Enquanto muitos autores dedicaram-se ao longo do tempo a estudar a “A História da Filosofia”, Walter Benjamin, na primeira metade do século passado inverteu a combinação e dedicou-se a desvendar “A Filosofia da História” que Michel Löwy detectou no seu conteúdo três fontes: o romantismo alemão, o messianismo judaico e o marxismo.
As contribuições desse autor, devido
ao abreviamento da própria vida, ficaram incompletas, mas isso não impede de
considerarmos que a influência do romantismo messiânico e religioso, na
História Moderna, derrotou iminentes figuras políticas e processos, como
Maquiavel, os vários propositores do socialismo utópico e, para resumirmos,
passou pelo “sandinismo” nicaraguense, pelo “chavismo”, chegando até nós por
meio do “lulismo” brasileiro.
A concepção romântica e messiânica
da História, na visão de Benjamin, é a compreensão de que ela com concebe o
“devir histórico” como um tempo indeterminado de progresso na busca do “reino
de Deus” e nunca se coloca como um processo de transformação por meio da
revolução.
Ao tomarmos como referência a
categoria de análise do messianismo religioso não estamos dizendo que a
religião comandou a política, mas sim que a execução da política ganhou
contornos religiosos de um entremeio de juízo final, que redimiu a parte
ofendida, mas não condenou a parte culpada. Aliás, embora, sempre relutamos
incluir em textos de análise citações religiosas, neste, elas cabem, porque as
esquerdas no governo fizeram acontecer o Evangelho de João ( 14:2) “Na casa do
meu pai há muitas moradas”.
A influência desse enunciado
religioso esteve e está expresso literalmente nos programas de governo de
esquerda desde o Federal até os municipais, nessas décadas do novo milênio com essas
palavras: “governo para todos”. Isso serviu para mostrar que há lugar para os
banqueiros, industriais, agronegócio, mídia conservadora e também para os
pobres (nos programas assistenciais). Para os negros e índios apenas nas cotas
educacionais, mas não na demarcação de suas terras, porque a posse das reservas
e das áreas de quilombos deveriam ser, como sempre foi desde a chegada dos
portugueses, “democraticamente” reservadas para o grande capital.
Olhando de soslaio para o tempo messiânico,
que diversos autores denominaram de “ascendência do lulismo” no Brasil,
percebemos que, há menos de uma década, por volta de 2010, a sensação era de
que a oposição institucional da direita havia sido aniquilada e que, a rigor,
agora se repete com a pouca expressão da esquerda; com uma diferença de que o
aniquilamento não é aparente, mas dura e ofensivamente real.
Um consolo, no entanto, nos serve
como alento, de que esse enfraquecimento das esquerdas não é mérito do
“bolsonarismo” e, por isso, por ele nunca fomos derrotados. A derrota, como
diria Benjamin, aconteceu pela intervenção de um “autômato” que teleguiou a
condução da política com o espírito messiânico de que, a bondade é infinita e
que a redenção não se dá sem o perdão dos culpados.
Por outro lado, ou mais
precisamente, pelo lado ofensivo da extrema direita, vê-se, neste momento, que
estamos no meio do caminho entre o início e o fim da pandemia, pois, é provável
que as mortes causadas pelo vírus, por um bom tempo ficarão próximas de mil
pessoas por dia; isso deveria levar a execração pública do presidente e
conduzi-lo ao julgamento no Tribunal de Haia. No Entanto, a sua popularidade
começa ganhar consistência, ameaçando com os mesmos instrumentos
assistencialistas usados pelos governos anteriores, fazendo render para uma
melhora fictícia na redução da pobreza, maior do que a que foi alcançada pelo
governo Lula, pois atende a 60 milhões de brasileiros, isso é mais do que
suficiente para eleger um presidente da República.
As análises agora estampam títulos
que buscam explicar o reverso do messianismo, expondo que “o lulismo está
ameaçado”. E por que não estaria se as massas mais pobres continuam
sequestradas no mesmo cativeiro da cooptação das consciências? O que os governos
anteriores fizeram foi apenas entregar a chave para o presidente atual. Agora,
veremos se as vozes formais e populistas virão a publico para dizer que se
havia tirado da miséria e levados para o status de pobres milhões de
brasileiros. Coisa que sabíamos que era apenas uma fantasia pois o que ocorreu
foi apenas uma distribuição, sustentada por dinheiro público, de comida e não
de renda que continuou ainda mais concentrada.
E não precisa de grande formação
política para perceber que, se as políticas assistências como “Bolsa família”
que sustentou a popularidade dos governos anteriores, e agora continua
existindo, mostra que muito pouco foi feito para redimir os pobres da miséria e
que, na “casa com muitas moradas”, esta na qual a pobreza habita, continua
sendo visitada pela assistência, produtora de gratidão, mas não de consciência.
Somado a isto, vem o auxílio maior,
corroborado pelo consenso entre todas as forças políticas para que o governo
ultrapassasse o teto dos gastos e estabeleça o pagamento nunca visto, de um
crédito de R$ 600,00 que se prolongará enquanto continuar a pandemia, mas, para
o governo interessa pagá-lo, nesse valor, até o mês de Novembro, quando se
realizarão as eleições municipais. Depois será insustentável para o Estado, mas
poderá ocorrer um consenso de reduzi-lo para R$ 200,00 e será suficiente para
reeleger Bolsonaro porque está acima do valor oferecido pelos governos
anteriores.
Não tenhamos dúvidas, o prolongamento
da agonia da pandemia beneficiará o presidente da República que receberá a
gratidão das grandes massas desempregadas e famintas, pelos benefícios
garantidos e, mesmo ele não tendo um Partido para disputar as eleições
municipais, a classe dominante saberá utilizar os benefícios para afirmar as
bases para a próxima campanha presidencial.
Se no tempo presente a História
reduziu as possibilidades de reação, foi porque as forças que poderiam agora
reagir, foram atreladas ao processo institucional e desaprenderam a fazer
política fora do processo eleitoral, cujo voto passou a respeitar mais a
gratidão do que a consciência. E para reverter essa situação somente com uma
intervenção contra o crédito emergencial pela substituição da distribuição de
renda fixa pela promessa da distribuição da riqueza. Caso contrário, as forças
de esquerda ficarão no limbo por um longo período.
Gratidão por gratidão, se com a
referência passada já foi retribuída com 4 mandatos do PT, agora, mesmo que o
benefício venha pela mão agressiva de um neofascista, é dela a vez de receber o
reconhecimento dos pobres assistidos. Então será o tempo de perguntar: o que
foi o lulismo senão uma intervenção assistencialista e messiânica, que tratou as
massas, da mesma forma que vinha sendo tratada ao longo da História do Brasil, como gado nos
“currais eleitorais”?
O tempo sempre foi favorável com
aqueles que constroem grandes obras. Mas ele não pode ser visto como eterno e
nem como redentor sem punição. Se o messianismo mostrou e nos mostra pelo
“bolsonarismo” que o assistencialismo é uma forma momentânea mas astuta de
fazer política, é sinal que o caminho a seguir tem que ser outro. O tempo cobra
uma meta de chegada e o processo de superação proposital do capitalismo,
precisa ser posto em marcha.
Já é tempo das forças de esquerdas
combaterem as ilusões em suas fileiras e na mente das massas exploradas. Desde
a crítica ao socialismo utópico é que o marxismo vem mostrando que é preciso mais ciência e menos emoção e oportunismo na prática política. O capitalismo
não será superado com a união de todas as forças e nem pela suposta “democracia
eleitoral” que só existe e permanece em vigor enquanto favorecer a ordem
dominante. A superação do capitalismo virá pela vitória da luta de uma força sobre a outra. As duas juntas não formam uma vitória, porque não constroem nenhuma derrota.
Se a gratidão social é alheia à
consciência para quem a dá, ela não é para quem a recebe. Tanto as forças de
esquerda, quanto as do nazismo, já mostraram o que podem fazer na política com
o apoio popular. O que as massas populares ainda não viram é que, em ambos os
domínios elas ficaram de fora da “casa grande”. Enquanto esta casa não for
derrubada, seja de qualquer mão, a ajuda sempre será bem vinda e mão ingenuamente beijada e gratificada.
“Mesmo os cães famintos sabem que não é
boa a ideia morder a mão que os alimenta”; diz o roteirista norte-americano.
Mordem sim, aqueles que os importunam enquanto comem. Portanto, conheceremos a
verdadeira política, quando o tratador for extirpado da cultura e os tratados
assumirem o comando da própria história. Até lá, o messianismo continuará sendo
o espírito da política no capitalismo.
Ademar
Bogo
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