Há,
na atualidade, com a decadência da visão política, uma falsa compreensão, de
que não se pode estabelecer a referência de lados, nem contra ou a favor, como
se as disputas fossem encenações e as classes sociais, um velho conceito perdido no passado, pondo em
seu lugar o patriotismo e a consensualidade.
Já é evidente e, se percebe nitidamente, que a classe
dominante burguesa ligada ao capital produtivo e condutora da Revolução Francesa,
perdeu a capacidade de dominação para lumpemburguesia, arauta do capital
especulativo, parasitário que se movimenta nas entranhas do Estado capitalista,
pensado pelo filósofo Hegel para, como sujeito social, ser o garantidor da liberdade
nesta sociedade desigual.
Antes de Hegel, vigorou a filosofia de Immanuel Kant, criador
da ideia da razão pura individualizada, como referência de afirmação, inclusive
da Paz mundial. Para ele a razão era o sujeito social, isto porque, se em todos
os lugares do mundo existem indivíduos pensantes, bastaria que um pensamento
bom fosse formulado e todos o praticariam. Daí uma de suas máximas era: “Nunca
devo proceder de outra maneira senão de tal sorte que eu possa também querer
que a minha máxima se torne uma lei universal”. A burguesia ascendente queria
leis universais, porque, não tinha liberdade para transportar seus produtos de
um lado para outro. Queria imposto único e liberdade para ir e vir sem barreiras
impedimentos dos monarcas e senhores de terras.
O egoísmo burguês, fortalecido pela visão kantiana,
pareceu rejuvenescer, quando Hegel, também alemão, em 1821, um pouco antes da
realização das revoluções liberais na Europa, apresentou a ideia de que a razão
era apenas o entendimento da importância sobre liberdade e a vontade, mas, para
realiza-las precisariam do Estado capitalista e elaborarem outro sistema
jurídico capaz de combater o Direito natural. Sendo as leis justas, livre seria
aquele que as respeitasse, por isso o “reino da liberdade” estaria no Estado e
garantido para todos.
Os burgueses organizados e dispostos a tornarem-se a
classe dominante, convocaram as massas populares e impulsionaram as revoluções
liberais de 1848. Marx e Engels foram contemporâneos dessas revoluções e, inclusive,
neste mesmo ano publicaram o Manifesto do partido Comunista, porque tinham
entendido que a razão kantiana era um alento para o individualismo, pois, o
capitalismo era um processo em andamento coroado de conflitos e a paz mundial, jamais
seria alcançada enquanto persistissem as desigualdades sociais locais e entre
as nações. Por outro lado, o Estado não poderia ser o garantidor da liberdade
como pensava Hegel, porque, no capitalismo, as vontades das pessoas exploradas
não se realizam; o próprio sistema jurídico legitima a exploração da
força-de-trabalho e dá mais garantias para a propriedade privada do que para as
pessoas.
Mas eis que alcançamos um momento na História, o qual parece
ter misturado as concepções e já não sabemos se defendemos o Estado que garante
o reino da liberdade de exploração do capital ou se defendemos os burgueses
investidores em produção, porque eles perderam o poder de convocação, como
fizeram os burgueses liberais em 1848,
para a lumpemburguesia da especulação, das milicias e do crime organizado,
presente nos negócios públicos.
Além de tudo, nos deparamos com o processo eleitoral
angustioso. Parece que falar em “nos” e “eles”, por um lado, significa esquecer
o passado e, por outro uma divisão entre os bons e os maus. Esses pronomes
pessoais, quando pronunciados no caso reto, representam o sujeito do enunciado.
Sujeito, sabemos que é quem faz ou sofre a ação. Logo, ao dizermos, “nós
lutamos por dias melhores”, tem tudo a ver, porque além de combinarmos
corretamente o sujeito, o verbo e o complemento, ainda revelamos que fazemos
ações contra os diversos impedimentos. No entanto, todos falam em dias melhores
e, para chegar ao ponto decisivo, parece que o “entre nós”, nos dividimos em
dois lados, um para combater o “eles maus” do presente, e o outro para conluiamos
com “eles bons” do passado.
De volta a Kant iremos encontrar os burgueses
individualistas inseguros que querem a paz e desejam a ordem moral, com a qual
o fazer por dever será suficiente para alcançarmos o bem comum. Por outro lado,
se tomarmos a filosofia de Hegel como roteiro, encontraremos os burgueses
ansiosos por defenderem o Estado, a Constituição, as leis presentes nos códigos
e as instituições, simplesmente essas referências constituem a garantia da
liberdade e a democracia no estado de direito.
Se ousarmos vir um pouco mais aquém do passado e desejarmos
retomar a luta de classes, a superação da liberdade burguesa com a reelaboração
das leis, a superação do Estado e um novo direcionamento da propriedade privada
etc., encontraremos Marx, mas perderemos todos os burgueses aliados e grande
parte do “nós” que já não acredita no socialismo.
Diante
disso é compreensível porque setores da burguesia, sem forças para defenderem-se
da lumpemburguesia e incapazes de abrirem uma terceira via, juntam-se a “nós”,
para ajuda-los a salvar a ordem que lhe faz tanto bem. Certamente é porque aqui
encontram um “nós” que, em termos de ideias já tornou eles. Ou seja, filosoficamente eles querem que voltemos
ao passado, valorizando os contratualistas, Kant e Hegel, mas, politicamente desejam
que não voltemos a Marx pois teriam um fim assustador. E “nós”, para não
assustá-los, não falamos de Marx e agarramos o Estado, as leis, os códigos, a
moral burguesa etc. e nos tornamos guardiões dessas mediações da dominação.
Nesse sentido, a lumpemburguesia, em busca de impor a
hegemonia política, não combate os burgueses da produção que afetivamente os
rejeitam, nem os trabalhadores, as
massas populares desorganizadas e os cristãos das seitas religiosas; temem
porém, os comunistas por serem os únicos capazes de fazerem a leitura correta
da História. Mas não apenas, atacam e transformam em comunistas aqueles que abertamente
defendem o Estado de direito como garantidor da liberdade.
A lumpemburguesia não tem consistência filosófica. Não
prega o “mundo da liberdade” hegeliano, não vê nas leis a garantia da ordem e
nem no Estado capitalista a importância da harmonia entre os poderes. Ao
contrário, odeia Kant e também Hegel, porque não querem a paz mundial e nem
tampouco aceitam que as leis garantam a liberdade de exploração pois a força de
dominação para eles está na especulação, na violência e na alienação. Sendo
assim, as leis e as instituições impedem a realização das vontades pessoais,
por isso só veem um caminho para a satisfação das mesmas, o totalitarismo com
regimes ditatoriais. Sem leis nem poderes institucionais podem, de um momento
para outro, devastarem as florestas, entrarem em terras indígenas, metralharem
favelas; prenderem militantes contrários; liberalizarem as armas; tornarem secretas
informações perigosas; venderem e negociarem o patrimônio público etc.
O mundo sendo governado pela lumpemburguesia e aliados, é o pior dos
mundos. No entanto, estaremos enganados se acharmos que a burguesia do capital
produtivo, compradora de força-de-trabalho e acumuladora de capital pela
extração da mais-valia, defensora da democracia representativa e do estado de
direito, seja a nossa aliada. Seria o mesmo que alguém fosse jogado em uma
alcateia e, para se salvar tentasse fazer amizade com uma parte dos lobos
famintos.
Por acreditarmos que Marx e Engels estão com a razão,
embora estamos em desvantagem para efetiva-la, terminamos com o último
parágrafo do Manifesto; “Os comunistas detestam dissimular as suas opiniões e
seus fins. Proclamam abertamente que os seus objetivos só podem ser alcançados
pela derrubada violenta de toda a ordem existente. Que as classes dominantes
tremam à ideia de uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a
perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar”.
A palavra de ordem final “Proletários de todos os países,
uni-vos!”, é a consciência da verdadeira união a ser proposta, do contrário, o “nós”
de pronome pessoal direto, como sujeitos da História, nos convertemos em “eles”,
como pronome pessoal oblíquo, força auxiliar dos sujeitos burgueses que tudo
fazem para manter a ordem e a reprodução das desigualdades sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário