É de Santo Agostinho a expressividade desta frase: “Afastada
a justiça, que são, na verdade, os reinos senão grandes quadrilhas de ladrões?
Que é que são, na verdade, as quadrilhas de ladrões senão pequenos reinos?”
Pouco cabe acrescentar a esse enunciado, a não ser que se
queira identificar em que redutos habitam as quadrilhas e que, supostamente,
nem a instituição da “delação” que passou legalmente a se chamar “colaboração
premiada” conseguirá desvendar.
Aliás, a “delação” entre as forças revolucionárias sempre
foi considerada uma traição, mais propriamente, uma demonstração de fraqueza de
indivíduos que desistiam da luta política e passavam para o lado os inimigos.
Nas sessões de tortura era outra a situação. Alguns presos políticos acabavam
revelando certos detalhes que auxiliavam o lado fraco da investigação, de
conseguir, por meios ilegais, as informações desejadas. Isso não garantia
privilégio algum e o torturado continuava na cadeia convivendo dia após dia com
os torturadores. A “delação” ali era vista como uma fraqueza, mas não como uma
traição; quem não a fizesse morria. E muitos morreram. Agora, a delação é uma premiação, vista como uma
virtude, abençoada pelo poder judiciário; quem a faz não apenas vive, vive em
abundância.
De uns tempos para cá, as coisas mudaram bastante no que
diz respeito aos conceitos de crime e justiça. As quadrilhas descobriram que a
delação premia quem executa o crime e prende alguns mandantes, isto se as influências
dos mesmos não tiverem chegado aos espaços das decisões, onde eles se protegem
no “reino das quadrilhas” instaladas no Congresso Nacional e no Poder
Executivo, prioritariamente.
Diante das denúncias e escândalos, os números pouco
representam e os dados já não assustam mais a população que já não espera
resultados surpreendentes. Não espera e tem razão. Em se tratando daqueles que
governam, é importante recordar que a probabilidade de condenação dos
promotores da corrupção do dinheiro público, é muito pequena; isto porque, se
os empresários delatores, responsáveis pela organização dos esquemas de desvios
são beneficiados com a “colaboração premiada” e, no meio parlamentar, os
próprios denunciados são os responsáveis para acatarem ou não as denúncias; somando
com o direito à imunidade que possuem e outras artimanhas, no máximo podem ter
que fazer uso domiciliar de tornozeleiras eletrônicas. As celas dos cárceres
continuam mesmo reservadas para os pretos, pobres e alguns políticos incômodos.
As revelações sejam elas vindas dos colaboradores, ou
mesmo, as informações oficialmente divulgadas, dão conta que mais de duas
centenas de deputados estão citados na lista da corrupção. Ao constituir o seu
governo, o presidente da República, recentemente salvo de ir a julgamento pela
Câmara dos Deputados, ao constituir o seu governo, dos 24 ministros nomeados,
15 deles já eram denunciados por desvios de dinheiro público.
As mudanças de postura e responsabilidade são deveras
significativas. No passado, políticos e criminosos procurados pela justiça,
fugiam para fora do país e, de lá só retornavam se fossem descobertos. Agora, o
governo tornou-se um belo esconderijo. Aliás, esconder em latim, “obscondo”, significa, acobertar, nada
mais adequado para aqueles que com uma simples nomeação entram para a sala da
“imunidade” e de lá comandam como se fossem portadores de toda a idoneidade do
mundo.
Temos, por outro lado, o silêncio das ruas que contribui
decisivamente para que os acordos entre delatores e criminosos sejam efetivados
no reino da impunidade. Vimos que o princípio de que, “não há justiça sem lei”,
é falho, porque as leis existem e, por terem sido feitas em um tempo em que a
pressão popular exigia soluções, quando ameaçam são sem vergonha reformadas.
Mas o princípio da reação popular é eterno, e não há poder maior que ele, pois
até as constituições reconhecem que “todo poder emana do povo”.
O que temos na prática de concreto? O funeral da morte
dos partidos políticos. Enquanto segue o enterro do formato dos partidos, que
se estruturaram sobre as filiações, os cabos eleitorais, as candidaturas e os
mandatos, as massas populares, tomadas pela descrença, não sabem para onde ir. O
partido que tome o povo como parte, participante, há tempo já não vemos. Mas
ele nascerá, quando o povo entender que as quadrilhas que formam os pequenos
reinos, devem ser julgadas em praça pública. Da praça pública, renascerá a
República.
Ademar Bogo. Filósofo e escritor.
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