A “justa medida” é um conceito pertencente a Aristóteles que, ao elaborar as formas de justiça, definiu, na “justiça corretiva” que “ela será o meio-termo entre perda e ganho”. É, para ele, com essa intencionalidade que as pessoas recorrem ao juiz, representante de uma espécie de “justiça animada”, latente e pronta para interferir nas questões litigiosas em busca de resolvê-las.
Aristóteles é aparentemente rígido na aplicação da
justiça, mas é condescendente com o sistema da ordem estabelecida, isto porque,
o papel do juiz e da justiça é “restabelecer a igualdade”, seja no caso de
ferimento, morte, ou quando o sofrimento e a ação forem desigualmente
distribuídos, o juiz busca, por meio da pena, subtrair uma parte do ganho do
ofensor para compensar a perda da vítima.
Poderíamos seguir resgatando os elementos que sustentam a
argumentação sobre as formas de justiça em Aristóteles e estender os seus
ensinamentos, vinculando-os às formulações de São Tomás de Aquino que veio
entender que, na “justiça corretiva” de seu mestre, deveria ainda agregar-se a
“reparação dos danos”, fazendo com que, comutativamente o infrator tivesse que
arcar com os custos do mal causado.
Em síntese, podemos concluir que esses
entendimentos perpassaram todas as épocas e, no capitalismo, contribuem para
estruturar o sistema tributário, empregar sanções por meio das multas, estabelecer
acordos de leniência firmados entre infratores confessos e o Ministério Público
Federal. Nesse sentido, as infrações e diversos tipos de crimes têm as penas
facilitadas para os ofensores, por meio do pagamento em dinheiro por todos os
danos causados. Por exemplo, uma multa de trânsito segue o mesmo ritual de um
crime ambiental de desmatamento ou incêndio nas florestas, como também a
sonegação de impostos etc. As multas são subterfúgios para “reparar os danos”,
mas mantêm o sistema e a ordem exploradora e desigual em harmonia com os
desejos de expansão do capital.
De
outro modo nos interessa relacionar esses delineamentos reflexivos enraizados também
nos programas políticos partidários que operam na contemporaneidade com
critérios que são próprios para a manutenção da ordem desigual, coercitiva e
vantajosa para as classes dominantes. É nessa trama de interesses escusos e
entendimentos equivocados que os discursos dos políticos dos atuais partidos,
de “direita” e de “esquerda”, expressos em defesa do “Estado de Direito” servem
como conteúdo para o conceito de “democracia” no capitalismo.
Se
das forças partidárias de direita nada se espera de justo, das forças de
esquerda também não se pode esperar que haja a superação das injustiças. Para
estas últimas o conceito de democracia abriga a ideia de que tudo se resume na garantia
dos pleitos eleitorais. A simples ameaça de fechamento do Congresso Nacional é
suficiente para dar fôlego à argumentação de que “estamos rumando para o
totalitarismo”. O mesmo se dá com o conceito de “liberdade” que também envolve
a grande mídia, significando nada mais do que “o direito à expressão”. É
evidente que sem esses mínimos de garantia piora muito a convivência com o
regime, mas, com apenas essas garantias somente a minoria que tem acesso a
alguns direitos se sente beneficiada e incluída à ordem.
As
limitações forjadas nas praticas conciliadoras em vista da garantia do direito
de figurar como “sujeitos da ordem”, tem trazido para os trabalhadores e as
massas cada vez mais pobres, o aprofundamento da alienação. Ela faz creditar ao
Estado e aos governos gestores de políticas públicas, a responsabilidade para
atacarem as desigualdades sociais. No fundo, há décadas vem se tentando fazer
crer que, existem “governantes do mal” que gerem o Estado capitalista do mal e,
“governantes do bem” que gerem o Estado capitalista do bem.
Diante
desta concepção, falar em “democracia institucional”, na atualidade é música
para ouvidos dos partidos de esquerda. O bom funcionamento das instituições,
com concursos públicos assegurados; segurança pública estruturada para combater
a criminalidade; o acesso aos meios de comunicação; a manutenção de programas
emergenciais etc., parece fazer inveja a Platão, por não ter visto a
implantação do modelo republicano idealizado e, a Thomas Morus por não
vislumbrar a utopia realizada.
Para
os leitores mais atentos das contradições do movimento da História, não custa
lembrar que os conceitos de esquerda e direita, foram formulados dentro do
parlamento francês, logo após o triunfo da Revolução francesa. A natureza da
denominação surgiu devido o acaso da acomodação geográfica dos jacobinos
agrupados naquele lado esquerdo da Assembleia. Se, naquele acaso, tivessem
invertido as ocupações de espaço, os jacobinos progressistas e radicais seriam
de direita e os girondinos, conservadores, seriam esquerda.
Poderiam
essas classificações hoje pouco importar se não fosse uma semelhança com o
passado, em que direita e esquerda; situação e oposição representaram e
representem posições a favor da ordem estabelecida e da permanência do
capitalismo.
A
unidade em torno da manutenção da ordem capitalista é de fácil comprovação.
Vejamos um exemplo baseado na “justiça corretiva”. Qual é a solução que os
partidos de esquerda indicam para “sair da crise econômica”? Taxar as grandes
fortunas. Sem desmerecer a alternativa, mas as forças que propõem isto, hoje,
já estiveram no governo Federal e várias delas estão nos governos estaduais.
Por outro lado, esqueçamos as apelações casuísticas; imaginemos que isto venha
a ocorrer, enfraqueceria a classe dominante? Desestruturaria o capitalismo?
Criaria condições para a transição socialista?
Da
mesma forma, algumas outras soluções são mostras de medidas democráticas e
visam afirmar a possibilidade de que essas forças, temporariamente derrotadas,
voltem ao governo para pagarem, com as próprias mãos, parte das dívidas sociais
que o Estado contraiu ao longo do tempo, contra a população. Gerariam mais
empregos, financiariam moradias, abririam vagas nas universidades etc. Bastaria
apenas uma chance para fortalecer o Estado e fazê-lo garantir empregos por meio
de concursos públicos; liberar créditos e incentivos aos capitalistas para
comprarem força de trabalho; expandir o comércio para recolher impostos e pagar
a dívida pública; manter as taxas de juros elevadas para que os Bancos privados
e públicos acumulem capital e emprestá-lo aos investidores etc.
Podemos
então recolocar a pergunta: se defendemos somente essas propostas de que lado
estamos, contra ou a favor ao capitalismo? Entendemos que a influência metafísica
de Aristóteles ronda e contamina as ideias de nossos intelectuais e políticos
que se empenham em encontrar soluções para os problemas sociais, mas, no fundo,
o que fazem é encontrar no processo de decadência do capitalismo a “justa
medida” para que esse sistema não colapse de uma só vez.
A
você que agora junto raciocina, deve estar se perguntando: é errado então
propor medidas que penalizem os ricos e lutar para derrubá-los do governo? Não.
O erro não está em tomar medidas imediatas que estejam contidas num programa
mínimo, mas, em só propor isso e não colocar como meta a superação capitalismo
como se com ele se poderia se pudesse, cobrando pelos danos estabelecer a
justiça. Se, com a “justa medida” Aristóteles fez funcionar melhor o
escravismo, com as mesmas medidas não se fará funcionar cada vez pior o
capitalismo.
Lembramos
ainda que não basta dizer-se de “esquerda” para ser contra o capitalismo. As práticas
mostram-nos o contrario. Se as forças políticas se somam quando se trata de
garantir o funcionamento em funcionamento o capital e o Estado, não podemos
dizer que existem dois lados. A simples existência desses dois elementos,
capital e Estado seria o suficiente para mostrar-nos que viveremos na sociedade
cada vez mais desigual.
E,
para os que relutam aceitar essa argumentação, embora se denominem “marxistas”,
uma simples olhada no “Manifesto do partido comunista” de 1848, mostra que,
naquela época as ideias revolucionárias comunistas enfrentavam três posições
transviadas socialistas: a) Socialismo reacionário; b) Socialismo conservador e
c) Socialismo e comunismo crítico-utópico. Nenhum deles servia e, para não
serem confundidos, Marx e Engels nomearam o programa de, Manifesto de
Comunista.
Para
a juventude dispersa nos partidos, igrejas ou completamente desorganizada, mas
que é portadora do germe da inovação revolucionária, cabe o alerta de que, se
continuar acreditando nesses discursos sebosos e nas pregações moralistas, nos
sobrará outro caminho a não ser a definitiva barbárie e o inferno, que no fim
representam a mesma coisa.
Ademar Bogo
Autor do livro: Moral da História
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