domingo, 9 de junho de 2024

A ECOSSUBSTÂNCIA E A ÉTICA DE SPINOZA


                Baruch Spinoza em seu livro “Ética”, defende que o universo, incluindo Deus é composto por uma única substância. “Uma substância absolutamente infinita é indivisível”.[1] Por sua vez essa substância também considerada como natureza apresenta-se de diferentes formas expressas em corpos e coisas e, cada uma dessas coisas, compostas por seus elementos específicos, recebe atributos que são os seus componentes físicos, instintos, inteligência e as expressões estéticas diferenciadas.

                O entendimento de que há uma unidade estreita entre tudo e no ecossistema a vida, imanente nos seres movimenta e reproduz os corpos finitos, está o entendimento ético da unidade das formas substanciais oriundas da mesma origem. Voltar a Spinoza (1632-1677), hoje, não é apenas uma visitação a um tipo de filosofia nascente do racionalismo, mas entender que a importância dada ao homem, enquanto um ser superior, tem a sua existência comprometida se as demais espécies não o fizerem acreditar que ele deve converter os interesses privados em princípios solidários capazes de orientarem e darem à civilização uma direção correta.

                Quando atualizamos os conceitos vemos que as ideias aproximam os tempos pela sequência dos atos e, apesar das inovações tecnológicas, permanecem totais unidades na substância infinita do universo, presente em suas formas coordenadas pela natureza finita, assim sendo a Res extensa (extensão de cada corpo), não é um acidente, mas um direito a existir e a ocupar um lugar no espaço.

Nesses tempos de decadência do capitalismo, as crises setoriais são expressões de um todo comprometido pela deterioração das sustentações econômicas, políticas, culturais, religiosas e ideológicas. Por outro lado, surgem as filosofias salvacionistas de que o homem pode concertar e colocar todas as espécies em acordo, sem retirar de funcionamento as suas invenções dominantes. A ética nos convida a compreender que a natureza é o destino da natureza e não o homem ou a tecnologia. O homem, conforme Thomas Hobbes é o “lobo do homem”. Deixar que a natureza se recomponha é também uma forma de reconhecer o poder recriador da substância.

Mas eis que surge a excitação de plantar árvores em enormes quantidades; essas iniciativas encaixam-se em duas categorias de análise: a primeira, diz respeito à tradição do reconhecimento culposo iniciado no pecado original cristão. Considerando que a diminuição do dano é a penitência, surge ela como o reconhecido castigo a receber por termos tocado demasiadamente nas florestas, por isso agora o trabalho de recompô-las. A segunda, está ligada a avareza mercantil, cujo interesse financeiro, promete recompensar com “créditos de carbono”, quem refizer ou preservar as florestas.

                Temos como certo que existe a expansão como uma lei tendencial do capital, e que, por isso, ele vai a todos os lugares propícios para a sua reprodução; nesse sentido, as catástrofes lhes são benéficas. A natureza tem força de se regenerar por si mesma, basta deixar em paz os territórios onde as formas corporais com seus atributos possam existir. A pressa de ver as árvores crescidas para mercantilizar os “créditos de carbono”, coordenados pelos Bancos, com o objetivo de “sequestrar carbono” pode se converter num grande mal. A tentativa  de retirar da atmosfera os gases inadequados produzindo mais gases,  significa, por um lado, o sequestro dos territórios dos países pobres, com partes transformadas em santuários intocáveis, simplesmente para que os ricos purguem as culpas, por terem poluído o planeta e, por outro lado, com esses contratos, impõem o domínio sobre a soberania como verdadeiros proprietários das florestas intactas, rodeadas de pobres que, pouco o quase nada contribuíram para  o atual estado de crise ambiental; enquanto os países ricos continuam com as suas matrizes produtivas poluidoras. Isso também ocorrerá com a implantação de sistemas de energia limpa, eólica e solar, pois nos lugares instaladas essas estruturas o domínio territorial é total.

                Sem uma postura crítica dos sujeitos sociais envolvidos nessas políticas rentistas, as soluções encontradas pelos estudiosos para despoluir o planeta, são, apesar da materialidade capitalista, metafísicas, ilusórias por estarem isoladas umas das outras, sem nunca se preocuparem com as mudanças estruturais, nem com os hábitos comportamentais no consumo de mercadorias, ou com o planejamento produtivo. Há estudos reveladores que o gás metano (CH4) produzido pelos animais ruminantes, é 21 vezes mais ofensivo do que o dióxido de carbono (CO2); mas continuam incentivando e subsidiando o agronegócio para produzir e exportar carne. Evidentemente as frotas de veículos motorizados são maiores que os rebanhos, por isso ambas são prejudiciais ao planeta. Mas vejamos, se o contraponto ecológico responde com esses dados comparativos. Um ruminante produz até 120kg de gás metano por ano, enquanto que uma árvore, retém, em média 22 Kg do mesmo gás, impedindo que ele vá para a atmosfera. Isto significa que antes de alguém pensar em criar uma cabeça de gado deveria verificar, se no ambiente próximo há, pelo menos, 6 árvores adultas preservadas, caso elas não existam, é preciso plantá-las.

                Quando se pensa na pecuária brasileira, adorada por todos os governantes, sem exceção, o processo em andamento é invertido, pois, primeiramente eliminam as florestas, com ajuda de incêndios, venenos desfolhantes, para que, no lugar germinem as pastagens. Portanto, os países ricos, além de poluírem o planeta com as suas indústrias, também responsabilizam os países pobres para produzirem a carne que eles consomem, contribuindo duplamente pelo agravamento da crise ambiental.

                A consciência ecológica não pode ser formada apenas voltada para as florestas, deve, principalmente, integrar a organização da luta de classes, isto porque, há duas forças imanentes a serem consideradas: a primeira é aquela vista por Spinoza demonstrando haver na natureza a energia motora viva que a faz permanecer os movimentos reprodutivo e, a segunda, indicada por Karl Marx, que, “O capitalista só possui um valor perante a história e o direito histórico à existência enquanto funciona personificando o capital”.[2] Ou seja, temos a força da vida e a força do capital. A primeira está na reprodução natural e na organização política dos pobres para garanti-la, a segunda está no capital corporificada nos capitalistas ricos. Esta contradição é irreconciliável. Uma das duas perderá para a outra vencer.  

                Nesse sentido, podemos encontrar diferenças nas relações entre as espécies diversas e o ser humano, em duas direções: a primeira é esta de que somente o homem pode encarnar o capital e ajuda-lo a ir aos pontos adequado para a sua reprodução e, a segunda, está na composição elementar das células. Quando comparamos os elementos químicos das células humanas, encontramos, grosso modo, cinco elementos: carbono, hidrogênio, nitrogênio, cálcio e fósforo; eles representam, segundo a visão de Spinoza, os atributos dessa substância finita. Por outro lado, os alimentos que contém ferro, potássio, cobre, zinco, selênio, fundamentais para manter esta espécie viva, nenhum deles estão no corpo humano, são atributos, contidos em diversos alimentos ou em apenas uma espécie que são as larvas. Ou seja, se ingerimos ovos, carnes, frutas e farinhas é porque o nosso organismo é pobre nessas imanências, as larvas são superiores ao capitalista, que apenas pensa ser superior porque encarna o capital.

                O entendimento de que há uma “ecossubstância” a ser encarada, nos chama para incluirmos a política nas causas ecológicas e, em primeiro lugar, estendermos o conflito direcionando-o contra as mediações destrutivas que estão representadas, pelo capital, o Estado, o mercado, a propriedade privada e as ideias ideologizadas. Em segundo lugar, investir na formação da consciência social em vista da transformação social e, em terceiro, enfrentar o desafio da educação do povo para a formação de uma nova cultura.

                Há de se retomar a luta para a superação do capitalismo e, dentro disso incluir todas as formas de lutas, ao mesmo tempo em que se intensifica a retomada do associativismo, promotor do ressurgimento de coletividades; desse modo, evoluiremos para a prática da moral revolucionária que emancipa as pessoas da ignorância, do medo do juízo final e do comodismo alienado.

                                                                                                              Ademar Bogo



[1] SPINOZA, Baruch. Ética. p. 7

[2] MARX, Karl, O capital: Crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996, p. 688.

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