Antes
de tudo, é importante decifrar o sentido do verbo “jogar”. No aspecto
transitivo, significa “executar diversas combinações”; “jogar com a sorte”, é
apostar. “Jogar para cima”, é se revoltar. “Jogar confete”, é exaltar”; “jogar
a última cartada”, é arriscar.
O
jogo do jogo é saber jogar. Por isso é preciso conhecer as regras; apesar delas
serem apenas parâmetros orientadores, explicitadoras dos limites e asseguradoras
do processo do início ao fim. Além das regras, cada jogo tem técnicas e, acima
delas está a arte. Sem regras, sem técnicas e sem arte, não há jogo, há apenas
movimentos perigosos sustentados pelos instintos.
O
filósofo Nietzsche ao observar a decadência da existência humana vista como um
jogo, buscou responder a questão sobre a sociedade a qual vegetava sem sentido,
sem finalidade e sem verdade. Para ele, diante do incontrolável, arma-se sempre
um cenário para jogar com a razão confundindo-a com loucura. O “inútil” passa
ser o ideal e sonhar um modo de jogar. A embriaguez de Dionísio, o deus do
vinho, representou, na antiguidade, a forma mais adequada para a prática do jogo
entre o real e a fantasia, no final, o resultado pretendido era o próprio
autoesquecimento.
Importante
é perceber que, embriagados com vinho ou com mentiras, o jogo sempre é uma luta
para o vir a ser de uma representação; ou também uma busca pelo desejado,
sonhado e, por isso, o enfrentamento dos contrários. A cada passo, novas
contradições afloram e novos significados precisam de nominação. A linguagem
simbólica atiça e alimenta os mistérios e o estímulo da vitória não pode
esmorecer.
As
técnicas sustentam os planos. Cada ideia torna-se uma ação, se houver meios de
concretizá-las. É próprio do jogo, disputar, enfrentar, combater e derrotar. O
juízo está nas técnicas utilizadas e elas dependem da finalidade da vitória. Um
jogo com técnica é técnico, nem sempre é belo. Um jogo com arte é belo, extasiante,
conquistador, emotivo e vibrante.
Técnica
se usa para tudo. Para fazer coisas boas e coisas ruins. Fabricam-se objetos
úteis para a satisfação das necessidades e armas inúteis para a harmonia
social. Com técnicas sustenta-se a guerra, mas é com a arte que se alcança a
paz. Esta última não significa perdão ou ausência de punição. Não punir quando
se deveria, não é virtude é covardia.
Há
bastante tipos de jogos, mas muito mais modos de jogar. No jogo democrático,
além das regras e das técnicas deveria figurar também a arte como um princípio
embelezador. A truculência, a mentira, o engano, não cabem quando está em disputa o futuro de
uma grande nação. Nesse jogo, entre maioria e minoria, deveria acima de todos, ser
considerado o princípio da totalidade. Com este, a jogada melhor mereceria
aplausos unânimes e não ataques.
O
jogo do jogo democrático é o movimento ascendente das jogadas. Os lados que se
enfrentam sabem que no dia seguinte continuarão vivos. No entanto, as
brutalidades praticadas nas disputas são sempre irresponsabilidades de quem
luta. As marcas não podem ser apagadas e enquanto persistirem há que punir com
o rigor das normas os infratores.
Quando
os interesses são mesquinhos, qualquer jogo provoca mal-estar. Por trás das
jogadas há sempre um desejo abusivo. Saber jogar não é apenas entrar no jogo,
mas saber calcular como sairá dele. Não há o “saber perder” porque, ninguém
treina para ser derrotado, mas há a obrigação de reconhecer a derrota.
Respeitar o resultado quando for legitimado pelas regras aprovadas antes do
jogo.
A
contemporaneidade, asfixiada, agoniza com as suas próprias invenções. A defesa
do “estado de direito”, tão valiosa, no passado, para os exploradores sobre os
explorados, começa a tornar-se um estorvo, porque cerceia os próprios preceitos
liberais que, nos momentos de crise econômica impede que as decisões explodam
como relâmpagos em meio aos temporais. Para os capitalistas na viagem da
acumulação, não deve existir a possibilidade de que, no “meio do caminho haja
uma pedra”; um índio, um sertanista, um líder popular, ou uma lei impedidora
que limite os gastos. Tudo precisa ser brutalmente retirado para que “a boiada
passe”.
É
nesse jogo irônico das circunstâncias históricas que coube às forças de
esquerda, ao invés de defenderem princípios comunistas, obrigam-se a sustentar
o legalismo mantenedor da ordem que garante a exploração do capital sobre o
trabalho, sem perda dos direitos
trabalhistas; o estado democrático de direito que assegura a “ordem e o
progresso”; o direito público e privado, que dá reconhecimento ao Estado, de
usar as forças impositivas, coercitivas e punitivas.
Tornou-se
obrigação de sobrevivência a busca de tomar o Estado com todos os poderes, para
salvaguardar a civilização capitalista, descartada pelos capitalistas, isto
porque, dos princípios fundamentais da Revolução Francesa, já haviam, de
imediato eliminado o da “fraternidade”, agora é incômodo o da “igualdade”, e
precisam forjar as separações, religiosas, culturais e regionais para fazerem
valer a “liberdade” de agirem sobre todos.
Quem
diria que, de “coveiros do capitalismo”, como sentenciaram Karl Marx Friedrich
Engels, deveríamos ser o seu salva-vidas para que não se afogue no oceano do próprio
vômito, prolongando seus enfadonhos dias, com a única intenção, de não deixá-lo
que nos jogue no limbo da barbárie de uma só vez.
Para
os estudiosos da dialética, sabemos que há movimento para frente e para trás. A
barbárie é o movimento para trás; o socialismo é o movimento para frente. Os
capitalistas apostam no primeiro, pensam salvarem-se com a povoação de algum
lugar do espaço. Se defendermos apenas o estado democrático de direito, não há
movimento para frente, porque nada de novo nos propomos alcançar.
É
tempo de jogar conscientemente o jogo no campeonato da superação. Disputar uma
eleição ouvindo a palavra “comunista” como uma acusação e não como um valor, é
uma lição que nos desafia a pensar, se ganhar nas urnas, mas perder na
linguagem revolucionária, por evitar pronunciar certas palavras, é uma vitória
ou apenas um calço posto no movimento regressivo inclusive das nossas fileiras?
Há
muito por fazer neste jogo comandado por regras determinadas, mas, para além
delas temos as técnicas a serem inventadas e a arte de fazer o belo renascer em
cada olhar.
Ademar
Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário