Na década de 1970, os capitalistas
do mundo inteiro saudaram a chegada da globalização como sendo a decisão mais
refinada da História da civilização e, insurgiram-se como fizeram os burgueses
das revoluções liberais realizadas na Europa, na primeira década do século XIX.
O liberalismo e o neoliberalismo figuraram como modelos inovadores das relações
produtivas, comerciais e especulativas, estas, mais recentemente, lideradas
pelo capital fictício, viciado na valorização do valor por meio de juros e
aplicações acionárias.
O liberalismo do século XIX e a sua
reedição na última metade do século XX, atendendo pelo nome de neoliberalismo,
trouxeram a determinação e o desejo de empurrar o Estado para cuidar de funções
específicas, sem poder para interferir na liberdade dos capitais. A partir
deles, prevaleceu no cenário social, a liberdade do indivíduo produzir qualquer
coisa, sem se importar com os limites da oferta; comercializar, considerando a
ansiedade da procura; consumir sem medir os limites do endividamento; e,
especular sem respeitar os limites de arrecadação dos Estados que se tornaram
reféns das dívidas públicas.
Com tais determinações, nas últimas
décadas, os governos, dos países pobres e ricos, comportaram-se como
verdadeiros negociantes do patrimônio público e entregaram para uma parcela do
capital produtivo, grande parte das riquezas, bens e serviços; ficando
responsáveis pela articulação entre os poderes legislativo e judiciário, para
justificarem e reconhecerem, política e juridicamente as exigências globalizantes
do famigerado modelo neoliberal.
Dessa maneira, em pouco tempo, a visão
cosmopolita dos capitalistas levou, por intermédio da produção, comercialização
e especulação, o capital para todas as partes do mundo, provocando crises estruturais
incontroláveis. Não é exagero afirmar que a humanidade encontra-se neste momento
sob duas ameaças exterminadoras: a globalização com o seu modelo neoliberal e o
Covid–19. Se a primeira limita o acesso ao meio social pelo desemprego,
violência e exclusão do consumo e dos serviços públicos, a segunda, limita pelo
risco da contaminação no contato com os nossos semelhantes. E, as duas medidas
indicadas pelos governantes e capitalistas para a humanidade enfrentar estas
ameaças é: ficar em casa e esperar.
Com o avanço da globalização, as
crises que eram cíclicas e conjunturais passaram a ser estruturais. A diferença
entre uma crise estrutural e as outras tantas que ocorrem conjunturalmente, é
que, enquanto as segundas acomodam-se ou desaparecem depois de certo tempo; a
primeira permanece e, somente deixa de existir se houver mudanças na própria
estrutura de sua formação, para que, a parte ruim seja superada e deixada para
trás.
Não sabemos quanto tempo, a infecção
do Covid-19 durará e quantas vítimas enviará aos cemitérios do mundo. O que
sabemos é que a pandemia se reproduz socialmente e que, somente é possível
diminuir os seus impactos, com organização social, disciplina e presença
eficiente do Estado, tudo o que o individualismo neoliberal fez desaparecer ou
enfraqueceu. Neste sentido, é importante prestar atenção no comportamento dos
governantes, responsáveis por liderarem a superação das crises; a quem
procurarão salvar por primeiro: os indivíduos doentes ou as empresas aéreas, os
Bancos e o capital especulativo?
Já é comum encontrar nos textos escritos
por estudiosos do capitalismo, que a quantidade de mortes geradas pelo Covid-19,
não preocupam os estrategistas que encarnam o capital. Para eles, preocupam os
danos do mercado acionário, os lucros e a valorização do valor do capital e,
acima de tudo, adeptos da teoria de Malthus, expõem que as causas da crise,
localizam-se no crescimento exagerado da população e no aumento da expectativa
de vida de vida dos idosos. Por isso, para eles, o Covid-19 atingindo as
gerações mais velhas, improdutivas e causadoras do déficit previdenciário,
trará alivio e renovação na oferta da força de trabalho e equilíbrio nas contas
públicas.
Independentemente dos capitalistas e
de suas opiniões, o certo é que, a pandemia, na medida em que formos produzindo
anticorpos, o Covid-19 passa a causar os efeitos que os demais vírus da mesma
família vêm causando, podendo ser eliminado ou, pelo menos controlado por
intermédio, provavelmente de uma vacina específica. O que não há perspectiva de
solução é a crise das diferentes formas de capital que já evoluiu para uma
crise permanente da civilização, entrando já na linha da barbárie social.
Para explicar de maneira simplificada
este diagnóstico, digamos que o capital ramificou-se afirmando-se sobre dois
pilares. O primeiro sustenta diretamente a produção, a circulação, a troca e o consumo
de mercadorias. Esse capital, ou essas formas de capitais particulares, atuam
na busca da reprodução centrada na exploração e acumulação e, em grande medida,
dimensionam o Produto interno Bruto – PIB – que, na atualidade, somando tudo
aquilo que se produz em um ano no mundo, alcança aproximadamente US$ 70 trilhões
de dólares. O segundo pilar é represento pelo capital parasitário e sustenta a
especulação. Essa forma particular de capital visa a sua reprodução por meio de
juros, rendimento no mercado de ações ou na compra de títulos da dívida
pública. É importante considerar que, em muitos casos são os mesmos
capitalistas que atuam nos dois sentidos, isto porque, na medida em que os
rendimentos do capital produtivo não podem mais retornarem à produção, os
capitalistas deslocam o excedente para a especulação, por isso, esse capital
fictício ultrapassou os resultados do capital produtivo em quase 10 vezes, aproximando-se
de US$ 700 trilhões de dólares que circula pelo mundo sem ter o que comprar.
Em termos de perspectivas, duas são as
consequências a serem consideradas. As economias globalizadas após saturarem os
mercados, impuseram a crise mundial de crescimento e, em todos os países, as
taxas pífias já se assemelham, oscilando entre zero e 2%, com exceção de alguns
países da Ásia como índia e a China. Isso se deve ao liberalismo produtivo,
impulsionado também pelas novas tecnologias que aprofundaram a crise de
subconsumo, seja pelo excesso de oferta de mercadorias, aumento do desemprego
ou pelo endividamento da população agora inadimplente. A lógica é de fácil
entendimento: na medida em que sobram produtos, a indústria desemprega e os
desempregados que antes consumiam, deixam de consumir e, a população que teve
acesso aos crediários, não podendo pagar as suas dívidas, desaparece das
compras; dessa forma, o poder da estabilização econômica e social creditada à
força do mercado, já não acontece.
A segunda consequência diz respeito
à dívida pública que, somando o que os países devem para os capitalistas
especuladores, chega a US$ 253 trilhões de dólares. Apenas para lembrar, acima
dissemos que a soma do PIB mundial chega a US$ 70 bilhões de dólares. O valor
dessa dívida pública brasileira atingiu R$ 4.248 trilhões de reais, sendo que o
produto Interno bruto chega a R$ 7,2 trilhões de reais, mais da metade do que
produzimos em um ano estaria comprometido se o montante da dívida fosse paga.
No entanto, como apenas os juros decorrentes dela são pagos, R$ 350 bilhões de
reais sairá do orçamento da União para
quitar os juros da dívida em 2020.
É no montante da dívida pública que
se insere o capital especulativo. Esse capital vem exigindo reformas que visam
diminuir os gastos governamentais com outras despesas, como previdência, saúde,
educação e outros serviços, para garantir o pagamento desses juros da dívida.
E, em busca de ludibriar as populações, os governos mentem dizendo que as
reformas irão “trazer melhorias”. No Brasil, já ouvimos que as reformas
trabalhista e da previdência aumentariam a oferta de empregos, nada disso
aconteceu. A estimativa de crescimento para este ano de 2020 está próxima de
zero. Agora, a atenção se volta para a reforma tributária e a reforma política,
que, por mais que sejam importantes, não respondem aos dilemas econômicos e
sociais, porque a crise do capitalismo é estrutural; as reformas apenas manejam
as despesas para garantir o pagamento das dívidas aos credores parasitários e
para subsidiar os capitalistas que não suportam ter perdas econômicas.
Por sua vez, sentido a insegurança
no mercado de ações, o capital fictício de US$ 700 trilhões de dólares, cuja
metade está aplicado nas dívidas públicas, a outra metade gera ainda mais
instabilidade econômica, porque, ao migrar para os investimentos que materializam
o valor como o ouro e principalmente o dólar, obrigam os governos a gastarem,
quase sempre sem sucesso, as suas reservas para enfrentarem também esse tipo de
especulação.
Por fim, com a globalização e a
pandemia do Covid-19 ficou evidente, para quem quiser compreender a relação
intima que há entre o Estado capitalista e o capital. Desde a década de 1970
que os registros escritos mostram, que os capitalistas tornaram-se adeptos das
privatizações, defensores da ideia de que o Estado precisava ficar fora dos
investimentos econômicos e entregar para a iniciativa privada a maior parte do
serviços. Em outras palavras, eles sempre defenderam que era preciso entregar a
eles, os resultados econômicos obtidos no período keynesiano, iniciado logo
após a crise de 1929, quando os estados assumiram a responsabilidade de fazer
as economias crescerem.
Agora, após terem dilapidado o
patrimônio público e incapazes de reverterem a crise de crescimento, os
capitalistas recorrem ao Estado para que ele repasse, na forma de créditos e subsídios
ou recompre as empresas que foram privatizadas por meio da “poupança pública”,
mesmo que isto afronte os direitos sociais adquiridos em épocas passadas. Apenas
dois exemplos, na Itália no mês de fevereiro desse ano, já fazia 17 meses que
as atividades industriais estavam em declínio; o governo italiano anunciou a
injeção de 3,6 bilhões Euros na economia. No Brasil, há poucos dias, apesar de
todos os contingenciamentos de gastos, o governo anunciou a liberação de R$
147,3 bilhões de reais, além de prometer socorrer as empresas aéreas e outras
“áreas necessitadas” ameaçadas de falência.
O momento é difícil, mas
esperançoso. Há sinais positivos mostrando que na essência humana existe uma
enorme reserva de solidariedade e de preocupação com vida alheia. Aos poucos,
como sempre ocorreu na História, as respostas tenderão a surgir para superar os
modelos econômicos egoístas e os projetos políticos irresponsáveis e populistas; com a consciência universal de que, as
consequências futuras devem ser combatidas nas causas do presente, a humanidade
seguirá em frente.
Ademar Bogo
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