Se a República brasileira fosse
comparada a uma pessoa, teria órgãos, membros, nome e identidade. Poderíamos
dizer então, que ela anda sustentada por duas pernas: a do capital e a perna do
Estado. Do lado do capital, aquilo que o mantém em pé, é a especulação,
garantida pelas altas taxas de juros e os subsídios. De outro lado, temos os
três poderes, executivo, legislativo e judiciário, com todas as instituições,
que compõem o Estado capitalista, sustenta-se através de impostos. Como se
fosse uma doença na circulação sanguínea, nenhum dos poderes escapa da
corrupção e ao favorecimento a indivíduos, grupos e classe dominante. O poder
tornou-se o espaço da articulação de quadrilhas engravatadas, que já não se
preocupam em enviar o dinheiro roubado para fora do país, mas o fazem circular
em malas e caixas rústicas de papelão, como se nada de importância contivessem.
O entendimento entre as duas pernas,
naturalmente, formam os passos e, ao andar, as contradições são despistadas
pelo caminho. Na medida em que uma perna não suporta o peso do corpo para a
outra se mover, todos os defeitos lhes são descobertos.
Mas não é tudo. O capitalismo não é
um governo ou um modelo administrativo, é um modo de produção universal que já
não tem respostas para os próprios problemas criados por ele, como é o caso das
avançadas descobertas na área da tecnologia, que cumpre a função de acelerar a
produção, mas que desemprega a força de trabalho e cria indigestão no mercado
onde os produtos deixam de ser digeridos.
As ondas de geração de emprego em
massa, geralmente ocorrem em áreas de serviços, mas essas áreas precisam de
financiamento público, como é o caso da construção civil, bastante reduzida
atualmente; na agricultura ou em atividades educacionais e de assistência à
saúde quando uma quantidade de profissionais são contratados por meio de
concursos públicos, porque antes houve investimento em infraestrutura. Nenhuma
dessas possibilidades está na linha do modelo neoliberal. Essa perna, cheia de
feridas foi engessada pelos poderes da República e, para os próximos 20 anos os
gastos estão congelados.
Do ponto de vista da indústria, a
perspectiva também não é favorável. A iniciativa assegurada pela globalização
levou o capital produtivo para todos os lugares da terra e, ajudado pela
tecnologia, saturou o mercado que já não há como fazer circular novos produtos,
devido à incapacidade dos próprios consumidores de contraírem novas dívidas. Os
dados mostram que 57,1% das famílias brasileiras estão endividadas, sendo que
77,7% delas, a dívida contraída é pelo uso cartão de crédito, que chega a
cobrar 468,8% de juros ao ano. Do mesmo modo, cresce a dívida pública que pode
chegar este ano a R$ 3.650 trilhões de reais, representando 74% do Produto
Interno Bruto – PIB – Isto faz com que o governo gaste em torno de 47% de tudo
o que arrecada para pagar os juros, que não são os da caderneta de poupança, de
0,55%, mas de até 1,2% ao mês, passando, portanto, de 15% ao ano.
Nesta perspectiva não há solução nem
para o povo brasileiro, nem para o país, isto porque, o capital continuará se
alimentando das altas taxas de juros e o governo empenhará esforços para reduzir
os gastos, retirando direitos constitucionais dos trabalhadores por meio das
reformas.
Ao povo brasileiro cabem duas
saídas: acomodar-se em meio à situação a espera da reforma política e das
eleições de 2018, alimentando a crença de que é pelo voto que se resolvem as
contradições estruturais do capitalismo. A outra saída é conscientizar-se de
que, sustentados pelas duas pernas carcomidas, o capital e o Estado, não haverá
democracia e nem liberdade. A República precisa de novas pernas e de novo
fôlego para seguir em frente. Isto não será possível se não democratizarmos o
capital e superarmos o Estado atual. É uma tarefa gigantesca, mas bem menor do
que todo sacrifício que as gerações futuras terão que fazer se nada fizermos
agora.
Ademar Bogo. Filósofo, agricultor
e escritor.
Existe uma coluna vertebral que articula membros e um sistema cerebelo-vestibular que são fundamentais para o funcionamento das pernas. Analogamente , os países organizam-se em projetos nacionais que viabilizam ou não o acumulo de capital. O capitalismo é um sistema internacional , mas se realiza historicamente em espaços nacionais. Sugiro ao autor a leitura do livro "Chutando a escada " de Chang ha Joon. Capitalistas ou socialistas , as nações que alcançam desenvolvimento econômico , o fazem no âmbito de um projeto de nação .Tal projeto , nós brasileiros não construímos , o que está em curso é o projeto das elites- entrega de uma vez antes que o povo perceba o dano...
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