Hannah Arendt, filósofa alemã, perseguida pelo nazismo na década de 1940, do século passado, em seu livro “Entre o passado e o futuro”, nos remete a pensarmos, de fato, se temos consciência do presente.
A princípio o testamento pertence à tradição
da civilização. Deixar para as gerações futuras tudo documentado é um anseio
gerações mais velhas. Mas há tesouros que se perdem justamente por não serem
identificados, ou mesmo porque, não possuem nome ou identificação mais precisa.
Vivemos um tempo em que a penumbra
histórica instalada no ambiente da política impede de enxergarmos nitidamente,
as letras para lermos o que nos foi deixado escrito, de bom e de ruim, no testamento
do passado, seja. Somos conhecedores das rupturas ocorridas entre as forças
partidárias neste século. Desde 2004, setores descontentes buscavam outro
caminho para chegarem ao futuro, sem considerar, na sua profundidade, o
testamento do passado.
No ano de 2013 foi a vez das forças
descontentes, da classe média, aliadas e manipuladas, expressarem, de algum
modo, o mesmo descontentamento das forças de esquerda anteriormente rebeladas contra
o governo. No entanto, essas mobilizações não tinham e nem recorreram a nenhum
testamento, a não ser que se considere as orientações imperialistas o texto
base. Mas, também não queriam um futuro tão avesso ao presente; algumas
melhorias e a expulsão das forças incômodas do governo.
O resto da História já conhecemos.
Com as forças de esquerda e de centro dispersas, os percalços, sobressaltos,
riscos e manobras, fizeram com que chegássemos a este momento para que as
forças novamente se movam para adequarem os desajustes do presente, ao normal
satisfatório. Poderíamos ver estranheza o retorno à “emergência subjetiva” como
diria o filósofo e psicanalista Jaques Lacan, na qual o sujeito procura o seu “outro”,
neste caso, o outro contestado e abandonado no passado.
A volta de todos os pássaros para a
mesma árvore que sustentava os ninhos é de fato uma emergência. Há um animal
que ameaça devorar a todos. É preciso detê-lo. No entanto, este presente
tumultuado não permite que se volte mais anteriormente ao processo recente,
resgate-se o testamento extraviado, que fora deixado pelos clássicos do
marxismo para, com isso prepararmos o caminho do futuro.
É evidente que a “emergência
subjetiva” generalizou-se para os diversos setores que, tomados pela angústia
andam atormentados em busca de alguma estabilidade. Talvez, escapem apenas
desse movimento de ajuntamento sem testamento, o capital especulativo, o
banditismo político, as forças armadas, setores da mídia e parcelas das seitas
pentecostais.
De qualquer forma, a emergência exige
o ajuntamento e, cada força o faz por interesse delimitado. De certo não é
vergonhoso voltar ao ponto onde ocorreu o rompimento entre as forças no início
do século para contribuir para que o mal maior seja recuado; mas, não custa
refletir sobre duas perguntas: a primeira diz respeito, o por que, os que
romperam, por terem repetido os mesmos gestos, voltam, praticamente com as mãos
vazias? E, a segunda, qual é o testamento a ser seguido, aquele formulado pelo
materialismo histórico, ou este institucionalizado no período de 2003 a 2010?
Aparentemente todas as forças que se
movem, atualmente, para o centro, desdenham da crítica ao capitalismo e ao
Estado capitalista e, centram a contestação contra o governo maluco instalado
pela manipulação constante das forças do capital. Mas é importante que pensemos
no depois. Se as forças que em 2016 arquitetaram o golpe por julgarem o governo
incapaz, agora assumem a representação de vice na chapa comandada pela mesma
força outrora derrubada, é de se perguntar até onde ficarão a favor e a favor
de que?
Por fim, há um testamento extraviado
nas margens da História e, nele estão os nomes das coisas e as indicações das
medidas a serem tomadas, com o devido crivo das gerações atuais. Certamente,
muitos dirão que “agora não é hora de pensar nisso”, mas quando foi? Olhando
para trás, vemos alguns fragmentos do velho testamento caídos no chão da
História na década de 1960.
Entre o passado e o futuro há o
presente. Ignorar o passado e viver só das necessidades do presente, incerto
será o futuro.
Ademar
Bogo
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