Há um equívoco no entendimento da expressão
leninista: “Um passo à frente, dois passos atrás” que, aliás foi criada para
dar nome ao livro, publicado em 1904, escrito por Lenin, com o objetivo de
analisar as atas do II Congresso do Partido Social-Democrata da Rússia.
Para
os mais conservadores atuais, esta frase indica que é preciso avançar um pouco
e saber recuar bastante para ganhar impulso e desferir uma nova investida. Não
é esse o sentido da expressão cunhada em meio às crises e disputas levadas a
cabo no II Congresso. Lenin se propôs analisar as contradições internas daquela
organização composta por diversas concepções políticas, mas não se referia a
uma tática a ser empregada na luta de classes na Rússia. Ao contrário, deixou
claro que: “O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a
organização.”
Se
a análise expressa no livro se refere aos documentos do II Congresso, é
evidente que a metáfora dos passos à frente e para trás, diz respeito aos
posicionamentos contraditórios pois, em alguns aspectos avançaram um ponto e,
em outros, recuaram o dobro. Lenin avaliou que, o Congresso do partido havia
sido um acontecimento ímpar, sem precedentes na história, isto porque, pela
primeira vez, um partido revolucionário clandestino, conseguiu sair das trevas
da ilegalidade e aparecer como uma referência política. Alcançou o intento de
elaborar um programa, produzido pelos diversos grupos rivais, dispostos a
sacrificarem as posições particulares em prol da organização. No entanto, aqui reside
o recuo: “(...) em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se
combatendo”.
Em
diversas passagens Lenin expôs a sua preocupação, dizendo que: “Mas uma coisa é
chamar-se e outra coisa é ser. Uma coisa é sacrificar em princípio o espírito
de círculo em prol do partido, e outra é renunciar ao seu próprio círculo.”
Nesse sentido, a luta para fazer as decisões do Congresso irem para a prática
devia ser ferrenha e incansável.
Poderíamos
ir adiante com citações, mas do ponto da filosofia política já temos o
suficiente para alinharmos as ideias em vista de entendermos as crises atuais.
Em termos comparativos, os grupos da organização russa, em um ponto estavam de
acordo: precisavam organizar o partido para tomarem o poder. O que vemos no
presente é justamente o oposto: considera-se já ter o partido organizado e o
poder governamental alcançado.
Aparentemente
o partido com o qual os trabalhadores brasileiros afinam as suas intenções, tem
como positivo os aspectos de não ser clandestino, não ser pequeno e ter unidade
interna nas táticas de ação. Por outro lado, a negatividade está em que a
composição com as forças aliadas para chegar ao governo para servirem-se da máquina
pública, em vista da realização dos seus interesses, é infinitamente mais
perigosa do que foram as facções do partido Social-democrata da Rússia.
Aqui,
os passos não são contados em termos de avanços teóricos, tendo como oposição
as posições atrasadas; tudo é visto pragmaticamente. O “passo à frente”, significa
chegar ao governo e, os “dois passos atrás”, representa ceder nos princípios
para que os aliados integrem a governabilidade dos mandatos. Ocorre que, paralelamente
a classe dominante, representante das diversas formas de capital, também faz o
mesmo jogo, sobrepondo a sequência dos passos na imposição de seus interesses
senão vejamos: quando as forças de esquerda e aliadas chegam ao governo, dão um
passo à frente, mas, logo em seguida, as forças contrárias, democraticamente
ganham as eleições e, desmancham as frágeis conquistas dando dois passos para
trás. Se no terceiro momento, se o revezamento permitir retorno dos progressistas,
darão um passo à frente, mas ficam ainda um passo atrás, dos dois que foram
obrigados a recuar anteriormente.
Para
além dessa dívida com a estratégia, o prejuízo é ainda mais assustador, pois, o
que vemos são as forças de esquerda e aliadas, prostradas diante das
expectativas, para que, sem lutas, as instituições imponham derrotas à classe
dominante. A organização partidária e popular sai de pauta, dando vaga ao comodismo,
e os princípios revolucionários ficam soterrados sob os escombros das
articulações das táticas antirrevolucionária.
Os
“dois passos atrás”, na visão de Lenin, significavam desvios e não acertos.
Recuar o dobro do que se avança é ficar sempre em dívida com a estratégia
revolucionária. Com a inversão dessa lógica, as forças de direita aprenderam,
ser mais acertado, dar dois passos à frente e um apenas para trás. E, ainda,
quando recuam aliam-se aos vencedores para obrigá-los a fazerem as reformas ainda
por fazer. Com isso, o país passa a ter credibilidade internacional, o Estado
equilibra as contas e paga em dia os credores e, alguma coisa sobra para as
massas populares que se aliviam com um ponto positivo no crescimento da
economia.
Já
é tempo de repensar a organização partidária dos trabalhadores. Há vários
passos em atraso para serem dados; estes somente serão possíveis se a
estratégia revolucionária for formulada e a insurreição seja a meta a ser alcançada
no horizonte político. Mais do que revoluções tecnológicas, o mundo precisa de
revoluções políticas.
Ademar
Bogo
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