Em grande medida, nas análises de conjuntura feitas virtualmente por parte de cientistas políticos, economistas, historiadores, lideranças políticas, predomina a referência da palavra “crise”, que vem acompanhada de múltiplos adjetivos, como: econômica, política, social, ecológica, sanitária, educacional, cultural, ética e moral, dentre outros. Na verdade, o que temos em pauta há pelos menos duas décadas nas práticas reflexivas, é uma tremenda confusão no entendimento do que significa um estado de “decadência” e outro de “crise”.
Para facilitar o entendimento hermenêutico da das
palavras e a razão do uso das mesmas devemos entender a situação como o fez
Gyögy Luckács quando escreveu a “Ontologia do ser social”, expressando-se ali
da seguinte forma: “É preciso ver Hegel do mesmo modo como Marx via Ricardo: No
mestre, o que é novo e significativo se desenvolve arrebatadamente, em meio ao
‘esterco’ das contradições, dos fenômenos contraditórios”. Ou seja, muitas
visões desenvolvem-se junto com a visão que pretende ser dialética e que a
contaminam.
É
evidente que os “mestres analistas”, com seus respeitados méritos, ao
mergulharem nessa profunda fossa céptica, trazem para fora, os adjetivos
enlameados e os colocam na grande peneira do “ilusionismo político”
confundindo-a como sendo o espectro da crise que, ali, após um curto espaço de
tempo, talvez, menos de uma hora, secam como folhas verdes postas ao sol. A
razão disso não está apenas no ponto de partida da análise que adjetiva os
aspectos das contradições, mas na quantidade de “esterco” que confunde
decadência e crise.
Ao descermos até a definição originária do conceito de “crise”
percebemos que seu uso e colocação na análise estrutural do capitalismo, na
atualidade, é inadequado. Krisis, no vocabulário
grego significa: “escolha, seleção, decisão”. No Latim, “crisis”, significa, “momento de decisão e de mudança súbita”. Os
historiadores nos dizem que na antiguidade, a medicina tinha, tanto para a cura
quanto para a morte pontuados os períodos a cada sete dias. Com base nas
definições originárias do termo, queremos mostrar aqui que, “não vivemos um
tempo de crise”, mas sim de “decadência” e, as condições para sairmos dessa
situação remetem a termos que elevar as verdadeiras contradições para fora do
“esterco da política institucional”, interrompendo a queda em direção ao
aprofundamento da decadência para o estado de crise onde se possa tomar
conscientemente algumas decisões.
Entendemos que esta é a razão do porque, a grande maioria
das análises não conseguem apontar para “quefazer” que tenha consistência. No
estado de decadência, a pressão estrutural puxa para baixo todos as forças como
se fosse um objeto em queda livre, que tem apenas como resistência o atrito do
ar e, mesmo que vez em quando haja uma suposta parada, o processo de queda não
se interrompe e o destino é a barbárie. A única maneira de interromper a queda
é posicionar as forças contrárias para que provoquem a crise que abre
possibilidades para as novas contradições.
É isso que devemos entender quando dizemos que devemos
“elevar as contradições para o estado de crise”. É justamente deixar de ser
coniventes com a decadência e coadjuvantes das classes burguesas, tentando
ajudá-las encontrar soluções para a decadência do capitalismo que nos leva a
degraus cada vez mais baixos. Dizemos isto porque, essa prática tem se tornado
uma regularidade no comportamento das forças de esquerda, nas últimas décadas.
Para
que comecemos a pensar, basta observar o que foi a transição e saída da
ditadura militar e implantação da ilusória democracia. Todos os esforços para a
realização das eleições diretas, na base do entendimento, havia a intenção de
concertar os estragos feitos pelos militares. A ilusão de que o processo nos
havia empurrado para cima, com o neoliberalismo vimos a decadência puxando-nos
para baixo. Então interferimos para frear o movimento de queda, e conseguimos gerenciar
por 13 anos o capitalismo mas, reiniciou o movimento decadente, veio o golpe de 1916 e depois, a volta dos
militares ao poder pelo voto direto, a mesma arma construída com o movimento
das “Diretas já” de 1984. Quais foram as respostas para impedir o avanço da
decadência para um degrau mais baixo? “Fora Temer”, “Lula livre”, “fora bolsonaro”;
“Pagamento de R$ 600.00”, “Eleições municipais”.
Esse
processo nos mostra claramente que não há “crise” porque contra a
decadência não há resistência. No máximo
que estamos assistindo é o desejo de voltar a governar o país em um degrau
ainda mais baixo da decadência em direção à barbárie. Para fins de tornar
didática a explicação, situaremos a decadência em três aspectos fundamentais:
a) do capitalismo; b) dos processos revolucionários; c) da cultura intelectual
Em primeiro lugar, o destaque para o estado de decadência
e não de crise do capitalismo, pode ser compreendido por todos estes aspectos
adjetivados nas análises já citadas. O sistema capitalista, estruturalmente
está em decadência e já entrou na fase destrutiva. A reação é a de qualquer
indivíduo que, ao iniciar uma queda, busca sustentar-se em qualquer coisa que
esteja ao alcance das mãos. Como o capitalismo não encontra nada que suporte o
seu peso, tudo, das grandes as pequenas coisas, estão sendo puxadas pra baixo.
Daí a sensação de que tudo está em “crise”, na verdade tudo está decaindo: a
economia, a política, a cultura, a ética, o bom senso, os direitos etc., porque
o capitalismo não tem mais repostas a dar para o seu próprio envelhecimento
precoce.
Em segundo lugar temos a decadência dos processos
revolucionários que, tendo sido desclassificados pelo sistema estrutural das
classes produtivas e pelo encantamento do legalismo político, que fetichizou o
poder, oferecido para as esquerdas na forma de conuista governamental, e não
como conquista e superação do Estado, rebaixou também o alcance da estratégia,
fazendo com que os processos não tenham um fim preconcebido. Luta-se para
alcançar os meios (governos) que realizariam os fins, como, o emprego, a
moradia a educação para todos etc., sem considerar que a finalidade maior seria
a superação do capitalismo.
As mudanças nas relações de produção destruíram as formas
clássicas de organização, sindical e partidária, isto porque a primeira era a
base de sustentação da segunda. Na medida em que não há organização da classe o
partido deixa de ser o represente o veiculo transportador da consciência de
classe.
E, em terceiro lugar é a decadência da cultura
intelectual. Estamos passando por um momento piorado àquele vivido por Kant,
que enfrentou o racionalismo e o empirismo que disputavam a supremacia do
conhecimento, no entanto, havia a classe burguesa que fustigava com toda a sua
consciência individualista, para que se encontrasse uma justificativa para derrotar
os reis, o poder feudal e o Direito Natural. Kant “ao despertar do sono
dogmático”, estruturou a explicação dos tipos de juízos. O “analítico” que não
traz conteúdo nenhum, apenas repete o que se diz do sujeito: exemplo
atualizado: “o governo é entreguista”, o predicado repete o que é o sujeito. O
juízo sintético, baseia-se nas experiências particulares feitas; exemplo
atualizado “A solução está no voto”. No
entanto, Kant demonstrou que se a burguesia como classe ascendente se quisesse
conhecer deveria “criar novos juízos” que surgissem de sua própria razão e se
tornasse prática social.
Atualmente
vivemos pressionados pelo “espiritualismo conservador” e o “anti-comunismo
neo-nazista”, sem a força de classe que instigue para que, tanto a
intelectualidade quanto as organizações partidárias, sintam-se preocupadas para
criarem “os próprios juízos”, propondo a superação do capital, do Estado
capitalista, do Direito positivo e da moral conservadora. Sem isto, permaneceremos
misturados ao “esterco das contradições” criadas e impostas pelos anúncios da
distração burguesa que, ao posicionar-se, intencionalmente arrasta todos os
analistas, por uma semana, para divulgar o factóide desviante das atenções.
O
enfrentamento à decadência que ruma ao estado de barbárie, se faz mediante a
colocação de “Pontos de crises” que visem a contaminação da totalidade do
sistema. Os “pontos de crise” começam por impedir a decadência e isso se faz
com, mobilização, elaboração, organização e consciência.
Ademar
Bogo
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