O “reboquismo” essa categoria mais apropriada para ser utilizada na engenharia mecânica, foi usada como metáfora por Carlos Marighella, nascido em 5 de dezembro de 1911, portanto, há 109 anos, na cidade de Salvador.
Ao analisar a crise brasileira no ano de 1966,
diagnosticou a principal doença das forças de esquerda do século XX que se
propagou ainda com maior vigor no século XXI, ao dizer que: “A substimação do
perigo de direita no panorama político brasileiro foi fruto do reboquismo e da
ilusão no governo”.
Se promovermos o verbo “rebocar” à classe principal na
análise, extrairemos do enunciado acima três categorias importantíssimas que
nos permitirão aproximar as épocas sem diferenciar as concepções políticas e
nem mesmo os comportamentos práticos.
A primeira categoria é a da “subestimação”. Subestimar,
em se tratando de política, é quase sempre uma atitude de minimização da força
contrária, mas esta referência pode ser usada para qualquer área, seja no
tratamento da saúde, nas disputas esportivas, nas reações da natureza etc.
Neste contexto Marighella foi bem preciso quando colocou como expressão do
“reboquismo” a categoria “subestimação do perigo de direita”.
A “direita” entendida como burguesia, já no Manifesto Comunista
escrito por Marx e Engels e publicado em Janeiro de 1848, não era mais um
“estamento”, mas uma classe, e aqui vemos que ela é também perigosa.
Não perceber que a direita é perigosa levou,
principalmente neste século, a fazer composições como se ela fosse a força
auxiliar da classe trabalhadora para que esta governasse para todas as classes.
Portanto, a direita que impetrou o golpe de 1964 e o outro de 2016, amparada
pelo mesmo colo formado pelas duas coxas: dos militares e do imperialismo.
Sobre essas duas coxas modelaram-se, em ambos os momentos, os espectros
ameaçadores da ordem, da pátria e da família, invertendo a culpabilidade pelas
crises e responsabilizando os comunistas, os marxistas, professores e
intelectuais críticos do capitalismo. Fabricaram assim, justificadamente, os
monstros das torturas e os mitos mentirosos, que inverteram os propósitos das
causas populares: “O petróleo é nosso” e “O Brasil é nosso”, quer dizer, deles.
A segunda categoria diz respeito ao “panorama político”.
O panorama diz respeito à visão ampla que percebe a formação do estado de
coisas naquele cenário analisado. Podemos considerar que o panorama revela como
as coisas estão colocadas no momento em que são percebidas.
O panorama nos períodos analisados, tanto o do tempo de
Marighella quanto em nossos dias é o de crise do capitalismo. Então a pergunta
decorre da mesma classe analítica do “reboquismo”, o que vão fazer os
trabalhadores no governo se o capitalismo está em crise? Tirá-lo da crise com
uma composição com a força burguesa perigosa?
A terceira categoria é a ilusão. Verdadeiramente não é
qualquer ilusão, mas com o governo. Essa maneira embaralhada de ver tem origem
ainda nos Jacobinos franceses que inauguraram a denominação, pela colocação
geográfica à esquerda no parlamento. Convenhamos que eles estavam com a razão e
tinham todo o direito de assim denominarem-se, pois, haviam saídos da sangrenta
revolução que legitimara o modo de produção capitalista. Ou seja, os jacobinos
compunham uma força de esquerda com posições contrárias aos girondinos de
direita, mas ambas as posições eram capitalistas.
A ilusão com o governo, que Marighella identificou, vinha
da própria experiência como deputado, quando ajudou a escrever a Constituição
de 1946, mas que foi renegada pelo Golpe de 1964, tal qual ocorreu no ano de
2016. A burguesia como “classe perigosa” rompe com a legalidade que é preciosa
em tempos de crescimento econômico, mas indesejável em tempos de crise. Nas
crises, as garantias dos direitos sociais e políticos representam amarras que
prendem os desejos burgueses, então insurgem-se as forças de esquerda em defesa
da lei e da ordem que antes garantiam a acumulação do capital.
Nos momentos de crise é que surgem as propostas
associativas e de formação de “frentes amplas”. Elas são importantes para
manter a institucionalidade jacobina, mas, a ilusão de vir a ser governo,
impede de que seja percebido que, aquilo que deveria ser provisório torna-se
definitivo e o êxito na disputa eleitoral alcançado pela aliança entre os
trabalhadores e parte das “forças perigosas”, fará com que eles agora assumam a
responsabilidade pela crise do capitalismo, sendo que os únicos culpados por
tal situação são as próprias forças burguesas perigosas.
Por qualquer ângulo que se olhe, medindo os prós e os
contras, se a direita é por natureza uma força perigosa, os trabalhadores não
podem ser por natureza auxiliares e reboquistas dessa classe dominante como se
ela fosse a máquina que arrasta atrás de si um instrumento sem vontade própria.
A liderança de um processo surge quando a força que se
coloca à frente se diferencia das demais pela sua capacidade de formulação e
direção. Não ganha velocidade o reboque que tem à sua frente uma máquina
forjada para rodar lentamente. Que no aniversário de 109 anos de Carlos
Marighella possamos nos dar conta de que, os avisos estão dispostos ao longo do
caminho e, em todos eles o reboque passou controlado pela máquina da
governabilidade capitalista. Já é tempo de pensar na autonomia e na emancipação
da humanidade; para tanto é preciso convencer-se de que não somos jacobinos e
por isso não temos nenhuma responsabilidade em fazer o capitalismo funcionar. O
nosso compromisso é com a transição para o socialismo.
Salve
Carlos Marighella, que nos disse no “Rondó da liberdade”: “Há os que têm
vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão”.
A vida é feita também de escolhas e estas dependem de decisões.
Ademar
Bogo
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