Todas as explicações apresentadas pelos
analistas e governantes sobre os dilemas atuais, caracterizam, na maioria das
vezes como a existência de uma “crise econômica”, na verdade trata-se de uma
“crise do capital”. Qual é a diferença? Enquanto a primeira poderia ser
revertida com alguns acertos entre o movimento da produção, circulação, troca e
consumo, a segunda, devido ao excesso de capital especulativo, impede que os
instrumentos criados para facilitar as intervenções do Estado, por meio das
políticas dos Bancos Centrais que, até certo ponto administravam as crises,
tornaram-se insuficiente para pôr em ordem a desordem criada por esse tipo de
capital. Delineando mais especificamente os dois tipos de crise, enquanto a
econômica acontece por causa da superprodução ou do subconsumo, a crise do
capital acontece pela superacumulação.
De imediato podemos perceber a gravidade
do momento histórico em que vivemos. Para solucionar a crise econômica,
bastaria aplicar as receitas já experimentadas no passado, que giraram em torno
de investimentos; abertura de novos mercados; facilitação de créditos e até
mesmo a guerra como forma de destruir mercadorias. Por outro lado, essas
medidas não se encaixam para resolver a crise do capital, isto porque, a sobreacumulação
financeira precisa continuar crescendo por meio da especulação e, esse
movimento que comanda as dívidas públicas, impede que os Estados atuem ao mesmo
tempo em que o mercado do “capital fictício” aplicado nas bolsas e outras
formas de juro, visando a capitalização por meio da renda do sobrevalor, já não
se sustenta.
Os dados nos mostram cotidianamente que
o capital produtivo já não consegue acompanhar a capitalização alcançada pelo
sobrevalor especulativo, pois, enquanto o primeiro representa aproximadamente,
somando a Produto Interno Bruto – PIB - de todos os países $ 70 trilhões de
dólares, o outro capital, o fictício, que circula sem ter base material de sustentação,
reproduzindo-se pela especulação, já alcança a cifra de $ 700 trilhões de
dólares. Temos então no mundo, 10 vezes mais dinheiro do que mercadorias. Este
capital circulante é o responsável pela crise mundial que segue as suas próprias
leis, tornando-se assim, incontrolável.
Karl Marx já havia percebido no seu
tempo, por volta de 1870, que o sistema de crédito e os instrumentos que gera
para si mesmo (dinheiro, crédito, etc.) está fora de nosso alcance. Se esse
sistema já era intocável naquela época, o que dizer de hoje que as transações
são feitas por supercomputadores que agilizam os deslocamentos das aplicações
em frações de segundo.
Esse funcionamento acelerado da
especulação financeira ganhou ainda mais importância com a implementação da
“globalização”, raramente percebida. Nos acostumamos a ver a globalização pelos
seus aspectos concretos, no entanto, quem de fato se impõem e provoca as crises
contemporâneas, é esse “forma abstrata” de capital que interage para além das fronteiras, com a
mesma naturalidade de quem vai ao caixa eletrônico sacar dinheiro e encontra
ali apenas uma máquina disponível, livre para fazer qualquer operação, sem ter
sequer por perto nenhum funcionário.
Na medida emque, com a facilitação do
sistema globalizado, a partir de 1970, o capital produtivo pôde se estabelecer
em todas as partes do mundo, confirmando a natureza cosmopolita da burguesia,
as próprias empresas capitalistas, ao obterem seus lucros, devido à saturação
dos mercados e o endividamento dos consumidores, passaram a investir o excedente
de capital na especulação, e ficaram subordinados a ela. Sobressai, portanto,
sobre o sistema produtivo, a lógica especulativa que atua nos mercados mundiais,
acelerando a concorrência para assegurar os ganhos na produção e também na
especulação. Nesse sentido, é de fácil constatação os motivos do uso da
política para punir, boicotar, taxar os resultados do capital produtivo
fortalecendo a concorrência entre as superpotências; enquanto em outro plano
circula a especulação, aumentando a dívida dos governos, esvazia as reservas
financeiras e obriga pôr em circulação bens públicos e riquezas naturais, para
que os capitais abocanhem o alimento e permita a reprodução.
Nessas disputas são utilizados todos os
instrumentos que atuam em pontos direcionados, com sanções econômicas e
políticas, referendadas pelas formulações jurídicas, ou por meio de ameaças e
intervenções militares ou mesmo com artefatos biológicos criando epidemias que
visam enfraquecer setores competitivos.
De outro lado, entendemos que o
capitalismo, com a globalização, que inicialmente foi um respiro para as crises
a partir de 1970, devido a superacumulação de capital, há pelo menos quatro
décadas, entrou na fase destrutiva de si mesmo. Do lado do capital produtivo,
não há como crescer mais a taxas elevadas, isto porque, o poder de consumo da
humanidade também atinge os seus limites, resta a salvação da especulação, mas
essa, pela própria composição não tem sustentação e é obrigada a forjar as
próprias instabilidades como forma de sobrevivência.
Por essa razão é que ficam mais
evidentes as transformações políticas. Não é por acidente, nem por “má
administração” das esquerdas que as forças de extrema direita, em muitos
países, principalmente naqueles em que ainda há o que expropriar, tomaram os
governos. O capital em crise exige que os governo atuem a seu favor, em
detrimento dos direitos da população e, se necessário, que hajam com violência,
combatendo todo e qualquer tipo de ameaça.
O alerta da História é de que as
soluções, como sempre foram, estão na capacidade política e organizativa das
forças sociais. Mas a política voltada para as meras mudanças conjunturais,
esgota-se nos pleitos eleitorais e nada transforma, o resultado são os
retrocessos posteriores. A verdadeira política segue as transformações estruturais.
O capital especulativo é a grande força de dominação mundial, mas é invisível,
não há como combatê-lo corpo a corpo. Para enfrentá-lo deve-se cortar o
alimento que o mantém vivo. Portanto, um projeto de poder, não se confunde com
as disputas para chegar ao governo; deve primar pelo ataque à acumulação e
reprodução do capital. Estando em crise, ele, naturalmente ficará cada vez mais
violento, mas também deixará à mostra as suas fragilidades. É preciso estar
atentos para atacá-las.
Ademar Bogo
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