Nestes tempos de motivações confusas, as ideias circulam sobre a realidade universal, de tal modo que, podem elas estarem corretas em suas definições ou representarem exatamente o seu contrário, dando a conhecer apenas falsas impressões e erros. O alerta pode nos vir da filosofia popular, quando define as visões sobre as carências que: “Em casa onde falta o pão, todos gritam e ninguém tem razão.
A filosofa Hannah Arendt, ao discorrer
sobre “O que é a política?”[1], destacou que a filosofia
tem pelo menos duas razões para não se limitar em explicar, para não incorrer
em erros, de onde surge a política. A primeira, diz ela, é não concordar que no
homem há algo político que pertence a sua essência, isto porque, “o homem é
apolítico”. Portanto, não nascemos políticos, nos tornamos políticos. Não nenhuma
substância política original, isto porque ela nasce a partir da construção das
relações sociais. A segunda razão, diz respeito ao equívoco de pensar que as
crenças são monoteístas e que as concepções religiosas defendem a criação do
homem como imagem e semelhança e, que os demais homens tornam-se a repetição
bem-sucedida da criação. Na verdade, aquela imagem solitária (Adão) do ser
criado, não repercute como unidade dos seus descendentes, ao contrário, de um
modo ou de outro, cotidianamente há o movimento da “luta de todos contra todos”.
Quando analisamos a política, não
como essência humana, mas como prática social, percebemos que ela se move, com,
pelo menos, dois conjuntos de forças, geralmente classificadas de “direita” e “esquerda”.
Por sua vez, ao tomarmos a religião como elemento de estudo, verificamos que
ela também funciona com agrupamentos e, se quisermos, referência de concepções morais,
há os progressistas e os conservadores. Sendo assim, além de, entre elas terem os
ensinamentos da educação em comum, elas também pleiteiam a liberdade de
expressão.
Considerando o princípio do direito
a divergir, a liberdade aparece nas atitudes e posicionamentos no interior dos
próprios agrupamentos. Na política, o normal é formarem-se facções e tendências
e, embora todas elas estarem abrigadas no mesmo partido, disputam o poder
dentro deles como se fosse uma verdadeira guerra, na história da esquerda, após
a Revolução Russa de 1917, temos péssimas lembranças a serem arquivadas. Da
mesma forma, as seitas religiosas, apesar de todas almejarem a salvação, cada
uma projeta o criador do mundo ao seu modo.
Mantendo-nos no eixo da política, poderíamos
considerar que, se as forças de esquerda em busca de chegarem ao socialismo, divergem
e lutam entre si para demonstrarem quem tem razão, as forças de direita agem
para manter o capitalismo e eliminar aqueles que o querem superar. Portanto, a
diferença é que, os partidos de esquerda, facções e tendências, quase sempre,
funcionam como as religiões, defendem, aparentemente a mesma finalidade, e
procuram aliados, segmentos sociais e entidades de classe para sustentarem as
suas posições.
As forças de direita compreendem a
política pela concepção utilitarista. Procurando vê-la como deve ser o
movimento das forças e as práticas dos atos no tempo presente. No utilitarismo
econômico, desde as Revoluções Liberais de 1848, na Europa, quando se afirmou o
funcionamento do Estado capitalista, com
a independência dos poderes e o Direito Positivo, como legalização da ordem, a
burguesia ocupou-se em direcionar a produção da riqueza pela reprodução do
capital. O Estado sempre esteve voltado para assegurar o poder de classe nos
tempos de crescimento e de protestos trabalhistas, como também, nos períodos de
crises de crescimento e expansão do capital.
Mas eis que em certo momento os
capitalistas criaram sistemas autônomos e, por meio deles, passaram a enquadrar
o Estado, primeiro, para que aceitasse o poder paralelo do capital poder ir a
todos os lugares; segundo que se ocupasse do controle do seu próprio interior,
mantendo-se com os recursos que arrecada. Portanto, se as divergências eram
comuns na tradição da esquerda, agora, começamos a perceber, pelos processos
eleitorais na Europa, que elas passaram existir também entre as forças da
direita.
São vários os fatores que sustentam
as divergências, elas vão, desde a disputa de interesses entre o capital produtivo
e a especulação, até o controle das instituições e a preservação das reservas
naturais. Mas como explicar a inversão de comportamento, daquilo que era feito
silenciosamente ou, no máximo, com o abafamento das reações com a repressão
policial, ter se tornado movimento de massas de contestação a favor de posições
desumanas, antiéticas, racistas e nacionalistas?
Voltemos ao início. As pessoas têm
em sua essência, não a política, nem a religião, estas devem ser acrescentadas pela
educação participativa na sociedade; mas o germe da divergência lhes vem, da
radicalidade das posições, não importa se de esquerda ou de direita.
É ingênuo e desrespeitoso
intelectualmente afirmar que “não há mais educação política”. Pode não haver
mais no interior daquilo que ainda se ousa chamar de esquerda, totalmente
inserida na ordem capitalista, gerindo o instrumento para dominar a classe
trabalhadora. No interior das forças de direita, há muita educação e toda ela voltada
para os objetivos históricos de defender o capitalismo. Com isso promoveram o
encontro dos mitos humanos com os mitos divinos e, daí vêm as razões para as
divergências que incentivam e promovem a “luta de todos contra todos”.
Há posições políticas postas em
discussão que no passado criariam vertigens em setores intelectualizados e
movimentos populares organizados, no sentido de serem “as alianças com as
forças de centro obrigatórias”. Parece não significar que estas são parte constitutiva
da direita. De fato, encontra-se ela no campo da produção e, embora reconheça
que certos direitos sociais não podem ser abolidos, age sempre em defesa do capitalismo.
A parte repugnada é a extrema-direita tida como força educadora da crença de
que o bem precisa combater o mal. Exemplo dessa separação parasitária do Estado
é a burguesia agrária do agronegócio. Ambas as partes aproveitam-se o máximo
das políticas públicas e subsídios, mantendo as posições a favor e contra o
governo.
A pergunta é incômoda, mas precisa
ser feita: Onde estamos nós? Construindo alianças com a “direita de centro” nos
confundindo com ela, defendendo a ordem, o Estado de direito, a exploração da
força de trabalho, tecendo a crítica às seitas religiosas porque avançam e
arrebanham cada vez mais forças para a política etc., ou, confiantes de que os
processos eleitorais irão nos assegurar os direitos ameaçados pela extrema
direita nos calamos já sem identificação?
Estar em condições confortáveis não
significa estar na posição certa. Se compomos qualquer uma das duas opções acima,
estamos atuando no campo da direita ou das direitas, isto porque, quando
governamos, em nome da liberdade política, mantemos o totalitarismo do capital,
quando não governamos, tememos a expansão do totalitarismo também para a política
e lutamos apenas para voltar à posição anterior.
Em síntese, o suposto aparecimento
da extrema-direita no mundo se deve ao escondimento ou desaparecimento das
forças de esquerda. Não tendo um inimigo à altura, pela lei da concorrência, as
divergências na classe burguesa afloram. Sem ocupar o verdadeiro lugar de ser
força antagônica aos capitalistas, não haverá resistência e nem evidência de
luta de classes.
Ademar
Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário