O filósofo francês, François-Marie Arouet, mais conhecido por “Voltaire”, por volta do ano de 1760, em um de seus tratados disse que há poucos casos em que a intolerância é um direito humano, mas não deixa de ser uma opção necessária a ser usada.
Florestan Fernandes tinha consciência que a intolerância
é uma prática recorrente na História, praticada permanentemente pelos ricos
contra os pobres. Não tolerar é próprio daqueles que transformam os interesses
em dogmas e, por isso, as reações são sempre devastadoras. Nesse sentido, o
sociólogo brasileiro indicou que, para defenderem os seus direitos, os pobres
devem usar a “intransigência”.
Do ponto de vista hermenêutico ou interpretativo, “intransigência”
é não fazer concessão ou ser inflexível nos princípios. Já a intolerância é não
admitir o que ação alheia, no caso da política, deixar de aceitar pacificamente.
Portanto, as duas etimologias nos levam a um lugar comum, no qual fazemos as
opções e estabelecemos que, em relação aos nossos direitos devemos ser sempre
intransigentes, porque, ao contrário, tornando-nos “transigentes” cederemos,
tanto nos princípios quanto nos direitos já conquistados. Por outro lado, o
“direito à intolerância”, temporariamente, também deve ser exercido pelos pobres
quando os demais recursos foram esgotados, isto porque, na boa moral, a
tolerância é um valor que deve ser cuidado e praticado.
Vejamos a tese combinante das duas proposições. Com a
intransigência de não ceder em nossos princípios e direitos, restabelecemos o
valor da resistência. Resistir é defender o que já temos, mas, quando há algo
novo a ser conquistado, a resistência apenas não ajuda. Precisamos de algo a mais
para que sejam destravados os freios que impedem os avanços. A conquista de
novos direitos só virá com doses elevadas de “intolerância”.
Para quem manuseia constantemente a Constituição federal,
não há novidade alguma em argumentar a favor da intolerância dos pobres frente
à situação atual. No artigo 5º vamos encontrar que somos “todos iguais perante
a lei” e, por isso, devemos ter garantido, “a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. Da mesma forma,
podemos ler no artigo 6o que trata dos “direitos sociais”, dizendo que eles
são: “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”.
As evidências do “direito à vida” e a “assistência aos
desamparados” estão nos dois artigos e revelam que o Estado nas circunstâncias presente, deveria empenhar-se em adquirir
vacinas e liberar ajuda suficiente para os desamparados. São duas coisas que
não conquistaremos com a “intransigência”, porque, esses direitos já estão garantidos
por lutas anteriores. É preciso que se abra um tempo de intolerância contra os
governantes que, apesar de terem tido a autorização para “furar o teto” de
gastos para o auxilio emergencial, agem como se o Estado fosse propriedade
privada de uma minoria de mal intencionados que, ao invés da ciência e da
sensibilidade humana, adotam o negacionismo como diretriz política.
Por que a intolerância dos pobres passa a ser um direito?
Porque o país tornou-se um território de risco. A perspectiva da proliferação e
transmutações do coronavirus veio a ser incontrolável. Há quase uma centena de
novas cepas espalhando-se pelo território e as mortes diárias alcançam os
níveis mais elevados do mundo.
Por outro lado, o retardamento do controle do vírus
retarda também qualquer solução no campo econômico e social. A obrigatoriedade
do isolamento físico remete ao afastamento das possibilidades, dentre outras,
da produção de renda, abertura das escolas e atividades culturais.
A perspectiva da vacina vir para livrar-nos de todos os
males é uma verdade incompleta. O ritmo lento com que as doses são distribuídas
nos diz que, em 2023 ainda teremos gente para receber a primeira dose e isto
que não estamos contando com o período indefinido da eficácia das doses
aplicadas.
Há, portanto, uma série de bloqueios no poder executivo,
estendidos na economia, na política e nas ideias que impedem qualquer
alternativa ao caos. Os poderes, legislativo e judiciário associados aos
partidos políticos, agem, em nome da “democracia negacionista”, com adequada
tolerância, levando a população também a se comportar do mesmo modo.
Está na hora de fazer uso do direito à intolerância e
fazer de cada passo individual ou coletivo, um ato de protesto. É tempo de
intolerar por um tempo. Precisamos salvar a nação.
Ademar
Bogo
Autor
do livro: Moral da História
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