Ao escrever o seu texto convocatório preparatório para o Segundo Congresso do Partido, “Por onde começar?” em 1901, Lenin tinha em mente tratar de três problemas: “o carácter e o conteúdo principal da nossa agitação política; as nossas tarefas de organização; o plano para a criação, simultaneamente e por diversos lados, de uma organização de combate de toda a Rússia”.[1] Na verdade, esses temas eram as lacunas que até então ninguém havia se dado conta da importância de combiná-las em uma só discussão.
A situação em que nos encontramos hoje em termos de luta
de classes, remete a ter de pensar profundamente sobre as tarefas dos lutadores
e lutadoras do povo e, parece difícil encontrá-las e calibrá-las dentro da
conjuntura política na qual vivemos. Não sabendo quais são essas tarefas, não
encontramos também o conteúdo para fazer agitação, e por quê? Talvez no terceiro
aspecto levantado por Lenin esteja a resposta ainda por ser dada para a
pergunta: Temos ou não uma organização de combate?
Com a morte do espírito de luta das esquerdas, muitas
organizações criadas nas últimas décadas, tornaram-se caixões que seguem
carregados por pequenos grupos de pessoas vivas, tendo atrás de si pessoas
tristes, perdidas e sem ânimo para fazerem outra coisa, a não ser seguir com o funeral,
o qual não tem dia certo para acabar.
Convenhamos que uma “organização de combate”, é uma força
incômoda, desafiadora e de uso de táticas surpreendentes. A rebeldia está à
flor da pele de quem luta e, os inimigos são vistos com indignação e repulsa.
Por isso, as pessoas vivas, atacam e se retiram; avançam e recuam, num
movimento ofensivo, mesmo quando se defendem para não serem aniquilados. Para
saber se uma organização é incômoda e ameaçadora, basta observar se ela está
sendo perseguida pelos inimigos para ser destruída? Caso não esteja sendo, é
preciso repensar as ideias, os propósitos e as práticas.
Por outro lado, uma organização incomoda quando executa tarefas
incômodas. Estas têm a função de estabelecer novidades nos fazeres da
militância ativa. Dizemos “ativa” para diferenciar da “militância inativa”,
aquela que já não tem tarefas importunadoras porque está ocupada em seguir com
o funeral do espírito morto, indo em frente conforme manda a ordem, com o
destino final no cemitério da institucionalidade.
Por que é importante, na atualidade, insistir na morte do
espírito de esquerda? Porque do ponto de vista pedagógico, na medida em que as
forças deixam de combater a ordem, o Estado, os poderes republicanos, as
eleições, a democracia representativa etc., assumem as responsabilidades da
direita, herdeira dos girondinos da primeira Constituição elaborada no
pós-Revolução Francesa de 1789. Se uma das duas forças que estão se enfrentando
para, a energia afirmativa passa toda ela para a outra força, nesse caso para a
direita.
Metaforicamente
falando, se o espírito revolucionário desencarna das forças de esquerda, os
corpos que permanecem vivos são obrigados a assumirem as tarefas da direita.
Isso vem ocorrendo desde os povos primitivos do escravismo, quando uma tribo
era capturada, era obrigada a trabalhar para sustentar a outra. Aquela situação
não era vergonhosa porque as circunstâncias impunham a condição escrava.
Vergonhoso é ter as condições de ser senhor do próprio destino e, por
conveniência, capricho ou covardia, aceitar ser escravo da ordem capitalista,
como ocorre na atualidade.
Sem tarefas combativas a realizar, não há necessidade de
se ter uma organização de combate, nem tampouco, de elaborar conteúdos
agitativos. O que ilude os “agentes funerários” das velhas organizações, que se
ocupam do funeral da morte do espírito revolucionário, são as tarefas que o próprio
funeral apresenta. Uns agarram as alças do caixão; outros consolam os mais
depressivos; mais alguns carregam as coroas de flores em cujas fitas aparecem os
nomes dos doadores burgueses amigos e, por fim, mais atrás, vai a multidão silenciosa
levando as velas apagadas para evitar acidentes com o fogo.
O certo é que, mesmo nos funerais ninguém fica desocupado.
Há lugar para todos, e, principalmente para as lideranças dos cortejos que, nessas
situações, não se lembram de se perguntarem, por que existimos? Qual é o sentido
ainda de nossa organização? Para onde estamos dirigindo a multidão que
ingenuamente acredita estar dando o máximo?
Ao perder a noção das tarefas a serem desenvolvidas, a
militância deixa de criar e, a juventude assume o comportamento dos idosos com
o andar lento e os pensamentos preguiçosos. A agitação só flui se for colocada
a energia dentro das palavras. Ao convencermos a militância e as massas que
devemos seguir uma direção, as tarefas novas surgem, porque, o próprio
movimento cria novas necessidades. Parados, estáticos, as tarefas são sempre as
mesmas e se ocupam de manter a ordem das coisas como estão.
Sem organização revolucionária, há tarefas a cumprir, mas
elas nunca são revolucionárias, porque, a finalidade não é a revolução. O
conteúdo da agitação também será revolucionário, quando as palavras retratam a
decisão de promover a ruptura com o comodismo. Logo, para as forças de esquerda,
só existem dois caminhos: manter o espírito revolucionário e encarná-lo na
organização, na agitação e nas tarefas da luta, ou desencarná-lo e seguir o
funeral em direção ao cemitério da institucionalidade onde são enterradas as
forças partidárias de esquerda e os seus seguidores. Nesse caso, deixamos de
ser, como disseram Marx e Engels “os coveiros do capitalismo”, para
converter-nos em coveiros de nossa própria rebeldia.
Ademar
Bogo
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