos dos trabalhadores, idosos, estudantes, mulheres etc.; a segunda,
porque a nova corrida do ouro na Amazônia precisa ser feita com extrema
crueldade e violência contra a natureza e os índios que com ela convivem.
A repetição pelo governo atual do que
foram as “Entradas e bandeiras” organizadas por volta de 1670, sob o comando de
Domingos Jorge Velho é o que a civilização testemunhará com lágrimas nos olhos.
O “bandeirante sanguinário” encarregado de caçar índios e negros, destruir os seus
redutos de resistência e explorar o ouro nas várias regiões do Brasil, com seu
facão e espingardas primitivas, ficará tão reduzido perante o potencial bélico,
as máquinas modernas e o apoio militar, político e jurídico que ganharão as
novas “bandeiras”.
Portanto, a previsão do grau de
violência que será praticada contra os povos indígenas, agora no século XXI,
será ainda mais perversa daquela praticada no passado. Na atualidade, além de
não ter mais para onde fugir, o uso do fogo tornou-se uma arma letal, pois, ao
destruírem a biodiversidade destruirão também o habitat das populações
milenares que, serão obrigadas a cederem os seus territórios para a devastação total.
Ataque semelhante, também contra os povos indígenas, foi realizado no século
XIX nos Estados Unidos da América, quando milhões de índios foram exterminados
por meio de epidemias provocadas e tiros de armas de fogo. Os motivos foram os
mesmos que agora aqui estão sendo revelados: terras férteis e as minas de ouro
existentes no subsolo dos territórios indígenas. Sem as florestas, destruídas pelo
fogo, os índios brasileiros terão apenas parte da sociedade branca para
defendê-los se esta desencantar-se dos mitos.
Por outro lado, a humanidade toda, com a
crise do capitalismo, está sobre a linha divisória, a um passo do socialismo e
a um palmo da barbárie. O medo do socialismo expresso nos discursos dos
dominantes mostra que ele é a alternativa possível forjada entre as próprias
contradições e fraquezas do capitalismo. Mas, pela desconstrução partidária e
das formas organizativas, a sociedade perde cada vez mais a sua integração com a
perspectiva revolucionária, a ética e os valores. Diante do enfraquecimento da
ordem capitalista, a tendência de entrarmos em um estado profundo de barbárie
não está descartado.
Se
tivermos como vencedora a alternativa socialista, o comando será estruturado
pelas forças conscientes que saberão desarmar o progresso capitalista pela
distribuição da riqueza já produzida. Se a segunda alternativa for vencedora,
comandará o processo destrutivo, as milícias privadas que cobrarão impostos
para garantirem a ordem da barbárie.
Consideramos, portanto, que esses são os
dois projetos ora em vigor: o socialismo e a barbárie. O capitalismo senil não
tem mais forças para o reequilíbrio social, por isso ele mesmo beneficia-se
temporariamente do estado de barbárie, delegando a grupos representantes da mesma,
para que assumam a estrutura de poder do Estado também decadente. Disputar os
governos por meio das eleições, mantendo o atual modelo de concentração de
riqueza, não impedirá que o estado de barbárie se aprofunde.
A luta pela defesa dos índios e do
socialismo, nunca foi tão importante como está sendo nesta fase terminal de
destrutividade geral. Se no passado os índios tinham as florestas como abrigo e
proteção, os operários e assalariados tinham no crescimento temporário das economias,
a possibilidade de arranjarem emprego. Agora, o mesmo fogo que destrói as
flores abrindo o caminho para a chegada dos garimpeiros, o gado e os soldados
das forças armadas, é o fogo das crises permanentes da destruição dos empregos,
da queima dos direitos sociais e, provavelmente também dos direitos políticos,
a matança humana em campo aberto pelas milícias e policiais vingativos e amedrontados.
Eles já agem como “se não houvesse o
amanhã”, nós que temos saudades do futuro, temos que sobreviver, lutar e seguir
em frente.
Ademar
Bogo
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