Apocalipse, em grego quer dizer “revelação”. Portanto, pode ser lido este conceito com outro conteúdo que não seja aquele apenas do “juízo final”. Revelação que também nos remete a “tirar o véu”, desvelando aquilo que mal se compreende, tornando evidente algo que sempre nos pareceu misteriosamente reservado.
O filósofo Nietzsche ao escrever o seu livro, “O
anticristo”, para tecer criticas à religião indicou que, “as intuições mais
preciosas são aquelas que se tem por último: as intuições mais preciosas são os
métodos”. Podemos considerar que existe uma grande verdade nisso: se a última
intuição é a mais preciosa e podemos transformá-la em um método de ação,
significa que é possível chegar o fim da ingenuidade e da subserviência à
perversidade.
De outro modo temos de reconhecer que, entre o principio
e o fim vigora a existência da História. Sobre isto, Marx e Engels já alertaram
em “A Ideologia Alemã” de 1845, quando categorizaram a “libertação” como “um
ato histórico e não um ato do pensamento, e é ocasionada por condições
históricas...”
Todas as gerações vivem os seus dilemas, as atuais,
vivemos o dilema da morte. Esta nunca esteve tão próxima; basta sair de casa
para contrairmos o vírus, voltarmos e assassinarmos as pessoas que mais amamos.
Talvez seja também, a época “apocalíptica” que mais revela as verdades da
dominação capitalista e, como para muitos não são as “últimas intuições”, elas
não conseguem a transmutação para os métodos de ação em vista da superação das
contradições.
Não temos nenhum estudo reunido feito pela psicanálise
que nos revele a estrutura da personalidade (neurótica, psicótica ou perversa)
dos 37 presidentes da república já existidos no Brasil. O atual (38º) supera
qualquer comparação pelo grau de perversidade que manifesta a cada dia. Move-se
ele pelo “principio do prazer” constante, por isso age sem nenhum escrúpulo nem
sentimento de culpa. Para ele valem os momentos de transgressão da ordem e do
bom senso. Nesse sentido, se uma afirmação lhe é prazerosa pela manhã, mas à
tarde do mesmo dia deixou de ser, muda e expressa o seu contrário. Vive a criar
suspense e a ofender, desprezar, humilhar e zombar das pessoas, mesmo que estas
estejam enlutadas. Diz o que lhe causa satisfação, mente e desmente a própria
mentira.
Poderíamos empregar mais tempo descrevendo as atitudes
perversas e intoleráveis em uma autoridade, mas não entenderíamos as razões da
perversidade arraigadas na política e, nem tampouco conseguiríamos ter “as
últimas intuições” como inspirações para a formulação de um método ou
estratégia de superação.
A pergunta inicial a ser respondida é, por que o perverso
na política tem um número espantoso de seguidores? No caso brasileiro, com
quase 280 mil mortos vítimas da Covid-19, sendo o principal culpado, o
presidente da república, um zombeteiro, desleixado, ignorante à ciência, que
propositalmente não articulou a compra de vacinas, nas pesquisas de opinião sustenta-se
com 30% da aprovação?
Não podemos negar que há em todo ser social,
potencialidades para a perversão. Para a maioria das pessoas ela chega ao nível
da inveja, da competição, do desejo que o outro vá mal, na difamação caluniosa,
na ofensa verbal, no desprezo cotidiano etc. Para outros, manifesta-se em um
nível mais elevado, expresso pelo racismo, feminicídio, homofobia, homicídio e
outras manifestações materializadas ainda no nível dos ataques individuais. O
terceiro e mais elevado nível, aloja-se na pratica política e manifesta-se
contra as multidões, impedindo o acesso aos direitos, negando proteção, indo
até o genocídio, que também se estende contra as outras espécies, tornando-se,
biocídio e ecocídio gerando em seus
adeptos a sensação de prazer. No entanto, a revelação para entendermos a
perversidade presidencial e a de seus defensores não a encontraremos em suas
atitudes, devemos buscar as respostas nas causas estruturais da sociedade
capitalista.
Todo ser humano é um ser social. A sua formação é social
como também a sua educação e profissionalização. Há, portanto, uma estrutura
social, em nosso caso, capitalista, que sustenta a estrutura comportamental.
Aprendemos a pensar com as informações e os temas que a sociedade nos
apresenta. Internalizamos preconceitos, convicções machistas, e critérios
racistas no convívio familiar e nos grupos sociais. Nesse sentido, olhando de
baixo para cima, o que é o modo de produção capitalista senão um complexo estruturado,
reprodutor de perversões que a uns pouco dá prazer, e a uma grande maioria
reserva-lhes o sofrimento?
O que é a perversão social, senão ver no final do mês, o
assalariado que tudo produziu em uma fábrica construída com subsídios públicos,
voltar para casa, em direção à periferia, embarcado em um ônibus lotado,
enquanto o pretenso proprietário faz outro trajeto de helicóptero? Mas isto não
é tudo. Por que o empregado aceita tal condição e o patrão não é preso por
concentrar a riqueza extraída do trabalho alheio? Pelo simples fato que a
perversidade humana, para garantir a exploração empresarial, foi expressa nas
leis e foi a perversidade jurídica que sustentou três séculos de trabalho
escravo no Brasil. Com ela, travestida de “interesses”, cerceou-se a liberdade
dos mais pobres ao acesso à terra; o acesso à educação de qualidade às massas
empobrecidas e tantos outras formas de aniquilamento da dignidade humana.
Então chegamos ao ponto critico: se estranhamos a
perversidade do presidente da república, por que não estranhamos a crueldade do
capital e, principalmente a perversidade do Estado que age cotidianamente para
garantir a ordem perversa que a pequena-burguesia eleitoreira chama de
“democrática”? Ao contrário, as forças políticas de “esquerda” que deveriam
cultivar a critica contra a base estrutural do capitalismo, que faz penar a
maioria da população, enquanto a minoria usufrui o prazer de dominar, pensa e
prepara-se para adentrar nas estruturas perversas para “fazer justiça”.
Voltemos
primeiramente a Marx e Engels (1845) quando, após dizerem que a expressão dos
limites econômicos existentes não é apenas puramente teórica, mas também existe
na consciência prática, “daí se segue que todas as lutas no interior do Estado,
a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto
etc. etc., não são mais do que formas ilusórias...” Portanto, as ilusões
corroem as intuições e, por essa razão restringem-se os métodos e as frentes de
combate. Mas podemos ir mais longe, e recorrermos a Aristóteles que já, no seu
tempo percebera da mesma maneira que podemos ter três tipos de governo: de um,
de um grupo e de muitos, mas que no final esse terceiro tipo se transmuta para
um grupo oligárquico, impossibilitando qualquer tentativa de se ter um governo
popular.
Pensar em combater a perversidade do perverso com uma
simples disputa eleitoral que ainda está por vir, no distante 2022, em vista de
tirá-lo da cadeira para alguém sentar em seu lugar, é sim uma ilusão, quando na
verdade a perversidade surge e se sustenta pela estrutura social, capitalista e
estatal, mantendo como devotos 30% da população mais abastada ou alienada por
ela que a vitória eleitoral não desmancha.
Lembremos que na Antiga Roma, na metade do século
primeiro, os cristãos eram presos e levados às arenas e coliseus para serem, em
grupos, comidos por leões, enquanto nas arquibancadas compraziam-se, o
imperador e os seus acompanhantes. De lá para cá nada mudou, apenas os leões
foram substituídos pelas milícias e forças policiais, que matam jovens negros
nas periferias das cidades, enquanto os alienados festejam. Por sua vez, a
tentativa de armar os 30% da população alucinada é a última forma de expressão
do perverso que sonha ver um dia as populações e inimigos políticos,
inteiramente dizimados. Nesse sentido, combater o perverso e não a estrutura do
capital e estatal que o sustenta, é o mesmo que atacar o leão dentro do
Coliseu, enquanto o imperador protegido se diverte olhando do alto.
Não nos enganemos senhores e senhoras, a perversidade não
é só uma estrutura na personalidade, ela é um sistema estruturado que o
perverso dela se utiliza para realizar os seus prazeres. E, não estranhemos,
que por prazer e não por necessidade institucional, o perverso, poderá oficializar o golpe de Estado para
impedir a realização das eleições de 2022. Por enquanto diverte-se com ameaças,
enquanto as forças contrárias se deleitam com o “Lula livre”, esquecendo-se de
tudo, inclusive que seis votos no Supremo Tribunal Federal pode fazer valer a
perversidade jurídica, e anular a decisão anterior.
Apocalipse, portanto, não deve ser visto como fim de
tudo, mas como revelação daquilo que ainda está por vir. E, se tiver que ser o
fim, que seja das estruturas que sustentam as perversidades. Desmascará-las e
não elogiá-las é a intuição correta. O método exige uma finalidade maior do que
esta bandeira eleitoral sustentada no frágil mastro da legalidade. A caneta que
absolve é a mesma que condena. Entre uma opção e outra passa o afiado fio da
navalha que pode cortar um pouco e de vez em quando do lado direito, na maioria
das vezes corta mesmo do lado esquerdo.
Que a maioria dos mortos na Pandemia, pressione nossas
cabeças para que pensemos corretamente e entendamos que, a democracia ora
reinvindicada pela esquerda, é música para os ouvidos da direita e, nesse ritmo
ela continuará servindo para que os leões continuem devorando os escravos para garantir o prazer diário dos perversos.
Ademar
Bogo
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