Desde o surgimento do Direito Positivo temos a inversão da supremacia da lei sobre o poder do soberano. Dizer que “ninguém está acima da lei”, tornou-se uma demonstração concreta de rebaixamento dos anseios autoritários. No entanto, como bem descreveu Arthur Schopenhauer, em seu livro, “O mundo como vontade e representação” (1819), a legislação positiva é a doutrina moral do direito aplicada ao inverso, isto porque, em cada lugar o seu alcance baseia-se nas relações e circunstâncias especiais estabelecidas.
Há algum tempo estamos ouvindo nas “pregações políticas”
de orientação ideológica integralista, o verberado “Deus acima de tudo”. Invocar
Deus em meio ao caos de um desgoverno poderia representar que a Fé dos cristãos
está sendo ameaçada, certamente porque os crentes estariam voltando as suas
atenções ao “bezerro de ouro”. No entanto, o significado real dado a essa
expressão, é que Deus está acima da lei e quem estiver com ele eleva-se acima
dos poderes da República.
Na última semana penetrou pelos olhares mais atentos uma
mensagem com o título de “Declaração à nação” e, para muitos passou como um
pedido de desculpas do ainda não apenado presidente, pelos arroubos proferidos
às vésperas do dia 7 de setembro, levando, pelo resultado benéfico, ao
aprofundamento das frustrações dos esperançosos neointegralistas, pois o golpe
de Estado para arrasar as instituições não veio e, tornou-se um espirro contra
um único ministro do Supremo Tribunal Federal.
Não há necessidade de longas explicações para as
desnecessárias escaramuças descabeçadas, afirmadoras da negação das condições imediatas
para oficializar qualquer tipo de golpe, porque, também não há nenhum movimento
contrário que possa ameaçar o funcionamento da ordem. É evidente que falta
mesmo é trabalho e competência para resolver os problemas cruciais do país, tão
conhecidos e denunciados pelas manifestações verdadeiramente populares,
situados na área da saúde, da educação, da assistência social, do emprego, preço
dos combustíveis, controle da inflação etc., coisa que qualquer governante
capitalista estaria empenhado em resolver. No entanto, vimos que os adeptos do
caos parecem viver em outro planeta e se movem por duas reinvindicações apenas:
fechamento das instituições e o voto impresso.
Soou como “um tiro pela culatra” a tal “Declaração à
nação”. E foi. Trouxe um grande prejuízo para os adeptos do “Deus acima de
tudo”. E, como um terremoto frustrado, só balançou a placa tectônica do
“banditismo político”, que buscou rapidamente com o auxilio de setores das
elites conservadoras, de natureza também golpista, mas desconfiadas com as
consequências do prolongamento dos tremores, interferiu para ganhar tempo. Do
lado das forças de esquerda, tudo continua como estava, nenhum grão de terra
desmoronou.
“Tudo bem”, dizem os conformados e ansiosos de que chegue
logo 2022, para, com as próximas eleições presidenciais acabar com a farsa e os
assanhamentos do representante do partido militar e das milícias, navegantes sobre
águas verde e amarelas, com odor putrefato de tanta sujeira composta de
propinas, corrupções, ódio, crimes e lodo.
Mas não são somente esses os sinais, como diria Tirésias,
o vidente grego declarando a Édipo sobre a condição para debelar a peste entranhada
no reino de Tebas. Havia um assassino a ser descoberto e julgado. As frases de
acanhamento na “Declaração à nação” nada dizem das intenções obscuras do
pestilento presidente, escondedor de crimes. Por isso, o que deve ser discutido,
não é o texto, mas as três palavras finais, aparentemente soltas, fora da
elaboração, grafadas com letras maiúsculas e portadoras de uma mensagem própria.
Quais são as palavras? “DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”.
Antes de tudo, essas palavras não são propriamente do
emissor, refletem a tradição “integralista”, um movimento surgido na França no
final do século dezenove, para combater o modernismo, por meio da aliança dos
propósitos religiosos com os princípios liberais. No Brasil, esse movimento,
devido à crise de modelo econômico de 1929, surgiu logo em seguida, buscando
reunir, na mesma concepção, as forças antidemocráticas, defensoras de valores
conservadores, autoritários e de tendência monárquica. Esta última ainda não
foi defendida abertamente na atualidade, como a forma de governo, mas é
desejada. Podemos vê-la incluída como terceira reinvindicação, posta pelas posições
truculentas do fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal,
dando ao presidente o status de monarca.
Há sem dúvida nenhuma um movimento em direção a anulação
da política, o cancelamento dos partidos, das eleições e de outras formas de
participação, sustentado pela junção dos princípios morais, militares e tradicionais.
Ou seja, na medida em que apresentam “Deus” como a figura principal, pensam
atrair as forças religiosas, agora não mais representadas pela Igreja católica,
como foi no passado, mas nas seitas neo-pentecostais insufladas pelo
imperialismo norte americano. Com o referencial da “pátria”, dirigem as
atenções às forças militares, policiais e paramilitares e, pelo saudosismo “familiar”,
atraem os conservadores para juntos edificarem a nova ordem autocrática.
Do ponto de vista estratégico, o texto da
“Declaração à nação”, em nada mudou. O suposto recuo fez-se necessário porque,
apesar de tudo, o momento histórico ainda não legitimou a linha proposta e,
certas expressões foram precipitadas, por isso iriam refluir sobre “a família
imperial”, ocasionando a prisão de alguns de seus membros e de outros adeptos.
Um acordo para baixar as armas, foi oportuno, mas os anseios integralistas
permanecem intactos.
De outro lado, é importante iniciar um debate para
combater a ingenuidade em nossas fileiras, de que basta ganhar as próximas
eleições presidências e tudo será reencaminhado para o sucesso do crescimento
econômico, da geração de emprego, do respeito à democracia etc. Esse raciocínio
dando como certo, não é de tudo ruim, mas como já disseram outros autores,
haverá eleições? Disputaremos e ganharemos o pleito? Seremos empossados? E,
governaremos com a mesma tolerância dada ao príncipe das “motociatas”
exibicionistas?
Acima de tudo, é importante compreender que o capitalismo
decadente geme como um animal ferido e se debate por todos os lados; por isso,
lhe interessa mais uma ordem instável do que a sonhada estabilidade que os
capitalistas da produção, a classe média e o proletariado conservador adoram.
O debate deve ir de encontro aos desafios essenciais
fazendo ver que precisamos pensar e agir; em primeiro lugar, como propôs Maquiavel,
e combater “deus” separando a religião da política, dando a cada esfera o seu
lugar. Em segundo lugar, como fizeram Karl Marx e Friedrich Engels, ao
denunciarem que, “o proletariado não tem pátria” e “os laços familiares das
famílias operárias são desfeitos e seus filhos, reduzidos a simples objeto de
comércio, a simples instrumentos de trabalho”.
É preciso desconfiar e reagir como quem está perdendo a
liberdade, para que não sejamos pegos de surpresa e sem energias, pelas sombras
do cair da tarde.
Ademar Bogo
Do chicote ao fuzil, o mínimo divisor comum é a bíblia!
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