A sociedade atual, onde os renascimentos e os sentimentos religiosos primitivos, bem como o legado das revoluções, estão à venda no mercado; onde os chefes fascistas negociam atrás das portas o território e a vida das nações, enquanto o público esperto calcula o preço no rádio; a sociedade, onde a palavra que a desmascara se legitima por isso mesmo como recomendação para a admissão no banditismo político; essa sociedade, na qual a política não é mais somente um negócio, mas o negócio é a política inteira – essa sociedade se toma de indignação contra o retrógrado mercantilismo do judeu e designa-o como o materialismo, o traficante, que deve recuar diante do fogo sagrado daqueles que erigiram o negócio em algo absoluto.
O parágrafo acima, de conteúdo tão atual, pertence a
Adorno e Horkheimer, membros da Escola de Frankfurt, publicado em 1947, com o
nome de “Dialética do esclarecimento”. E, de imediato nos mostra, o poder do
poder político, no capitalismo, de marcar as épocas com revisitações ao
retrocesso.
Não é estranho ver o renascimento do poder da religião
através das seitas religiosas, quando a Teologia da Libertação havia ensinado a
organizar as Comunidades Eclesiais de Base? E, o legado das revoluções trocados
na liberalidade do mercado como se ele pudesse incluir as massas empobrecidas
na sociedade de consumo, defendido também pelos governos ditos populares? Ou ainda,
os chefes fascistas no poder, não estão novamente atrás das portas,
representadas pelas mentiras contadas nas redes sociais, enquanto privatizam o
resto do patrimônio público e fazem as reformas usurpadoras dos direitos
sociais, enquanto as esquerdas comemoram a derrota do voto impresso e a volta
das coligações? Não vivemos por acaso um requentado processo de banditismo
político, como foram as “Centúrias Negras” na Rússia depois da Revolução de
1905, aqui associando grupos paramilitares, milícias, militares, políticos e
governantes, tendo até presidente de partido político conclamando as forças do
atraso a se levantarem em armas para derrubarem as instituições e entrarem
definitivamente no “estado de terror”? Temos ou não temos uma política
mercantilizada que passa por dentro dos ministérios, cuja base é permeada de
sujeitos do crime organizado, militares, religiosos e agentes do mercado
paralelo, movido pelas propinas?
Quando as forças criminosas aprendem a manejar a política
e a fazê-la fluir como fluem os negócios no mercado, é evidente que entramos em
um tempo de retrocesso, mas, não é qualquer retrocesso, é um retrocesso que
forma bases estruturadas permanentes para funcionarem como pequenos reinados,
culturalmente aceitos pelas populações dominadas. Logo, aquilo que
filosoficamente vínhamos denominando de “barbárie”, podemos já visualizar como
“política do terror”. Os dados mostram que a vida nos países latino americanos
está se tornando insustentável. Somente no mês de Março de 2021 foram detidas
na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América, 171 mil pessoas que
migravam ilegalmente, fugindo do terror da América Central.
O agravante, para a nossa realidade brasileira, é que, se
no passado a implantação do Estado e das instituições foi uma reinvindicação
burguesa para garantir o funcionamento da sociedade desigual, na atualidade são
as forças de esquerda que, abandonando os princípios revolucionários ocupam-se
em mendigar votos da população para sustentarem o “jogo democrático” na
oficialidade, quando o campeonato verdadeiro está sendo disputado na
ilegalidade.
É nesse sentido que nos dizem ainda os autores do
primeiro parágrafo, que “a impotência atrai o inimigo da impotência”. Ou seja,
quanto mais impotentes somos, quanto mais medo demonstrarmos, mais os inimigos
avançam, porque não vislumbram do lado oposto, nenhuma demonstração de
resistência. É como se o ladrão acha-se a esquecida porta aberta pelo morador
que saiu para o trabalho. Neste sentido, contra os tanques coloca-se a
esperança do poder judiciário declarar o golpe de Estado ilegal e, contra a
demência do Palácio do Planalto, a trincheira das eleições presidenciais de
2022.
É verdade que a política eficiente combate os males da
política. Mas, não se faz política sem força. Desde Napoleão Bonaparte, quando
instituiu o “exército popular”, permitindo a qualquer sujeito do povo tornar-se
um soldado, é que também se pôde começar a fazer política com as massas
dirigidas pela “militância” (soldados da ação), organizada partidariamente a
favor do todo e combatente das facções interessadas na defesa de si mesmas e
contra o todo.
Na atualidade, universalmente, as representações
partidárias assemelham-se ás facções e passaram a funcionar sem os “soldados da
ação” (militância) e, posicionando-se sempre e prioritariamente a favor de si
mesmas, contra o todo. É contra essa impotência que devemos reagir também, porque
ela é tão malévola quanto a política do crime, pois, a maioria dos
representantes eleitos, além de tornarem-se incontroláveis, sobrevivem também dos
negócios da política.
No entanto, não há como fazer política, estruturar
processos de mudanças, elevar o nível de consciência dos cidadãos e projetar a
conquista do poder, sem uma organização partidária. Ela pode ter qualquer
denominação, mas, acima de tudo, deve ser uma parte da sociedade, com posição
de classe, solidamente organizada e disposta a lutar a favor do todo. Isso é o
suficiente dizer, para nos diferenciarmos das posições retrogradas que querem
fechar o Congresso Nacional e cancelar os partidos políticos. Nós também
acreditamos parcialmente, mas, enquanto eles têm como finalidade o
totalitarismo, nós temos em mente alcançar a democracia na forma
revolucionária.
A essa forma partidária atual expressa pelas “facções”
que, na sua grande maioria, empenham-se em garantir a presença de
representantes no Congresso Nacional, para apossarem-se da parcela cada vez
maior do “Fundo partidário”, e têm como prioridade defenderem o “Estado de
Direito”, devemos perguntar: a que “Estado de Direito” se referem? Daquele garantidor
do funcionamento do capitalismo? Daquele preservador dos privilégios dos
marechais, dos generais e de seus descendentes? Daquele assegurador apenas das
eleições, mas nunca da verdadeira democracia? Daquele defensor do direito de ir
e vir para a população branca, componente da classe média para cima, enquanto
as populações pretas e faveladas vivem eternamente sob o totalitarismo policial
e miliciano?
Podemos afirmar uma aparente aberração de que, “não há
futuro sem futuro”; no entanto, faz todo o sentido, se entendemos que nada de
novo será construído se ficarmos reféns da direção das forças decadentes e
impotentes. Ou seja, qual é o futuro da impotência? A resposta foi dada a cima:
atrair ainda mais os inimigos. Esse é um futuro sem futuro.
O futuro com futuro garante-se enfrentando a própria
impotência, insurgindo-se contra os inimigos. Esse enfrentamento começa pelas
disputas territoriais, contra as forças do crime e das seitas religiosas. A
militância somente será reconstruída com uma nova experiência de trabalho de
base. No passado, as aglutinações clandestinas eram chamadas, ainda no século primeiro de “grupos
dos cristãos”; no início do cristianismo para lutarem contra o Império Romano e
ficaram por trezentos anos atuando clandestinamente; no Brasil, no período
colonial tivemos os Quilombos; na Rússia para a Revolução de 1917, as
“células”, mais próximos, aqui tivemos “núcleos” e até “grupo dos onze” para
lutar contra o imperialismo e as ditaduras. Vivemos um novo retrocesso
sistêmico, político, religioso, ideológico e cultural; os ataques e ameaças
contra a vida vêm de todos os lados, somente a estruturação de práticas
conspirativas pode garantir a superação da política do crime e emancipar os
trabalhadores.
Ademar Bogo
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