O filósofo Nietzsche quando escreveu o
livro “A genealogia da moral”, quis demonstrar que há épocas em que se torna
necessário inverter todos os valores para enfrentar a vontade do poder. São a
vontade do poder e a moral dominante que dão vida ao super-homem: amoral,
tirano, egoísta, perverso que, somente ele e seus adoradores pensam ter o
direito a viver.
Julgando-se o poderoso estar acima dos
demais seres e da natureza, olha para o homem comum com a mesma indiferença que
o homem comum olha para o macaco. Essa escala hierárquica leva sempre ao
exagero da prepotência que podemos considerá-la como sendo o fator determinante
para que os fracos se inspirem e busquem as mudanças na ordem moral do poder
dominante.
A rebelião “imoral” dos escravos começa
quando o ódio produz valores e motiva a reação contra aquilo que é tido como
certo pela classe dominante. Isso porque, a moral dominante nasce de uma
triunfante afirmação de si mesma. E, tudo o que o dominado faz, fere os interesses
dominantes, por isso, mesmo estando certo é visto como imoral. A “imoralidade” dos dominados nasce da
oposição à moral dominante. Os explorados ao afirmarem por meio do “não”
transformam esse gesto em um ato criador da própria moral. Isto significa que a
moral dos explorados sempre necessitou do seu oposto para entrar em ação, logo,
a moral dos explorados, vista como imoral pelos dominadores, é produto da
reação provocada por uma ação anterior.
Essa relação funciona como a
clandestinidade e a ilegalidade. O indivíduo não diz de si e nem quer ser
excluído da sociedade. É o poder dominante que declara por meio da legalidade
quem deve passar para a ilegalidade.
A reação dos explorados não ocorre de
imediato. Ela surgirá após o crescimento espontâneo da moral dos dominantes que
avança sem se preocupar com o seu oposto, pois, a si mesmos se bastam,
principalmente porque se consideram bons, famosos e felizes. Estão tão cientes
da superioridade que, quando erram fingem desconhecer os próprios atos e
desdenham da população como se esta nada representasse. É o desdém que vai
transformando a caricatura aristocrata num monstro insuportável.
Os juízos de valor moral da classe
dominante e seus aliados, em nossos dias, são forjados nos interesses
particulares e na inversão da força dos direitos privados sobre os direitos
públicos. Pela reforma dos direitos públicos os dominadores reformam o Estado
produzindo leis que afirmem o ordenamento da administração pública. A lei se
coloca acima do Estado e sustenta os algozes da sociedade que passam a governar,
em nome da moralidade, com os limites que eles mesmos impõem. Feito isto, eles
reformam também a legislação que regulamenta as atividades privadas. Assim, a
lei se coloca acima dos cidadãos comuns e abaixo dos administradores que a
utilizam como um chicote para açoitarem aqueles que desobedecem.
No entanto, como se houvesse um círculo
intermediário de homens que ao nascerem foram imunizados contra os açoites do
Estado, toda a legislação age para beneficiá-los. São esses aproveitadores que
querem liberdade de aquisição, por isso precisam de leis que lhes entregue as
florestas, os minérios, o sistema de ensino e de saúde etc. É dessa forma que
os homens de negócio ganham importância mais do que os homens comuns e, juntos
com os governantes criam a própria moral, com os valores apropriados para cada
situação.
Se é a moral dominante quem cria a
imoralidade, significa que a ela é dado o poder de julgar e condenar os gestos com
os quais discorda. Inverte o princípio grego e coloca o útil acima do belo;
dessa forma faze nascer a censura, o controle da liberdade de expressão e o
desrespeito para com a verdade. Mentir, para a classe dominante, passa a ser um
ato de utilidade pública. A desinformação torna-se uma tática de autodefesa.
Por todos os ângulos que se olhe, o
totalitarismo é mau. A sua perversidade não está apenas nos atos de violência praticados
contra todas as formas de vida, mas, também no apego e favorecimento aos seus
adeptos, em detrimento da grande maioria que passa despercebida pelas forças
dominantes.
Somente a “imoralidade” dos fracos pode
criar a verdadeira moral, isto porque, esta que é imposta pelas ações
dominantes é a falsa moral. A reação é sempre uma resposta a ação que ofende os
direitos sociais. Contra a moralidade dos ricos reage-se com a “imoralidade”
dos pobres, para fazer com que, a imoralidade dos ricos deixe de ofender a
moralidade dos pobres.
Ademar
Bogo
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