Vem de Aristóteles a primeira constatação de que, o homem ao buscar explicações sobre a própria existência encontrou o próprio reflexo de si mesmo, mais tarde, Karl Marx, quando analisou a religião, em 1843, na esclarecedora Crítica da filosofia do Direito de Hegel disse que “o homem, que na realidade fantástica do céu, onde procurava um super-homem, encontrou apenas o reflexo de si mesmo, já não será tentado a encontrar apenas a aparência de si, o humano, lá onde procura e tem de procurar sua autêntica realidade”.
A realidade fantástica do céu pode
ser entendida como o lugar onde as perguntas mais intrigantes formuladas sobre
o desconhecido, foram respondidas e, a “autêntica realidade” deu-se com o
encontro do Eu consigo mesmo que nada ou pouco mais era do que o reflexo
projetado pelas suas convicções.
O filósofo coreano Byung-Chul Han,
professor na Universidade de Berlin, buscou mostrar em seu livro, “Sociedade do
cansaço” que a sociedade da “disciplina” onde figurava o “sujeito da
obediência” foi substituída pela sociedade do “desempenho” que visa a autonomia
e a produtividade individual. Seria, na verdade, uma superação da negatividade
da proibição pela positividade que persegue o poder do desempenho ilimitado por
meio das próprias motivações. A conclusão alcançada pelo autor é que, se a
“sociedade disciplinar produzia loucos e delinquentes, a “sociedade do
desempenho” gera indivíduos depressivos e fracassados. Lamentavelmente, segundo
Han, “o homem depressivo é aquele animal
laborans que explora a si mesmo e, quiçá deliberadamente, sem qualquer
coação estranha”.
No entanto, se tomarmos como
referência a categoria do “cansaço” e desvendarmos a sua natureza, perceberemos
facilmente que não há uma causa única para as diferentes expressões dos
esgotamentos físicos e emocionais, porque, ao generalizar o cansaço como sendo
da “sociedade” incorremos no erro fantasioso de dizer que “todos os seres
sociais” estão incluídos na “sociedade do desempenho”, próximos de saírem da
coação e da disciplina para entrarem na exaustiva ocupação autônoma e liberal.
A parcela exausta de indivíduos que
encontraram o “reflexo de si mesmos”, está incluída na sociedade destrutiva do
capital e que foi criada na esfera antropológica com características forjadas
para seres imaginários adaptados à seleção tecnológica, lugar onde podem chegar
apenas os ídolos, os gênios, as estrelas e as celebridades. Levam consigo, para
o “mundo fantástico do céu” um reduzido grupo de ignorantes, possuidores de
dinheiro que pagam para que juntos vegetem naquela superioridade insuportável,
muitas vezes amenizado o esgotamento pelo o efeito alucinógeno das drogas. Mas,
a grande maioria da humana não “desempenha”, não se inclui a não ser pelo
consumo dos produtos gerados pelo reflexo daqueles que controlam o mundo
fantástico da alucinação capitalista.
Se o encontro consigo no capitalismo
traz para o indivíduo a “frustração” e a “depressão” que a fama não justifica,
é porque, ao mesmo tempo que o desempenho alcançado deixa para trás sinais da
própria delinquência intelectual, revela tipos de personalidades inúteis para o
melhoramento da humanidade.
É temerário pensarmos que vivemos em
uma sociedade do “desempenho” porque é justamente o processo seletivo que leva
dois terços da humanidade a permanecer na sociedade coercitiva, sobre a qual
vigora um Estado disciplinador, autoritário e exterminador, isto porque, a
grande maioria das pessoas está fora do acesso às mediações que possibilitam
alcançar qualquer nível de desempenho autônomo e satisfatório.
O encontro do sujeito capitalista
com o seu próprio reflexo, propiciado pelas ciência e pela tecnologia, fez com
que ele desnudasse a sua própria capacidade destrutiva e, com isso entendeu a
origem das próprias crenças, quando os deuses puniam, exigiam sacrifícios,
destruíam cidades e criavam pragas ameaçadoras. Desnudo vê-se agora, na
fantástica realidade do sucesso como um super-homem insuportável que, por
milênios de anos tentou projetar em uma figura superior, as virtudes sonhadas
para si.
O cansaço e a exaustão do modo de
produção capitalista promovem o encontro com o homem contemporâneo com a sua
própria obra constituída sobre os mais degradantes paradoxos, como: excesso de
riqueza e de pobreza; fartura e miséria; moralidade do amor ao próximo e
violência; liberdade e igualdade com discriminação; produtividade e devastação,
poluição, envenenamento; acumulação do capital produtivo sobre o trabalho; expansão
do capital fictício sem trabalho, e tantos outros.
A “sociedade do cansaço” ou que
cansou de si mesma e já não se suporta, é o resultado de um projeto civilizatório
desumanizador insuportável. Evoluindo, retrocedeu à brutalidade e ao medo. “O
homem como lobo do homem”, como apregoava Thomas Hobbes, saiu do estado de
natureza e alojou-se em cada esquina para abater a quem se negar a ceder, a
obedecer ou a se igualar nos princípios da moral fascista e exterminadora. O
lobo que ameaça e mata está situado na delinquência organizada, nas empresas de
segurança e no Estado; mas também age como “lobo solitário” na intimidade do
lar com o feminicídio.
A “sociedade do cansaço” é o fim de
uma longa marcha em busca do reflexo projetado por cada geração que culminou na
saturação, engarrafamentos, ociosidade inútil, e perda de perspectivas, fazendo
com que o reflexo do “super-homem” encontrado emitiu a imagem de um rato
amedrontado.
Esse cansaço coletivo, além de
impedir que se queira ir além do reflexo já alcançado também nas causas
populares, impede de pensar sobre a validade das próprias invenções, como por
exemplo: haverá futuro para a sociedade do capital? Para o Estado capitalista?
Para os partidos políticos institucionalizados? Para as religiões
partidarizadas? Para o ensino da mera diplomação? Para a moral refém da
fascistização?
Apesar do cansaço, não há tempo para
descansar, descasaremos durante a própria viagem. Renovar os reflexos para que
eles, agora, não estejam voltados para encontrarmos um “super-homem” mas, para uma
coletividade, cujas atitudes do presente convertam-se em realidade do futuro;
ela não pode ser outra, a não ser o
socialismo. Com ele a civilização capitalista será superada e a humanidade
encontrará a verdadeira realidade.
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