A união entre burgueses, proletários,
camponeses e massas populares, formou, em 1789, o “Terceiro Estado” que tornou
vitoriosa a Revolução Francesa. Na sequência, essas classes instalaram a
Assembléia Nacional Constituinte e procederam a elaboração das novas leis.
garantidoras da implantação dos princípios da igualdade, liberdade e
fraternidade; interesse comum da esquerda e da direita, forças defensoras do
capitalismo e da organização do Estado, estruturado e representado pelos três
poderes: executivo, legislativo e judiciário.
Com as leis aprovadas e colocadas acima de
todos, passou a vigorar no modo de produção capitalista, o “Estado Democrático
de Direito” como ordem oficial. Garantiu-se assim, aos exploradores e também
aos explorados, os direitos e as expectativas de pleitearem o progresso
econômico, o desenvolvimento social e a realização dos anseios individuais. No
entanto, essa vitória revolucionária burguesa e proletária, se por um lado
passou a representar um vinculo de dependência econômica e política entre as
duas classes, por outro lado, implementou a instituição de uma “jaula de aço”
como bem conceituou o alemão Max Weber, em sua obra, “A ética protestante e o
espírito do capitalismo.”
Ser a favor do totalitarismo econômico capitalista
e, democratas ao mesmo tempo, está na origem da formação das classes burguesa e
proletária, como também no senso comum das massas populares. Essa premissa
positivista, liberal e religiosa, rege as relações sociais e de produção,
ordenando-as pelas normas morais e as barras do Direito Positivo, expressão jurídica
da coerção no interior da jaula de aço, responsável por enquadrar qualquer
cidadão tido como desordeiro. Fora dela, temos a sensação de estarmos em
perigo, por isso corremos para incluir-nos e nos tornamos os principais
defensores do progresso, da geração de empregos e do bom funcionamento do
Estado.
Inseridos no sistema de exploração e na
ordem coercitiva, nos comportamos como os animais na jaula: comemos em um dos lados,
dormimos em outro e defecamos em algum canto. Durante o dia vagamos ligando
esses pontos geográficos e nos enraivamos se alguém ameaça fazer alguma
interferência nesta ordem estabelecida, seja com um golpe ou alguma intervenção
desastrosa, pois, já não sabemos viver sem ela e nem mesmo imaginarmos outras formas
de convivência. Tal qual aos animais que não sabem distinguir o tratador do
responsável por enjaular-los, tememos as forças de segurança, mas nos
desesperamos se não as vemos nas esquinas; rejeitamos os patrões, mas corremos
para agradá-los quando nos ameaçam com demissões; criticamos os governantes e
as leis injustas, mas continuamos afirmando a democracia representativa, dando
à imensa minoria as condições para negar os direitos e os benefícios da maioria.
Queremos
a emancipação humana, mas a retardamos, porque, para uma parte dos
trabalhadores, a venda da força de trabalho, está tão ruim que mal dá para
fazer exigências e, para a outra parte mais pauperizada, já não se apresenta
oferta alguma. E, mesmo cabisbaixos, nos animamos com as promessas eleitoreiras
daqueles que se propõem a lubrificar as dobradiças da porta dessa jaula imunda
e decadente, para que ela ranja menos toda vez que se fechar. Dirigem-nos para
a santidade do capital, para que nos prostremos diante dele, com as mãos postas
segurando a oferenda do voto. Queremos que os vencedores da democracia
representativa nos atendam com uma graça, de um auxílio, uma bolsa, ou mesmo um
osso descarnado, pois, entendemos, a carne deve ser enviada ao deus suprem do mercado
exterior.
Sabemos que a origem da submissão está
na aliança genuína que formou o “Terceiro Estado”, efetivada na França para o
triunfo da Revolução de 1789. No entanto, aquela união comandada pelos
capitalistas, produtores, industriais e comerciantes, tendo como força auxiliar
o proletariado, com a expansão do capital especulativo e destrutivo, já ruiu. Esse
capital volátil associado ao banditismo político, habitante dos lugares mais
remotos como as Ilhas Virgens Britânicas, infiltrou-se no Estado e age para
“liquidificar” as riquezas das nações. Essas forças parasitárias, ao invés da
ordem democrática, espalham o terror, a insegurança e o medo; e põem a reboque,
com exceção do agronegócio destrutivo, os setores burgueses da produção que
buscam desesperadamente voltar ao lugar perdidono controle da política.
Portanto, se no passado esses setores
burgueses produtivos, foram capazes de unificar as diversas forças no “Terceiro
Estado”, na atualidade estão em desvantagem, não apenas pelos erros políticos
cometidos, mas também, pela perda de poder para as formas especulativas e
parasitárias do capital. Assim se explica o porquê das frequentes instabilidades
da ordem e o desejo imediato de reconstruírem a velha aliança, propondo uma
“terceira via”. Se aceitarmos essa manobra, reconheceremos no grau mais baixo
que os propósitos da histórica burguesia continuam válidos e, por mais que nos
esforcemos apenas reviveremos a tragédia, mil vezes repetida, quando diante do
perigo, o escravo morre para salvar o seu senhor. As burguesias sobreviventes
da exploração da força de trabalho, em grau maior ou menor, de acordo com o
lugar no mundo em que se encontram, vêm perdendo o controle da política e do
controle sobre o Estado. Por mais estranho que pareça, na conjuntura
transitória, “somos os seus coveiros” e não os seus salvadores.
Não restam dúvidas de que guardamos no
fundo da consciência proletária uma contradição conflituosa, entre darmos vazão
às energias revolucionárias e acatarmos os desejos da submissão. Freud no
âmbito corporal e sexual denominou esse movimento de “pulsão de vida” e “pulsão
de morte”. Nesse sentido, não é exagero nenhum reconhecer que o capital
especulativo e parasitário, jungido ao banditismo político, improdutivos,
violentos e destrutivos, tornaram-se os transtornos físicos, psíquicos, econômicos,políticos,
morais, ambientais etc., da civilização. Por mais que se pense governar e
controlar a ordem na jaula envelhecida, dentro dela circula essa energia
incontrolável e instintual da volatilização do capital. Para controlá-la é
preciso antes de tudo aprisionar e dominar os seus agentes destruindo todas as
suas mediações que pulsam para a morte.
Nesse sentido, por mais que tentemos retardar
o enfrentamento com as forças destrutivas da civilização ele será inevitável.
Como sujeitos de um processo libertário, trabalhadores e massas populares em
geral, devemos, ao invés de liderarmos a conciliação deveríamos nos propor a jogar
para os ares a jaula e sua ordem, ou pelo menos, como primeiro passo, empurrar
para fora dela os especuladores, rentistas, devotos dos paraísos fiscais; os
incendiários das florestas e os assaltantes das riquezas públicas. Para isso
precisamos fugir da tentação de fazer acreditar que a “jaula de aço” um pouco
mais limpa e arejada, mesmo com uma parte da população com as pernas fora das
grades é tudo o que se pode propor. Se assim pensamos, eternizamos a palavras
de Karl Marx quando nos alertou que os defensores do parlamento e
acrescentamos, da democracia representativa, fazem tudo para “Iludir os outros
e iludir-se ao iludi-los”.
Enquanto as atenções estiverem voltadas
para o conserto do sistema, não haverá emancipação. As soluções para
impulsionar as transformações sociais, embora partam de dentro, estão fora
dessa ordem carcomida. Olhar para fora é arriscar perder todas as crenças, no capital,
no Estado e na política profissionalizada e, como ateus, instituir as bases das
novas crenças, com princípios inversos ao que até aqui fizeram a jaula de aço
funcionar.
Marx e Engels nos deram a indicação e,
como velhos conselheiros deveríamos ouvi-los. Sentenciaram na época de 1848, em
meio às turbulências das revoluções liberais na Europa, que “os comunistas não
dissimulam as suas opiniões e seus objetivos”, o que nos parece suficiente para
sermos sinceros uns com os outros, isto porque, segundo eles, é preciso fazer
com que a classe dominante se sinta ameaçada pela “destruição violenta de toda
a ordem social”, e não contemplada pela nossa plataforma política.
Principalmente porque, “a classe operária nada perderá com ela, a não ser a sua
prisão.” Que essa prisão seja reservada aos genocidas e aos devotos da
especulação.
Ademar Bogo
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