O filósofo Nietzsche descreve “a
morte de Deus”, quando retoma as práticas de Diógenes de Sínope, aquele que
saia às ruas com uma lanterna em plena luz do dia a procura de um “homem” ou
de “Deus”. Como havia ali muitos que não acreditavam em Deus, explica o
filósofo, as perguntas provocavam apenas risos. Para onde teria ido Deus,
quando desapareceu? “Nós o matamos – vocês e eu”. Portanto, somos todos os seus
assassinos; é a conclusão que chegam esses pensadores.
De lá para cá as questões
particulares ficaram abertas e podem ser reaproveitas: “como conseguimos fazer
isso?”; “como conseguimos esvaziar o mar?”; “quem nos deu uma esponja para
apagar o horizonte?” e, “para onde vamos agora?”.
É evidente que certos dilemas foram
acomodados com o tempo e, a morte de Deus, já não afeta as conversas cotidianas.
Novos dilemas surgiram, um deles, tão poderoso quanto o poder criador da
divindade, é este que atualmente denomina-se: “a morte da política”.
A direita nas últimas eleições
declarou que “a política está morta”. Considerando os desgastes tradicionais,
para facilitar as disputas, mostrou, em muitos lugares, que os candidatos não
eram políticos, apenas técnicos administrativos.
A pergunta que agora ecoa é como
conseguiram fazer isso? E se quisermos nos incluir no núcleo dos culpados,
devemos responder com outra pergunta, a parte que nos toca: como permitimos
que fizessem isso?
Sempre tivemos em nossas crenças
mundanas, que a política é o instrumento para extirparmos todos os males da
sociedade. Karl Marx já nos havia dito que, o poder político faz parte desses males
porque se relaciona diretamente com o Estado e, preservando o Estado,
preserva-se o poder político. Por isso, quem pode e deve morrer é a forma de poder
político, não a política. Mas os capitalistas fingem matar a política para salvarem o Estado.
Nesse caso, a mentira espalhada
sobre “a morte da política”, para os sujeitos políticos, é a mesma mentira
contada para os cristãos sobre a morte de Deus. As forças de direita em busca
de salvar o poder político e o Estado, matam a importância da participação e a
organização partidária. Daí tudo começa a ser “sem partido”: as eleições, a
educação, a propaganda midiática etc.
Podemos ainda perguntar: por que os
cristãos permitiram “a morte de Deus” e as forças de esquerda, “a morte da
política”? Pela simples razão de não atuarem em seu próprio favor. Mas isto
ninguém quer admitir. Talvez Nietzsche tenha razão ao dizer que: “as
explicações místicas são consideradas profundas; na realidade, é preciso ainda
muito para que elas cheguem a ser superficiais”. Então poderemos ver coisas
inimagináveis, como esta em que o cientista político esloveno Zizek, tido como “marxista”,
ao ser perguntado em quem votaria nas eleições nos Estados Unidos, respondeu
friamente: “Trump”. Ou seja, em termos de superficialidade, muitas considerações mitológicas ainda virão à tona..
Podemos dizer que as forças de
direita conseguiram desqualificar a participação política oferecendo-nos, junto
com as disputas eleitorais, a esponja para apagarmos o horizonte do socialismo.
Com a esponja na mão começamos por apagar as classes sociais e a querer
“governar para todos”. Foi bom. O Estado que sustenta o poder político,
cresceu; as políticas públicas foram ampliadas; os juros altos favoreceram os
credores e os créditos os gastadores.
Com o horizonte apagado, os ricos
ficaram mais ricos e os pobres mais beneficiados. Mas é evidente que, para um
ganhar, outros têm que perder. Na crise, como na noite, “todos os gatos são
pardos”, menos aqueles que ficam próximos da luz. Os capitalistas, iluminados, decidiram retomar
o Estado e deixá-lo do tamanho do modelo neoliberal do final do século passado.
Agora, após o susto, percebemos que
não somos todos iguais. Vimos que as políticas públicas e os direitos públicos
sustentam-se por meio do confisco da riqueza que, no capitalismo, está acumulada
na forma: mercadoria, dinheiro e capital. Só impostos normais não funciona.
Se aquela forma ingênua de fazer
política está morta, a nova política está viva; o que falta é ter a coragem de
repintar o horizonte desbotado e queimar todas as esponjas que ameacem apagá-lo. Como se faz isto? Unificando as
ideias e as forças em nome da verdade.
Ademar
Bogo. Filósofo, escritor e agricultor.
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