domingo, 7 de julho de 2024

A DIREITA DA DIREITA

 

             Nestes tempos de motivações confusas, as ideias circulam sobre a realidade universal, de tal modo que, podem elas estarem corretas em suas definições ou representarem exatamente o seu contrário, dando a conhecer apenas falsas impressões e erros. O alerta pode nos vir da filosofia popular, quando define as visões sobre as carências que: “Em casa onde falta o pão, todos gritam e ninguém tem razão.

            A filosofa Hannah Arendt, ao discorrer sobre “O que é a política?”[1], destacou que a filosofia tem pelo menos duas razões para não se limitar em explicar, para não incorrer em erros, de onde surge a política. A primeira, diz ela, é não concordar que no homem há algo político que pertence a sua essência, isto porque, “o homem é apolítico”. Portanto, não nascemos políticos, nos tornamos políticos. Não nenhuma substância política original, isto porque ela nasce a partir da construção das relações sociais. A segunda razão, diz respeito ao equívoco de pensar que as crenças são monoteístas e que as concepções religiosas defendem a criação do homem como imagem e semelhança e, que os demais homens tornam-se a repetição bem-sucedida da criação. Na verdade, aquela imagem solitária (Adão) do ser criado, não repercute como unidade dos seus descendentes, ao contrário, de um modo ou de outro, cotidianamente há o movimento da “luta de todos contra todos”.

            Quando analisamos a política, não como essência humana, mas como prática social, percebemos que ela se move, com, pelo menos, dois conjuntos de forças, geralmente classificadas de “direita” e “esquerda”. Por sua vez, ao tomarmos a religião como elemento de estudo, verificamos que ela também funciona com agrupamentos e, se quisermos, referência de concepções morais, há os progressistas e os conservadores. Sendo assim, além de, entre elas terem os ensinamentos da educação em comum, elas também pleiteiam a liberdade de expressão.

            Considerando o princípio do direito a divergir, a liberdade aparece nas atitudes e posicionamentos no interior dos próprios agrupamentos. Na política, o normal é formarem-se facções e tendências e, embora todas elas estarem abrigadas no mesmo partido, disputam o poder dentro deles como se fosse uma verdadeira guerra, na história da esquerda, após a Revolução Russa de 1917, temos péssimas lembranças a serem arquivadas. Da mesma forma, as seitas religiosas, apesar de todas almejarem a salvação, cada uma projeta o criador do mundo ao seu modo.

            Mantendo-nos no eixo da política, poderíamos considerar que, se as forças de esquerda em busca de chegarem ao socialismo, divergem e lutam entre si para demonstrarem quem tem razão, as forças de direita agem para manter o capitalismo e eliminar aqueles que o querem superar. Portanto, a diferença é que, os partidos de esquerda, facções e tendências, quase sempre, funcionam como as religiões, defendem, aparentemente a mesma finalidade, e procuram aliados, segmentos sociais e entidades de classe para sustentarem as suas posições.

            As forças de direita compreendem a política pela concepção utilitarista. Procurando vê-la como deve ser o movimento das forças e as práticas dos atos no tempo presente. No utilitarismo econômico, desde as Revoluções Liberais de 1848, na Europa, quando se afirmou o funcionamento do Estado  capitalista, com a independência dos poderes e o Direito Positivo, como legalização da ordem, a burguesia ocupou-se em direcionar a produção da riqueza pela reprodução do capital. O Estado sempre esteve voltado para assegurar o poder de classe nos tempos de crescimento e de protestos trabalhistas, como também, nos períodos de crises de crescimento e expansão do capital.

            Mas eis que em certo momento os capitalistas criaram sistemas autônomos e, por meio deles, passaram a enquadrar o Estado, primeiro, para que aceitasse o poder paralelo do capital poder ir a todos os lugares; segundo que se ocupasse do controle do seu próprio interior, mantendo-se com os recursos que arrecada. Portanto, se as divergências eram comuns na tradição da esquerda, agora, começamos a perceber, pelos processos eleitorais na Europa, que elas passaram existir também entre as forças da direita.

            São vários os fatores que sustentam as divergências, elas vão, desde a disputa de interesses entre o capital produtivo e a especulação, até o controle das instituições e a preservação das reservas naturais. Mas como explicar a inversão de comportamento, daquilo que era feito silenciosamente ou, no máximo, com o abafamento das reações com a repressão policial, ter se tornado movimento de massas de contestação a favor de posições desumanas, antiéticas, racistas e nacionalistas?

            Voltemos ao início. As pessoas têm em sua essência, não a política, nem a religião, estas devem ser acrescentadas pela educação participativa na sociedade; mas o germe da divergência lhes vem, da radicalidade das posições, não importa se de esquerda ou de direita.

            É ingênuo e desrespeitoso intelectualmente afirmar que “não há mais educação política”. Pode não haver mais no interior daquilo que ainda se ousa chamar de esquerda, totalmente inserida na ordem capitalista, gerindo o instrumento para dominar a classe trabalhadora. No interior das forças de direita, há muita educação e toda ela voltada para os objetivos históricos de defender o capitalismo. Com isso promoveram o encontro dos mitos humanos com os mitos divinos e, daí vêm as razões para as divergências que incentivam e promovem a “luta de todos contra todos”.

            Há posições políticas postas em discussão que no passado criariam vertigens em setores intelectualizados e movimentos populares organizados, no sentido de serem “as alianças com as forças de centro obrigatórias”. Parece não significar que estas são parte constitutiva da direita. De fato, encontra-se ela no campo da produção e, embora reconheça que certos direitos sociais não podem ser abolidos, age sempre em defesa do capitalismo. A parte repugnada é a extrema-direita tida como força educadora da crença de que o bem precisa combater o mal. Exemplo dessa separação parasitária do Estado é a burguesia agrária do agronegócio. Ambas as partes aproveitam-se o máximo das políticas públicas e subsídios, mantendo as posições a favor e contra o governo.

            A pergunta é incômoda, mas precisa ser feita: Onde estamos nós? Construindo alianças com a “direita de centro” nos confundindo com ela, defendendo a ordem, o Estado de direito, a exploração da força de trabalho, tecendo a crítica às seitas religiosas porque avançam e arrebanham cada vez mais forças para a política etc., ou, confiantes de que os processos eleitorais irão nos assegurar os direitos ameaçados pela extrema direita nos calamos já sem identificação?

            Estar em condições confortáveis não significa estar na posição certa. Se compomos qualquer uma das duas opções acima, estamos atuando no campo da direita ou das direitas, isto porque, quando governamos, em nome da liberdade política, mantemos o totalitarismo do capital, quando não governamos, tememos a expansão do totalitarismo também para a política e lutamos apenas para voltar à posição anterior.

            Em síntese, o suposto aparecimento da extrema-direita no mundo se deve ao escondimento ou desaparecimento das forças de esquerda. Não tendo um inimigo à altura, pela lei da concorrência, as divergências na classe burguesa afloram. Sem ocupar o verdadeiro lugar de ser força antagônica aos capitalistas, não haverá resistência e nem evidência de luta de classes.

                                                                                                                                                                                                                                                                    Ademar Bogo   



[1] ARENDT, Hannah. 3 ed. O que é política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário