Antônio Gramsci com seus primeiros escritos, nos ajuda a
entrar neste tema. Para ele, a intransigência é o predicado necessário do
caráter. Ou seja, ela é a única prova de que uma determinada coletividade
existe como um organismo social vivo, por isso tem por base: meta, vontade e
maturidade de pensamento. Sendo a parte coerente com o todo, cumpre a exigência
de responder a cada momento com os princípios gerais, claros e diferenciados.
Essa ideia, para que o “organismo social” seja
intransigente e disciplinado, necessita de meta racional e vontade, exige que
as ilusões sejam dissolvidas. Mas isto ainda é pouco. É preciso que as pessoas
estejam convencidas de que tais metas sejam corretas e demonstrem comprometimento
com as mesmas.
No seu pequeno texto, “Intransigência-tolerância, intolerância-transigência”,
destaca Gramsci que, “Os homens estão prontos para agir quando estão
convencidos de que nada lhes foi ocultado, que nem voluntária nem involuntariamente
lhes foi criada qualquer ilusão, se devem se sacrificar, têm de saber
previamente que pode ser necessário o sacrifício”. Isso permite estender o
raciocínio para o campo organizativo.
“Estar prontos para agir”, não basta ter um elevado grau
de rejeição a certos padrões comportamentais, é preciso ter treinamentos para
que a experimentação real da força em ação surja como expressão da vontade
coletiva, posta a serviço de uma finalidade tornada consciente. Mas o que, na atualidade
está sendo ocultado do povo brasileiro?
Em política não se pode esperar que as contradições por
si mesmas construam vitórias para as coletividades espectadoras. O movimento político
é feito por forças humanas em ação. Imaginar que os processos eleitorais componham
esse movimento é acreditar que a História tem início, meio e fim. Se bem
entendemos o que nos disse Gramsci, o “organismo social” não é o órgão administrativo,
burocrático e institucional, o qual conhecemos por nome de Estado, mas as
forças sociais organizadas.
Os organismos são formados pela junção das forças da
coletividade social imbuída de metas, vontades e pensamentos maduros, deste
constam os planos e os princípios formulados conscientemente. Do contrário o
que pode existir são arremedos de tentativas de soluções, mas que acabam ganhando
vida apenas nas notícias cotidianas.
Quando o complexo não ajuda porque a profundidade da
covardia não deixa ver o real concreto, como é o caso do “Arcabouço fiscal”, é
preciso simplificar e dizer que, sem a presença da “coletividade social”, ou
das massas populares”, não há democracia. Os enormes esforços coletivamente
empregados para garantir uma vitória eleitoral é proporcionalmente inverso na
prática da governança. Isto porque, a ilusão de que os representantes eleitos
farão as mudanças necessárias, ajeitando-se dentro da ordem estabelecida, é a
revelação de que não se formará um “organismo social”, mas sim, uma torcida
fanática é dispersa em sua atuação.
Após termos passado um período de profundas revelações de
como não se deve conduzir a política, não significa que seremos melhores só
porque falamos educadamente, não desprezamos a vida, nem dizimamos os povos
indígenas nem incendiamos as florestas. As diferenças não devem estar apenas
nos valores, mas também nas atitudes. Quando o já categorizado como “inominável”
esbravejava contra o preço da gasolina, nós dizíamos que o dólar era o problema;
no entanto, até então nem se tomou uma decisão de baixar a cotação do dólar e
nem se desdolarizaram os preços. Da mesma forma ocorre com as elevadas taxas de
juro. Continuam altas e o presidente do Banco Central demonstra ser mais poderoso
do que os três poderes da república juntos.
Não vamos aqui destacar todas as semelhanças reais que
ainda poderão a acontecer, porque elas são corriqueiramente conhecidas e, se
apaixonadamente defendermos que muita coisa mudou, como o valor do salário
mínimo, o atendimento à saúde, um pouco as rodovias etc., devemos pensar se são
estas e nesse nível as “mudanças” que devemos praticar para impedir que o mesmo
mal volte a reinar daqui a alguns anos?
São outras as mudanças pela História pretendidas. Dentre
elas, em primeiro lugar vem o modo de governar. Enquanto o presidente da
República ficar isoladamente digladiando-se com o presidente do Banco Central,
sem nenhum sucesso, revela o velho estilo do “poder da canetada”. Ora, se a
taxa de juros interessa a nação, esta deve ser chamada para decidir em que altura
a taxa deve ficar! E assim o preço do petróleo; depois a distribuição da terra;
o “Novo ensino médio” etc.
Faltam metas e estas inibem a vontade. Mas para que se
tenha metas e a vontade seja despertada preciso ter lideranças. Sem lideranças
não há aglutinação e organização permanente. As massas populares atendem a chamados.
Mas não ouve vozes chamando. As únicas vozes que ouvimos são as dos povos
indígenas pedindo por socorro. Os partidos políticos cumprem a agenda do
parlamento; já não chamam ninguém. De certo chamarão no momento que estará em curso
um novo golpe. Mas aí a meta será apenas a defender o mandato e não de a de
fazer reformas profundas. Sem mobilização permanente as forças ficam despreparadas
e já não saberão mais agir.
O “organismo social” capaz de mostrar a sua
intransigência se constrói com uma sólida estrutura de pessoas conscientes,
capazes de não apenas despertarem a vontade coletiva como também andar em
direção ao horizonte das metas a serem alcançadas. Baixar a taxa de juros ou o
preço da gasolina, não representa mudanças estruturais. Mesmo sendo vitoriosas
essas bandeiras, logo ali adiante poderão ser modificadas pelos mesmos agentes
que exigiram o rebaixamento, basta que a taxa de inflação ameace subir.
A intransigência deve ser tomada verdadeiramente como um
predicado, isto é, como uma qualidade do eleitor que votou em indivíduos
pedindo mudanças. Sabemos que as mudanças não vêm pela força do voto, mas com
muitas lutas e sacrifícios. Mas, devemos saber também, que a política é
representada por duas partes: a dos políticos eleitos, a outra parte pertence à
pressão popular; sem a presença desta última, além de não haver democracia a
politica será o nome da fábrica das ilusões.
Ademar
Bogo
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