Calígula, na tradução do termo, “botinha”,
apelido do imperador romano Caio César,
por desde pequeno gostar de usar esse calçado de tipo militar. Era possuidor de
natureza extravagante e pervertida, tido historicamente como o mais cruel
dentre os imperadores. Teve um governo curto. Reinou entre anos 37-41 quando
foi assassinado pela própria guarda. Por não confiar bastante e ter restrições
à fidelidade dos aliados, nomeou o próprio cavalo “Incitatus” como cônsul romano. Foi o terceiro imperador romano e
teve um governo marcado por erros que provocaram diferentes crises, motivando-o
a realizar reformas que levaram ao esvaziamento dos cofres públicos,
obrigando-o, no final, pedir dinheiro ao povo para se manter. Na Alemanha
também, o terceiro império (Reich), foi marcante e instalou-se entre os anos de
1933-1945 e foi governado por um verdadeiro carrasco, Adolfo Hitler.
No
Brasil, no último triênio não tivemos um terceiro governo, mas três governos em
um mesmo mandato que mistura muitas características dos reinados, romano e
alemão. No entanto, invertendo a ordem, aqui nenhum cavalo foi nomeado
ministro, mas muitos cavaleiros, calçados de “botinhas” integram a governança e
não param de fazer extravagâncias, com leite condensado, chicletes e bacalhau; esvaziando
os cofres públicos e praticarem perversões com o descaso da saúde pública.
Este
governo, iniciado em 2018 no Brasil, sem abandonar a ideologia nazi-fascista,
inaugura já o terceiro tipo. Primeiramente organizou-se para combater o
comunismo, por se tratar, na ótica nazistóide de uma sombra ameaçadora de não
deixar o “sol da mediocridade” brilhar e governar. Como as forças comunistas e
socialistas foram desmanchadas como a gordura em brasas, nos governos anteriores
e, por respeito ao princípio educativo de respeito à ordem em qualquer circunstância,
as forças de oposição foram silenciadas; sem resistência, o “butinada” refluiu
o ataque aos intelectuais, às universidades, a Paulo Freire e também, em certo
grau, aos comunists.
Em
meio à crise econômica e com a chegada do exterior do coronavírus, foi preciso
encontrar um novo inimigo, já que os comunistas não foram localizados e com o
isolamento físico, as reações populares foram inibidas e reduzidas a alguns
panelaços. No segundo governo, devido ao comprometimento do núcleo familiar e
desavenças internas forjadas por não ter o controle sobre os órgãos
repressivos, somado com o protagonismo dos governadores no combate a Covid-19,
as instituições sustentadoras da ordem tornaram-se o alvo de perseguição. Os
poderes Legislativo e Judiciário foram colocados na alça de mira com claras
ameaças de serem abatidos. No fundo, como a causa para um golpe de Estado era
pessoal criada por escândalos familiares, o presidente optou por mover algumas
peças, desfazendo-se de aliados, retomou o controle dos focos ameaçadores e,
também alguns governadores foram atingidos e recuaram.
No
presente momento, inicia-se o terceiro mandato. Frustrado com as políticas
neoliberais que não destravam os freios da economia, nem arrecadam dinheiro
para o Estado, inicia com o controle do
Congresso Nacional, dando aos partidos aliados alguns cargos ambicionados e
afagos às instâncias superiores do poder judiciário, mas volta-se para tentar controlar
as empresas públicas produtoras de capital, contradizendo totalmente as
diretrizes neoliberais, o que lhe valeu ser ele agora chamado de “comunista”
pelo PSDB.
Os
pilares estruturadores do terceiro governo, que durará provavelmente também um
ano, embasam-se em três fundamentos: o controle do Congresso nacional, o
incentivo ao agronegócio e a interferência nas empresas públicas,
principalmente a Petrobrás. Nesta última a manobra pode favorecer os
consumidores de petróleo, acalmar os caminhoneiros e, talvez contribuir para
reeditar o auxílio emergencial às vítimas da pandemia, prevendo a manutenção de
índices razoáveis de popularidade.
Esse
conjunto de articulações permite dar aos aliados alguma satisfação e ajudar a
diminuir os ataques inimigos. Para os deputados, cargos e liberação de emendas
a cada votação; para o agronegócio, incentivos e armas para assegurarem as
propriedades rurais; para a população em geral, a vacina, entendida agora como
a única solução para amenizar a crise econômica e, para os miseráveis, o
auxílio que garante a popularidade e cacifa o presidente como nome imbatível
para a reeleição em 2022, ano que, provavelmente, se iniciará um quarto tipo de
governo no mesmo mandato, com a volta dos ataques às instituições, às urnas
eletrônicas com incentivo à desobediência à aceitação, se o resultado das urnas
não for favorável ao partido militar.
Para
as esquerdas, como um paciente sem senha para ser atendido, com essa tática
legalista, sobra circular pelos ambientes a procura de um assento que ninguém
quer ceder. Aparentemente está em pé, mas, como o paciente contaminado pelo
vírus, está sem energia nem inspiração para sair fora do eixo do atendimento tradicional,
por isso espera que alguém ou um acaso venha salvá-la.
Essa
espera, porém, denuncia que a crença da relação entre “Esquerda” e “Estado” já
não é mais nenhum mistério, isto porque, para chegar ao governo, a esquerda
precisa aliar-se com as forças de direita, aliando-se torna-se força auxiliar
para a implementação dos projetos dos capitalistas; se discordar, em nome da
democracia, o governo é interrompido com golpes e rasteiras.
A
situação política atual é semelhante à intuição de um paciente em dúvida se
está contaminado pelo vírus ou não. Para saber se está, precisa ir ao hospital,
mas, se não está, indo ao hospital, é quase certo que irá contaminar-se. Neste
sentido, as forças de esquerda sem nada a oferecer nem a propor, defendem
unicamente a volta do auxílio emergencial, mas sabem que, se for aprovado, quem
ganhará com isso é o presidente da república e torna-se forte para disputar a
reeleição.
Resta
encontrar outras soluções. As ditaduras dão indicadores para as democracias
agirem. Enquanto as primeiras enfrentam os descontentamentos com golpes dados
pelas forças militares, as segundas enfrentam os desmandos com as forças
populares. Por isso, se para as forças golpistas, as eleições só são válidas
quando elas saem vencedoras, porque seriam as mesmas eleições vantajosas para
os revolucionários quando vencem e são impedidos de governar?
O
descompasso é tão grande que enquanto as forças de esquerda preparam-se para as
próximas eleições, as massas preparam as mortalhas e enterram os seus mortos a
espera de um auxílio que as compre para ficarem caladas. E não agem errado.
Cumprem temporariamente com as suas obrigações. Nós que ainda comemos e
escrevemos, pensamos como Jean-Jaques Rousseau quando declarou que: “quando um
povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; assim que pode sacudir
esse jugo e o faz, age melhor ainda...”.
Torçamos
para que as forças partidárias, movimentos sindicais e sociais se dêem conta
que o povo agirá melhor ainda, mas só estará com ele quem achar que consciência
é consciência e não uma mercadoria, e que, democracia não é votar e delegar o
poder, mas assumi-lo, destruindo e superando todas as estruturas e mediações
que asseguram a exploração, a desigualdade e as injustiças.
Ademar
Bogo
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