Walter Benjamin, o filósofo alemão
da primeira metade do século passado, ao escrever, com o titulo, “Melancolia de
esquerda”, fez uma análise dos poemas de Erich Kästner e, nos disse que esse
poeta era, por um lado, um insatisfeito e, por outro, um melancólico. E de onde
teria vindo a melancolia? Da rotina. A rotina, para ele, significava abrir mão
da capacidade de sentir nojo.
Mas, a parte mais expressiva e que
talvez nos sirva como indicação, é àquela em que o autor declara que, “o
ativismo conseguiu dar à dialética revolucionária a face indefinida, numa
perspectiva de classe, do senso comum”. Disso aí, provavelmente, Leandro
Konder, o nosso filósofo brasileiro, tenha tirado o título de seu livro: “A derrota
da dialética”. Mas para Benjamin, isso foi como uma “liquidação de estoques na
grande loja da inteligência”. Por isso, a “elite intelectual” ao deparar-se com
o inventário dos sentimentos, percebeu que eles já haviam vendido a preço de
ocasião e, em seus lugares ficaram os lugares vazios. O que sobrou para as
pessoas foram às formas ocas. E concluiu dizendo: “Nunca ninguém se acomodou
tão confortavelmente numa situação tão desconfortável”.
E eis que a melancolia alemã, desde
1919 quando a insurreição operária foi derrotada, como um vento frio e
inesperado, nos atinge nas costas e nos faz buscar abrigo no recinto de cada
lar, sem forças para reagirmos nem dizermos nada a mais do que está sendo dito;
a espera de um salvador, neste caso nem que seja uma vacina que nos livre das
máscaras e possamos nos ver como verdadeiramente somos ou nos transformamos.
Mas, no fundo não é uma vacina
apenas que precisamos para tirarmos a máscara de cada rosto, é de um impulso
que tenha a capacidade de retirar as sujeiras depositadas sobre cada
consciência, que, tal qual as máscaras nas faces, impede que nos reconheçamos
como seres diferentes dos capitalistas e que, a rotina deles não seja a pauta
de nossas discussões.
Se a melancolia identifica o estado de
paralisação, onde está a sua causa? Basicamente no desencanto. Mas ele pode ter
sido criado pela frágil existência do encantamento anterior. Numa rápida viagem
de volta ao passado, facilmente podemos encontrar pelo caminho, pedaços de esperanças
imprestáveis como as borrachas desprendidas dos pneus dos veículos de carga,
que mais mostram os prejuízos do que as razões da viagem.
Esses pedaços de esperanças perdidos
em cada curva do caminho deveriam mostrar para os viajantes, do tempo presente,
quando olharem para frente, que o modo de produção capitalista se compõem de
dois pilares fundamentais: o capital e o Estado. Sabendo disso, poderão se
convencer de que, prometer uma vida melhor para os sofredores acelerando o
capital protegido pelo Estado, é como prometer a cura a um doente terminal,
atacado pelo coronavírus, receitando a malfada Cloroquina.
Aqui podemos comparar a esquerda
dirigente brasileira com um indivíduo, e aplicar o elemento de análise, aquilo
que Freud denominou de “Transtorno narcisista” e que leva o sujeito ao mundo
das idealizações, que se combina com as expectativas mágicas e, por outro lado,
com as decepções. Dentre as várias manifestações do transtorno, destaca-se o da
“identificação” que se dá por meio da “adesividade”. Segundo Zimerman, o
sujeito fica sendo uma “sombra”, um “duplo” de um outro, grudado por imitação,
esvaziando do seu próprio “Eu”. Pode também, vir a desprezar excessivamente os
objetos exteriores com a finalidade de internalizá-los.
Em que sentido podemos aproximar o
sujeito de transtorno narcisista com o comportamento das “esquerdas dirigentes”
hoje? Pelas expressões: conceituais, da linguagem e do comportamento.
Imaginemos um debate entre um indivíduo dirigente de esquerda e outro de
direita, sobre o tema da “Democracia representativa”; teríamos alguma surpresa
na conceituação, na linguagem e no comportamento político? Evidentemente, ambos
defenderiam o “estado de direito”; o funcionamento das instituições; a relação
harmônica entre os poderes etc., entretanto, poderíamos ouvir outras
argumentações sobre o que é justo ou injusto; exemplos ilustrativos de abuso de
poder etc., mas, no fundo, de ambos ouviríamos o essencial: disputar eleições e
oferecer para a sociedade candidatos, a serem eleitos por meio do financiamento
público de campanha.
Mas a imitação não para aí.
Suponhamos que o indivíduo de esquerda e seus aliados, como já aconteceu,
ganhem a eleição. Assumem o governo e se internalizam na estrutura do Estado.
No capitalismo, com o surgimento do Estado capitalista, fortaleceu-se o Direito
positivo e a justiça passou a ser feita “conforme a lei”; logo, o preceito
principal da imitação narcisista, é consultar e obedecer a lei. O que faz a
direita? Enquanto esse governo lhe for útil, respeita-o, quando já não for, golpeia-o.
Se o indivíduo da direita ganha a
eleição, como o vimos em 1918, governará o país, comportando-se segundo o mesmo
transtorno psíquico, ameaçando de um só golpe, fechar o Congresso Nacional e o
Supremo Tribunal Federal; também imporá as reformas que os capitalistas
desejam; desprezará o sujeito de direitos e, receitará, sem autoridade para
tanto, um veneno como remédio para enfrentar a pandemia, testando assim todos
os limites do bom senso, com ministros de Estado avessos à própria civilização.
E o que faz a esquerda? Exige, com falas agressivas, a manutenção do “estado de
direito” e a validação da democracia representativa; o respeito às leis etc. Tudo
aquilo que faz o capitalismo funcionar, sustentando as desigualdades sociais,
sem nunca se perguntar se os explorados viveram a democracia defendida.
É evidente que tais comportamentos
históricos chegam a um esgotamento e, aí, surge a “melancolia coletiva”, nem
tanto por aquilo que se perdeu, mas com o universo imaginado e não alcançado.
Não se pode negar que a população, dos cerca dos 30% que apóiam esse governo
neonazista, não esteja com uma posição mais radicalizada do que o grupo dirigente
que governa, e que frustrará os seus objetivos, por não implantar o regime totalitário
e estabelecer um processo de “vingança política”. Mas esse sentimento de
radicalização, já esteve presente em 70% ou mais da população, quando, pela
primeira vez foi eleito um operário para governar o país. Mas o que fizera o
grupo dirigente? Como se fosse um poder superior à classe e à vontade popular
acomodou-se na imitação narcísica com o processo anterior e, para o qual quer
agora convencer que devemos retornar.
Concluímos que há muitas formas de
levar a óbito a vida e a esperança dos indivíduos e as massas em uma sociedade.
A primeira é oferecendo um veneno como remédio, que, para ingeri-lo o paciente
deve assinar uma declaração que ele aceita correr risco de vida; a segunda é
oferecer a eleição como remédio para curar a epidemia da miséria e da desigualdade
social, levando o indivíduo à urna, fazê-lo assinar e votar, para delegar aos
seus representantes para matarem a sua esperança, mergulhá-lo na melancolia e
na depressão coletiva.
A melancolia social que estamos
vivendo, não se deve apenas ao conjunto de mortes que vemos em cada esquina ou
àquela de repente não vemos mais a imagem do vizinho na janela, mas a desesperança
em relação ao futuro, porque, economicamente e politicamente, o que nos dão
como horizonte, é a volta ao passado. Repetir à imagem ou a sombra de tudo
aquilo que já fomos e passamos. Só a esquerda salva a esquerda, mas é preciso
deixar para trás, a melancolia e as forças dirigentes que a criaram.
Ademar Bogo
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